quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Só faltava essa!


Não, não precisa explicar nada, é assim mesmo...

Vamos, quando passarmos por lá, te pago uma esfirra, é boa, o local é assim meio estranho, possui uma aparência meio suja e, te digo, não é só aparência não, é sujo mesmo, mas como lá desde pequeno, nunca tive maiores problemas, pelo contrário, já comi em lugares cheio de fru-frus, e me dei muito mal.

Sim! Não estou dizendo que estás com fome, afinal não é necessário estar com fome para comer. Digo-te até mais, prefiro comer exatamente quando não estou com fome, pois assim come-se pouco, come-se pelo prazer, sentindo mesmo o sabor do que se está comendo. Quando estamos com fome a tendência é comermos mais apressadamente, acabamos por comer por demais e não apreciamos realmente o que estamos sorvendo. Estou te levando em um local clássico, para saborear uma iguaria que tem em muitos lugares, mas o de lá, não sei por que, é diferente.

Sabe. Ontem quando a gente se encontrou, tive a nítida impressão de que já te conhecia de muitas datas, de outros tempos, não sei te explicar, mas quando você me falou o seu nome, tive a certeza de que eu já sabia, talvez tenha te visto tocando em algum bar? No ônibus? Pensei até que poderíamos ter sido colegas no grupo escolar, você sabe como é né? A gente muda tanto... Ficam uns traços aqui outros ali, reconhecemo-nos sim, mas de resto só nós mesmos é que achamos que não mudamos, afinal o nosso interior é o mesmo, ou pelo menos, achamos que seja, afinal só nós acompanhamos a evolução de nossas próprias loucuras!

Não... Não se preocupe, hoje esta impressão já passou, tenho absoluta certeza de que nunca a vi em minha vida, seu nome?! Nunca pronunciei, aliás, esqueci, incrível! Apaguei, não sei como te chamar! É estranho estar andando lado a lado com uma pessoa que nunca vi, falando com alguém que não sei de onde veio, para onde vai? Do que gosta? O que escuta? O que lê? O que vê? Ou seja, uma ilustre desconhecida que desce sabe lá de onde e ao meu lado se dirige, a apressados passos, em direção ao centro da Avenida Carlos Gomes, para comer algo que como desde a minha infância! Sabe o que isso significa?...

Claro que não sabe! E tenho certeza, nem quer saber. Mas te direi mesmo assim, de agora em diante você saberá infinitamente mais de mim do que eu de você!

Não! Nem venha com essa conversa de que eu quero saber de você para poder te manipular, não há a menor chance de isso ocorrer. nada de domínios, de posses, de só para mim! De forma alguma, olha, veja bem uma coisa, não somos donos de nada. Nem mesmo da nossa própria vida! É nem dela, apenas a temos por empréstimo, vai chegar o momento em que alguém vai chegar e dizer: “muito bem, está na hora de me devolver a sua vida” e aí... pluf, leva-a de volta. Sendo assim, se nem mesmo de minha vida eu sou dono, como posso querer ser dono de alguém? Pode ficar tranqüila, isso não ocorrerá jamais.

Chegamos... Sim é aqui, olha não faz essa cara de nojo, o atendente vai ficar cismado e de repente nem vai querer nos vender.
Moço por favor, duas esfirras de carne e dois sucos de laranja sem açúcar e pouco gelo, por favor.

Sim sempre peço, por favor, sei que muitas pessoas acham que ele tá ali para isso mesmo e que na verdade não está te fazendo favor algum, mas mesmo assim, peço, por favor, e quando chega ainda agradeço, acho que isso é civilizado.

Tá... Tudo bem... Concordo em parte. Sim, civilizado é infinitamente mais que isso, manter estas praxes sociais de bom dia, boa tarde, obrigado, licença e etc, é muito pouco, o que necessitamos é realmente muito mais civilidade do que esta cortesia, mas uma coisa não elimina a outra. Podemos iniciar por estas pequenas coisas até chegarmos aos respeitos máximos e necessários, até podermos abandonar estas coisas bestas de buscar identidades disso ou daquilo, de necessitarmos impor uma individualidade ou coletividade, de clamar por isso ou aquilo de ficarmos nos “acoitadando”, ficarmos dissimulando nossas carências buscando nos discursos étnico-ideológicos nos afastar do que somos em busca do que fomos.

Sei que chegar a civilidade de assumirmos que somos todos, todos sem exceção, seres individuais e intransferíveis e sabermos que isso não tem nada de mais, que nem é melhor nem pior e que isso também não interessa a absolutamente ninguém a não ser a quem está interessado em nós, é algo bem maior.

O que? Não gostou? Você colocou pimenta? Como alguém pode não gostar? Tudo bem deixa aí que eu como. Bebe pelo menos o suco. O copo tá sujo! Ai, ai, ai assim não dá, ontem você bebeu aquele refrigerante por aquele canudinho que estava exposto ali a meses, cheio de poeira e outras coisas derivadas de visitas que por ventura por ali passaram, e nada disse, agora o copinho, só porque tá assim com este jeitão meio tosco você tá tirando esta onda. Sei não viu.

Tá bom, tá bom. Vamos embora, mas olha depois não vai ficar na minha orelha dizendo que está com fome heim!

Pronto, aqui estamos... A orquestra já começou a tocar. Vamos deixar nossas coisas naquela mesa e vamos dançar.

Sim, é o velho Clube Comercial mesmo, o que tem de mais? Como assim? Você não é pessoa para vir ao Clube Comercial? Mas o que tem demais?

Não! O assoalho não está arranhado, ele é antigo. Nada disso, você está procurando coisa, não tem cheiro de mofo nenhum, a cortina não está empoeirada, o banheiro não esta fedendo coisa nenhuma... O quê!? O piano não está desafinado, o pianista é ótimo! O crooner tem voz de taquara rachada? De forma alguma, taquara rachada é seu nariz. Não inventa; aquela senhora de vermelho não está te olhando feio, o senhor da direita não está babando coisa nenhuma, não tem nada de cafona.

O balcão não está rachado, a gravata do garçom não está torta, a bebida não é falsificada, o trompete não está alto demais de forma alguma, meu sapato está lustrando sim, a música é boa...

Garçom! Por favor, me traga um copo de aguardente urgente, urgentíssimo...

Pronto! agora você vai ficar aí dentro deste copo, não te trago mais, nunca mais levo este cérebro pra passear... Agora licença, vou dançar!

Roger Ribeiro.
17 de setembro de 2010.