terça-feira, 22 de setembro de 2009

Feliz? Então registre.



Ainda era razoavelmente cedo, algo entre oito e quinze e oito e meia. O dia da semana também não indicava nenhuma anomalia, não era segunda-feira e nem sexta-feira, o que indica que não há motivo nem para mau-humor nem para ansiedade. Tratava-se de uma terça feira qualquer meados de setembro, próximo à data do caruru de Cosme e Damião.Portanto, nada daquela hiper movimentação de fim de ano e muito longe daquelas chuvas intermitentes que indicam que o verão se foi e que é hora de pensar na vida!

Entrou na sala absorto nos seus pensamentos e dirigiu-se ao local indicado pela placa em forma de seta que anunciava “retire uma senha e aguarde”. Foi o que fez, apertou o botão, esperou a saída do papelzinho branco que indicava o simpático número 62, riu por pensar em algumas coincidências e, enfim, dignou-se a olhar o ambiente.

Estava cheio, havia poucas cadeiras vazias, dirigiu-se rapidamente à de sua escolha (dentro das poucas opções) e sentou-se. Por alguns instantes, faltou-lhe coragem de olhar o vermelho painel aonde as senhas eram exibidas. Pensou: “vamos lá homem, não adianta esta covardia. A realidade é uma só e nada irá mudar isso”. Olhou.

004, sim era isso mesmo, estávamos no atendimento número quatro daquela manhã! Olhou incrédulo para sua senha e confirmou ser sessenta e dois, falou baixinho para si: “meu são Longuinho, faltam 57 para chegar em mim!”. Antes de se abater completamente, lembrou-se de Dona Camila, a simpática senhora que ministrava o curso de crochet no armarinho “Novelo da Vida”.

Porque você olhou com essa cara? Sim, ele havia feito o curso de crochet de Dona Camila sim senhor! Qual o problema? Há uns anos atrás passou por problemas existenciais muito sérios, procurou ajuda na psicologia, porém sua condição econômica não permitiu que continuasse ajudando a sua terapeuta a jantar nos melhores restaurantes da cidade. Ficou por quatro meses, e chegou à conclusão de que se continuasse, ficaria bom da cabeça, mas morreria de inanição, pois não dava para pagar a terapia e fazer mercado. Era uma coisa ou outra.

Munido desse dilema, encontrou uma prima que lhe indicou fazer crochet, a melhor terapia do mundo, segundo ela, pois havia curado-a de uma profunda depressão. Foi, matriculou-se e fez assiduamente o curso. Aprendeu todos os pontos. Que lindeza! Pontos sobrepostos de elos de correntinhas, ponto barra, ponto segredo, ah! Eram tardes maravilhosas. Ficou bom e ainda conheceu a discografia completa de Carlos Gardel. Dona Camila nunca se recuperou da morte do seu grande ídolo, apesar de fazer crochet como ninguém!

Ao lembrar-se de tudo isso, reacendeu em sua mente a frase básica dos seus tempos de armarinho: “procure sempre olhar pelo outro lado, meu filho”, diziam-lhe D. Camila, D. Margarida, D. Claudina, D. Beré, todas enfim e, quase todas, com aquele cabelo azul de quem encontrou a paz. Pensou: “só faltam cinqüenta e sete para chegar a minha vez, quatro já foram!”.

Ao seu lado, sentou um senhor que possuía uma senha em papel amarelo, era um senhor grisalho que logo puxou uma prosa:

- Sabe meu filho a vida pode não começar aos sessenta, mas fica muito mais rápida e barata.

- Como?

- Ô, coitado! Tão novo e surdo.

Soltou uma gargalhada daquelas de quem já perdeu o compromisso com qualquer constrangimento na Terra.

- Não senhor, desculpe, é que eu estava distraído e não ouvi o que o senhor falou.

- Tudo bem, meu filho, eu disse que pode ser que a vida não comece aos sessenta, mas fica muito mais rápida e barata. Veja você, eu acabei de chegar e serei o próximo a ser atendido, todo mundo vai praguejar, mas ninguém vai dizer nada. Direito adquirido, meu rapaz. Quer saber de mais? Sabe quantos ônibus eu tomei para chegar aqui? Dois, isso mesmo dois ônibus, sabe quanto eu gastei? Nada! E ainda por cima sentei na primeira cadeira do lado do mar! Ah! Que beleza está o mar hoje, acho que quando sair daqui irei até o Farol da Barra tomar um sorvete. Pena que já não existe a Kombi da Sorveteria Primavera! Você chegou a conhecer?

- Não senhor, mas sempre que passo por aqui com meus pais, eles me falam desta Kombi. Diz meu pai que conquistou minha mãe ao lhe ofertar, de surpresa, o “Beijo Frio”.

- Sim, O “Beijo Frio”! Se eu fosse prefeito dessa cidade, meu filho, tombaria a Sorveteria Primavera e sua Kombi aberta nas laterais de cor de casquinha de sorvete. Como deixaram ela se acabar? O “Esquimó”! O sorvete de amendoim... Nossa! Só de lembrar minha boca encheu d’água.

O painel o chamou. Despediu-se, lhe desejou sorte e dirigiu-se ao balcão. O nosso querido jovem olhou mais uma vez para ele e pensou: “a vida pode não começar aos sessenta, mas fica mais rápida e mais barata. Meu número é sessenta e dois”. Sorriu, mais uma coincidência naquela manhã. Pediu para o vizinho de cadeira guarda-lhe o lugar por um minuto. Foi até a banca, comprou o jornal e retornou. Sentou e deixou-se absorver pelas notícias.

O tempo passou pelos seus dois lados e ele nem viu, de repente tirou o olho do jornal, fitou o painel e lá estava brilhando o número sessenta e um. Dobrou o jornal, respirou fundo e aguardou. Em dois minutos, o painel mudou e ele levantou feliz e dirigiu-se ao balcão onde se encontrava, do lado de dentro, uma morena de rosto redondo enorme que ficava maior ainda com aquele cabelo negro “armado de laquê” que lhe emoldurava toda a cabeça. Na mesa dela constava: uma caneta, uma revista de ofertas de cosméticos e uma lixa de unha.

Pensou: “por que será que toda funcionária de cartório sempre tem uma lixa de unha sobre a mesa?” Antes que pudesse divagar ouviu:

- Reconhecer ou autenticar?

Ele ainda tirava os documentos da pasta e respondeu:

- Na verdade eu necessito de umas informações...

- Olha meu filho isso aqui não é balcão de informações, portanto decida logo o que quer.

Ficou meio sem jeito, mas havia esperado muito e sabia que responder às grosserias lhe custaria muito caro.

- Olha, tenho que dar entrada nesse pedido e creio que necessito reconhecer a firma, não é mesmo?

Ela olhou, olhou e disparou:

- Você precisa fazer um requerimento.

- Sim? E como seria esse requerimento?

- Ah! Quer dizer que você quer agora que te ensine a fazer um requerimento? Mas é cada uma... Era só o que me faltava! Aonde já se viu? Eu mereço.

E sacou imediatamente a lixa de unhas e começou, com uma destreza ímpar, a manuseá-la. O rapaz foi ficando entre um vermelho brasil e um violeta colérico, respirou fundo e pediu.

- Então, por favor, minha senhora, reconheça a firma deste documento e só.

- Dois reais cada folha.

- Pois não, pode fazer.

- Tem trocado?

- Dou um jeito.

Demorou um tempinho com o documento na mão, levantou o rosto, estendeu o documento e, com um rizinho sádico, falou:

- O sistema caiu.

Ele olhou-a com os olhos injetados as mãos cerradas, a face trêmula e disse-lhe.

- Muito obrigado minha senhora, fique com Jesus, ou melhor, que Deus esteja contigo, no seu coração!

Pegou o documento, deu-lhe as costas e falou para o salão, ainda razoavelmente cheio:

- Aos sessenta, a vida será mais rápida e mais barata!

Roger Ribeiro.

18 de setembro 2009.

* Com a co-autoria, vivenciada, de Rita Brito

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Peixe fora da panela!


Já passava quinze minutos do horário originalmente marcado. Éramos cerca de umas vinte pessoas, não sei ao certo, pois não me dei ao trabalho de contar com exatidão, dei-me por satisfeito em fazer uma estimativa. Na mesma estimativa dei como verídica a impressão de que, majoritariamente, o gênero feminino dominava o ambiente.

Inicialmente ficamos em pé próximos ao bebedouro e, buscávamos aliviar a ansiedade puxando conversas amenas do tipo: você é daqui? Qual o seu nome? Puxa, foi difícil chegar aqui no horário e, olha só! Algumas desconfiadas, afinal eu era o único homem do local, respondiam apressadas, fingiam lembrar de algo que estava na bolsa e saiam apressadas para o lado oposto, as quais depois eu as flagrava olhando de rabo de olho para mim.

Quando bateu mais ou menos uns vinte minutos de atraso, uma delas, não contendo mais o nervosismo próprio da ansiedade, falou em tom incisivo e alto: “isso é um absurdo, aonde já se viu?! Cheguei com quarenta minutos de antecedência para nada! Depois dizem que nós é que somos irresponsáveis”.

Notei que ela tinha um sotaque diferente e fiquei me perguntando quem seria o nós a que ela se referia? Procurei depurar os “erres” e “esses” dela para tentar deduzir de onde seria aquela moça de corpo largo, rosto redondo bem rosado e cabelos pintados de verde? Fiquei absorto e quase não percebi que rapidamente havia a nossa germana indignada atraído para si um punhado significativo de adeptas. Só atentei quando a polifonia de vozes fez com que a menina, diametralmente oposta à líder dos protestos, levantou-se e pediu calma a todos, ou melhor, a todas, já que eu era, e a essa altura já tinha certeza, o único homem. E encontrava-me bastante calmo.

Achei interessante ver aquela menina, moreninha, franzina, de olhos apertadinhos chamando aquelas moças, todas muito maiores do que ela, para o retorno ao equilíbrio emocional. Abri-lhe um sorriso e ela correspondeu. Fiquei meio sem graça, meio sem saber o que dizer, achei que seria primário em excesso perguntar-lhe o nome ou de onde vinha. Recorri então ao meu “anjo salvador”, que não raramente se torna “anjo exterminador”, Itamar Assumpção com suas composições ultra-românticas (na maioria das vezes dá certo, porém às vezes...). Bem, procurei na lista de suas canções uma saída para eu e ela. Disparei:

Você eu tenho que ter, meu bem
Pra poder comer, pra poder comer
Você eu tenho que ter
Pra poder dormir, pra poder dormir
Você eu tenho que ter
Pra poder viver, pra poder viver
Entre a Terra e a lua
Minh’alma tua
Entre a Terra e a lua...
Já sabe o que eu sinto de cor
Ou vou ter que escrever nos muros
Gritar nas ruas
Mandar por num outdoor?
De tanto não poder dizer
Meus olhos deram de falar
Só falta você ouvir *

Aqueles pequenos olhos se arregalaram. Havia uma fisionomia estranha naquele rosto outrora tão candido. Percebi que havia um grito preso na garganta. Comecei a temer pelo pior, isso já havia acontecido algumas vezes, nem sempre as pessoas entendem o que Itamar quer dizer, imagine eu querer dizer pela poesia do ‘negro dito Cascavel’! Talvez seja pedir demais, não é mesmo?

Pelo menos ela não levantou e saiu correndo, porém não conseguiu dizer nada, ficou me olhando com aquela interrogação gigante estampada no meio da testa. Olhou ao redor, talvez a procura de alguém que pudesse protegê-la, deu-me um sorriso nervoso e enviou o olhar dentro da bolsa florida sobre o seu colo. Certamente não procurava nada, apenas um local para pousar seus olhos atônitos longe dos meus.

O sol começou a esquentar e as “meninas” passaram a procurar uma sombra para proteção. Era um dia completamente azul, não havia uma só nuvem no céu, já beirávamos as nove horas e o calor começava realmente a incomodar. Tentei levantar-me para buscar um lugar à sombra, mas minhas pernas não correspondiam. Achei que havia escolhido a canção errada na hora errada. Procurei desviar a atenção, sai do olhar específico e retornei ao olhar geral.

Percebi que todas estavam de branco, apenas eu vestia-me coloridamente. Reparando um pouco mais, percebi que a única pessoa calçada ali era eu. Percebi também que todas, uma a uma, foram prendendo o cabelo e retirando das bolsas e sacolas, cordas coloridas que amarravam na cintura. Olhei ao redor e recobrei a memória de que estava em uma fortificação edificada no final do século dezessete e que serviu, além de fortificação, também de cadeia. Aliás, estávamos em um pátio rodeado de celas gradeadas: o Forte do Santo Antônio Além do Carmo.

Nossa! Santo Antônio? Pensei alto demais! A menina que já estava assustada, olhou-me sem entender nada e eu escondi o resto do meu pensamento. Prisão, Santo Antônio, meu Deus que perigo! Pensei, desta vez sem verbalizar: meu coração pode ficar aqui, aprisionado por séculos sem fim! Olhei a pequena menina morena e antes de me apavorar definitivamente, fui salvo pela entrada de quatro pessoas, também todas de branco e com cordões coloridos na cintura. Traziam atabaques, pandeiros e berimbaus. Anunciou enfaticamente: -“formar um círculo e iniciar o alongamento”.

Olhou para mim com olhar de estranhamento. Também me olhei e percebi que havia algo errado, eu estava de calça azul, camisa, bota e cinto de couro preto... Percebi que estava no local errado. Aproximei-me daquele que dava as ordens ali e perguntei-lhe: é aqui o curso de culinária marinha?

Ele riu e o riso dele me deixou sem riso algum, a situação era por demais incômoda para mim.

Senti uma pequena mão morena pegar em minha mão e com uma voz bem suave me disse: - “venha que eu te levo lá, aqui é a aula de Capoeira de Angola”.

Voltei a sorrir. Agradeci, mais uma vez, a Itamar Assumpção. Pensei: ela ouviu. É, ele tarda, mas não falha!

Roger Ribeiro
11 de setembro de 2009.

*Ouça-me
Itamar Assumpção.


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Não é assim não, meu rei!




Domingo pela manhã. Não importa se é verão, inverno, primavera ou outono. Também pouco importa se chove ou faz sol. O certo é que a segunda mesa à direita da porta em frente ao balcão está lá com duas cadeiras postas e ninguém se atreve nem se quer a encostar e, se algum desavisado, novo no espaço, se arvora a dela deleitar é imediatamente advertido de que aquela mesa está reservada.

O ambiente é claro e fartamente ventilado. Trata-se de um restaurante famoso na cidade, possui uma cozinha invejável, produz iguarias gastronômicas, muitas delas, difíceis de serem encontradas, apesar de serem tradicionais da cultura local. Porém, a modernidade e sua eterna pressa fizeram-nas sumir dos cardápios, afinal são receitas cheias de segredos, possuem tempo de cozimento e maturação longo... O comerciante não quer ter esse gasto e o cliente, coitado, com seu paladar que não distingue um abará autêntico de um feito de farinha de milho, não quer perder tempo. Perda inestimável!

Ali você encontra todas essas receitas, mas apesar de tudo isso, a grande fama do estabelecimento de ‘pé direito’ dobrado não é bem a inigualável cozinha, mas sim o seu anexo de onde saem os famosos pastéis que deveriam ser servidos nas mesas, porém dificilmente isso ocorre, já que estes são disputados, educadamente claro, aos gritos, pelos habitantes do longo balcão. Vale tudo para não perder aquele lote. São eles que fazem, apesar da fritura, a fama deste Armazém, no bairro da Saúde.

Nove horas e quinze minutos em ponto. Eles chegam e ocupam a reservada mesa mencionada. Rapidamente uma das atendentes pega sob o balcão o tabuleiro e coloca-o à mesa entre os dois. Possuem quinze minutos para dispor sobre este os peões, cavalos, torres, bispos e, claro, suas respectivas casas reais. O embate medieval irá começar.

Nove horas e algo entre quinze e trinta, adentra ao recinto, com sua tradicional camisa social branca por dentro da calça Lee, assessorados de cinto e bota pretas, o Gentil.

Apesar da impecável vestimenta, Gentil possui uma vasta cabeleira encaracolada de cor amarela alaranjada que, pelo jeitão da coisa, brigou com o pente no mínimo há uns dez anos e com a cadeira rotativa e acolchoada do “Regis, o Pente de Ouro” então... Nem dá para precisar.

Seu nome verdadeiro, ninguém faz a menor idéia. Todos o conhecem como Gentil. Uns dizem que é porque toca no violão e canta os sambas do mestre Ederaldo Gentil melhor do que o próprio. Já a outra versão, diz tratar-se de uma homenagem ao sábio andarilho das ruas do Rio de Janeiro, o Gentileza. Qual a versão verdadeira? Como se diz aqui no popular: “quem souber morre!” Pouco importa! As pessoas desta cidadela não se incomodam com isso. Por aqui não se aprecia o certo e indiscutível! Não! Isso não serve para nada. O que aqui é prezado é o gosto pela polêmica. Sendo assim, todo fim de ano tem o “baba” (jogo amador de futebol), entre os adeptos da primeira explicação versos os da segunda. É “baba prá pirão”.

Gentil se posta em pé, frente ao tabuleiro. Está pronto para cantar, como um velho bardo, o embate. De um lado, o professor Cosme, um senhor negro de pele lisa e cabelos brancos como algodão. Do outro o professor Marcone, branquíssimo de pele sulcada e cabelos negros à “Camélia do Brasil”. Conhecem-se há muitas décadas, desde que eram titulares de Matemática e Física no saudoso Ginásio da Bahia. A contenda é séria, dizem que jogam cientificamente, porém regada à famosa “da casa”, servida, com distinção, em cálice de cristal e porções especiais de pastéis miúdos. Direitos adquiridos.

- Bispo na 4 do bispo da dama, cavalo do bispo de rei.

O jogo já está a toda. Professor Cosme sorri, ao que indica, ou pelo menos ao que percebo aqui do balcão, parece que fez um grande lance. Já professor Marcone está apreensivo. É hora de Gentil entrar na contenda:

- Belo cavalo branco,
sobre ele um garbo cavaleiro
arvora-se de nobre protetor,
mas no bolso nem pataca nem tostão,
portanto, nem pinga nem pastel,
afinal, aqui tem fiado não meu senhor!

E assim a manhã dominical vai passando, a missa acaba e as senhoras rezadeiras atravessam a rua para não passar na calçada do estabelecimento. Fingem repúdio e desdém, mas sempre encontram um pretexto para, enamoradas, olharem o que ali se passa. Só enfezam mesmo quando flagram o fingido, adoentado marido, de pinga e pastel na mão.

- Torre do bispo derruba a rainha!

Gaba-se, desta vez Marcone, sem dó nem piedade.

Suspense, aliás, tudo suspenso no recinto. Será verdade? Ninguém respira, o silêncio é total. O clima fica grave a ponto da bandeja de pastéis passar por toda a área do balcão e ninguém perceber. As atendentes pararam de servir, ninguém ousou pedir nada. Por segundos, temeu-se o pior.

- Êpa, êpa! Calma lá. Mas o que é isso? Onde pensa que estamos?! Aonde já se viu tamanho descalabro? Uma torre sobre uma dama? Uma rainha! Impossível!

Sobre a torre, a bela dama, a rainha
aguarda pelo seu salvador.
Do bosque, a espreita, o reluzente cavaleiro
busca forma precisa de livrá-la
de tão cruel penar.
Como pode Senhor, tal dama, tão distinta rainha
de pedras ser prisioneira,
se de tão longe consegue meu coração aprisionar?
Pois saibam, professores Marcone e Cosme,
Escutem com atenção:
no predicado nominal ela é sujeito e eu,
humildemente, predicativo.
Sem ela, não existo,
sem mim não tens sentido.
Sendo assim, não há torre neste mundo
capaz de impedir-me de
libertá-la!

Todos respiraram aliviados! Mais uma vez, Gentil salvou o domingo. Por conta, foi servida uma rodada da primorosa “da casa” e o jogo foi dado por encerrado. Eis o veredicto:

- Finalizado por falta de compostura frente à rainha!

Decretou Gentil.

Roger Ribeiro
28 de agosto 2009.