Fervendo, sim
fervilhando! Assim começou o dia. Calor, muito calor, apesar da calçada vazia.
O sol lentamente se levanta do horizonte, tem um brilho amarelado, meio
assim... De quem ainda não lavou o rosto, os dentes, a alma. Porém mesmo assim
tudo estava muito quente.
A luz enfim
reverberava na vidraça da janela e isso gerava o eco. Sim, sem o eco nada há.
Não existe movimento em mim sem que seja dentro do eco, é meu guia, meu vigia,
aquele que em tudo está. Em tudo penetra. Necessito levantar, uso as
reverberações solares que batem no vidro e criam um campo de atrito para poder
me esgueirar.
Na pia ao tocar da
água na louça o som se propaga pela concha aparadora, se expande, bate no
espelho, dele na retina dos meus olhos, penetram na minha alma. Ameaçam minha
calma, desviam meus sentidos. De minha caixa de ressonância forma-se um eco a
repercutir pelos prédios. Desce avenidas, cria vias, caminhos, becos,
encruzilhadas, ruelas... Desvios. Não existem placas, estas teriam de ser
sólidas, mas no universo dos ecos entrecruzados nada é sólido, tudo é fluido,
tudo flui à velocidade do som.
Apresso os
encaminhamentos, não posso perder o tempo das ondas no espaço, se perder... Me
atraso, ou talvez nem chegue, pode ser que me encaminhem para outras paragens,
cenários diversos, afinal o universo é muito extenso e as vias por onde possam
fluir as ondas são infinitas. Isso me conforta me apresenta a possibilidade de
eterno.
Na rua a menina
de pelos verdes sinaliza algo em minha direção, mas seu som é direto, necessito
aguardar o delay, a reverberação, isso pode ser perigoso. Agachei-me rápido,
desta vez deu tempo, o avião passou a dois dedos de minha cabeça. Um ser
estúpido este avião, insiste em voar à frente do eco, voa no oco, no vácuo... O
seu destino é previsível, o nada.
Vão com muita
pressa em direção a algo que pertence ao futuro, portanto... Não existe. Porque
ir de encontro ao que não existe, se tanta vida há nas entranhas do som? Por
vezes passo a duvidar de meus próprios semelhantes, afinal aonde vão?
Necessito
distinguir entre este universo de sons reverberando a tua voz, necessito de
total concentração. No momento tudo o que me chega é a aproximação mais que
veloz do meu transporte. Faz tempo que o sol bateu na minha janela, e ainda estou
em meio a este turbilhão de caminhos sonoros sem conseguir ultrapassar a linha
do tempo.
Diz um grande e
magro poeta, com muita propriedade, que “a luz chega antes do som, e o som
chega antes de mim”*, claro, afinal sem o entrecruzar das forças reais a imagem
não se concretiza, não se materializa. O sólido só existe para ser transpassado
pelo som, pela luz. São estas as vertentes reais que podem transformar o que
existe em mim em algo inteligível: o amor, a dor, o triste, a raiva, a alegria.
O que seria de todas estas coisas sem o eco do som, das cores?
Sim.
Simplesmente eu não existiria, nem você, meu amor.
Roger Ribeiro
26 de agosto de
2015
* poesia de
Ronei Jorge Martins.