- Não tem pechincha não, o preço é este. Nem mais
nem menos!
- Mas meu amigo...
- Que amigo? Como assim? Diga aí, qual o meu
nome? Onde eu moro? O nome dos meus filhos? Vá diga! Você não disse que é meu
amigo?
- É modo de falar! Só queria dizer que está
caro.
- Então não compre. Simples não é mesmo? Vá
comprar em outra freguesia. O preço é este. Só falta agora você querer que eu
retire as penas e corte as unhas do bicho pra ficar mais barato. É cada um que
aparece aqui.
- Meu caro...
- já te falei que não é caro, é o preço. Veja
você, aonde mais acharias um galo vermelho com estes detalhes em dourado nas
pontas, peito forte, postura altiva e este olhar de que já anunciou centenas de
alvorecer por um precinho deste? Diga aí, vá! Onde?
- Olha àquela senhora ali adiante me falou
que iria buscar um pra mim por quase a metade do preço. O problema é que só
chegaria à tarde.
- Então o senhor vai naquela barraca ali, tá
vendo?
- Qual?
- Aquela com a placa Cantinho do Cosme... Está
vendo agora? Pois, ele é como se fosse meu irmão, você senta lá toma umas
quentes, rebate com umas geladas, come a tripa frita, que por sinal é melhor da
feira, joga uma prosa fora com uma ruma de desocupado que freqüenta, todo dia,
o local e quando der a hora você vai lá buscar seu galo. Mas tô te avisando,
quando botar na ponta do lápis as doses de “meladinha”, as geladas, as voltas
de tripas e o galo moribundo que vais comprar, verás que gastou o dobro.
- É... Desta vez tenho que te dar razão. Mas
você bem que poderia fazer um precinho melhor né?
- Olha no galo num dá não, mas se quiser levar
aquela galinha branca cotó ali... Dá pra fazer um precinho pra você.
Parou olhou a tal da galinha e não gostou do
que viu. A bichinha tava toda estropiada, a situação era tão grave que se
pusesse um ovo certamente teria a gema roxa!
- Olha aquela galinha deveria está na UTI do
galinheiro, num serve nem pra fazer um ensopadinho com chuchu. De mais a mais
meu querido...
- Como é que é?! Querido? Ôôôh Jangada, o
cara aqui disse que eu sou o querido dele! Pode?
- Hummmmm Cráudio, ta querendo treta! Quero
ser padrinho viu!
- Olha aqui meu cliente, sim cliente,
freguês, não venha com intimidade não. (olhando pra cima como se fizesse uma
oração), é mole? Chego aqui as quatro da matina, alimento os galos, galinhas,
pintos, pombos, porcos, bodes e até os habitantes agregados (gatos, cachorros,
bem-te-vis e tudo mais) e no meio da manhã me chega este sujeito, sei lá de
onde, me chamando de amigo, de querido e, acho que, se ficar mais um pouquinho
vai querer até beijinho... Eu mereço. Ôh Jangada, eu dei bicuda no ebó de
Yemanjá?
A gargalhada foi geral, a feira praticamente
havia parado para apreciar o duelo entre Cráudio, o freguês e no meio de tudo
isso, o impávido e cobiçado galo (mas... Sabe que olhando ele assim de perfil é
realmente mais garboso do que o da embalagem de azeite de oliva), seria ele
então, vamos dizer, o Chantecler da
Feira de Água de Meninos!
Já sem graça, mão no bolso e sem argumentação
possível, resolveu pagar o preço e levar o nosso Chantecler, que devidamente
amarrado pelos tornozelos (galo tem tornozelo?), asas e com o afiado bico
embalado em papelão foi entregue ao freguês com votos de felicidades e boa
sorte.
- Aí freguês! Pra você voltar, passa lá na
banca do Cosme e toma uma “cangibrina” por minha conta, diz que foi o Cráudio
que mandou.
Saiu assim meio contrariado, mas não deixou
de passar no Cosme, afinal seria uma chance de melhorar o dia. Tomou a “cangibrina”,
inclusive ficou sabendo que era o “carro chefe” da banca, conversou sobre
amenidades tipo: se era época de caranguejo gordo? Se o quiabo estava duro? Se
podia confiar no fígado de boi que se vendia na feira? E outras coisinhas mais.
Despediu-se e foi saindo quando meio atordoado, e já fora da banca, olhou ao
seu torno e:
- Cadê meu galo? (gritou).
Entrou rápido na banca do Cosme. Olhou em
todos os cantos, até no teto improvisado de plástico procurou e, nada. Aonde
raios havia se enfiado o Chantecler?
- Seu Cosme, o senhor não viu meu galo? Entrei
aqui com ele debaixo do braço?
- Seu menino, vou te dizer uma coisa: “ômi”
que perde o galo ta perdido pra sempre. Pergunta ali prá Thiana Doida o que
aconteceu com o saudoso Tainha quando perdeu o galo? Aliás, pergunta não, é
melhor nem saber. Dizem que a ignorância Deus perdoa né?
- Mas seu Cosme, eu tava com ele aqui agora
mesmo?!
- Agora mesmo meu fiu! Mas tem um minuto que
você me perguntou pelo galo?
- Sim... Ah meu Deus! Agora mesmo é maneira
de falar... Mas na hora que entrei a mando do Cráudio pra tomar a cangibrina, o
galo tava debaixo do meu braço.
- Reparei não... Ôh Alice você viu se entrou
algum galo aí na cozinha?
- Aqui não Cosminho, imagina se galo vem ciscar
em meu terreiro? É ruim heim!
- Meu querido eu tenho de fazer um trab...
- Êpa, pêra lá! Que história é esta de meu
querido? Eu nem te conheço? Cráudio, êh Cráudio! Que “ômi” foi esse que tu mandaste
prá cá?
- Meu amigo... Pelo amor de Deus, querido é
maneira de dizer...
- Amigo? Hum, já entendi tudo, vai querer
tomar mais cangibrina e fiar né? É sempre assim... Quando vem com essa
conversinha de meu amigo... Que amigo o quê? Eu nunca te vi mais gordo “ômi”.
- (Ai! Tudo de novo não, pensou) Escuta seu
Cosme, preciso levar este galo o mais rápido possível se não minha mulher me
mata.
- Xiii... Perdeu o galo na feira, a “mulé”
vai ficar sem o feitiço e o “ômi” vai ficar no ora veja! Quer um conselho “ômi”,
esquece. Senta aí, toma uma “cangibrina”, umas geladas, come uma tripinha frita
de primeira qualidade e deixa o vento passar se não o feitiço pode se voltar
contra você.
- Será?
- ôxi! Tô nisso desde menino, pode acreditar.
- Então... Manda uma dose dupla e uma
cervinha bem gelada... Ah! Manda a tripinha também.
Daí em diante o sol rodou, dezenas de
pescadores, vendedores, compradores, turistas e outras figuras inclassificáveis
passaram pela banca do Cosme, rolou prosa de tudo: mulher, futebol, preços,
produtos, mar, vento, raios e trovões... Rolou de tudo. A tarde já ia longe
quando adentrou o Cráudio.
- Cosme tudo bom? E aí Alice tô com fome!
Da parte interna da banca que ficava separada
por uma divisória de tecido colorido e sujo, falou Alice:
- Vai demorar um pouco seu Cráudio, o galinho
era atleta, duro que só.
Vocês não vão acreditar, mas eu que tava
vendendo meu caranguejo entre as bancas do Cráudio e do Cosme, juro que vi:
algo explodiu no ar e voou pedaço de feitiço pra tudo que é lado.
Agarrei as cordas dos bichinhos e dei o pinote...
Eu heim! Num volto lá nem que galo crie dente!
Roger Ribeiro
24 de maio de 2012.