segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Façamos um Brinde!





Dia 31 de janeiro;
é dia de um baiano retado.
-



- Saúde! Muita saúde!
- Dinheiro! Felicidade! Saúde, sim saúde!
- Ao Baêêa!!
- Nada, aqui, só dá o Leão!
- À vida! Todos de pé, vamos lá... À vida!

O retorno veio rápido e certeiro; uma voz cambaleante, verdadeiramente embriagada, vibrou do último banco do balcão.

- Nem saúde, nem dinheiro, nem felicidade, nada! Nada disso, só e apenas uma coisa é fundamental para se viver nesta Vila dos efes gregorianos; humor, muito senso de humor meus jovens, nada mais que isso, aliás, sem ele o destino é um só: acabarás louco, aluado, doido varrido!

O silêncio se instaurou. O local não estava muito cheio, e o barulho que até então fazia lembrar estarmos em uma taberna contemporânea, vinha exatamente daquele enfileiramento de mesas onde, mais ou menos, quinze adolescentes tentavam brindar a alguma coisa que não se definia.

O silêncio foi quebrado em fim com uma zoada seca: scapufff! Todos olharam e era o nosso querido interpelador de brindes que havia despencado do seu banco e resmungava algo, acho que, em “aramaico arcaico” estatelado no chão.

Alguns meninos levantaram na intenção de socorrer quando a voz de dentro do balcão intercedeu:

- Não se apoquenta não criança, é assim todos os dias a mais de quinze anos, ali é o lugar dele. Vê aquela obra ali... Pois, tive de mudar o toalete de lugar, pois a entrada do anterior era exatamente onde este ser deita todos os dias, não sei como Deus ainda não o levou, pior, deixa esta cruz aqui para eu e meu bigode aturar. Se incomodem não, vão brincar, daqui à uma hora ele levanta toma mais uma e cai novamente (falou abrindo um sorriso que mostrava sua boca toda dourada).

- Mas gente... - falou a menina magrinha de cabelos avermelhados e longos - finalmente a que vamos brindar?
- Já falei... crianças, arg! Não aprendem, ao humor!
- Fica quieto Neneca, se não mando chamar dona Margarida, prá te levar e por debaixo de uma boa ducha fria, que é o que estás a precisar.
- Bom (desta vez tomou a palavra um rapagão, forte de cabelos curtos e voz um tanto quanto fina para a potência do seu corpo), devemos brindar ao que move o mundo! Viva o amor!

- Ai... Esta até doeu, será que nenhum destes cretinos irá usar o cérebro!

Nosso querido Neneca começou a buscar o banco como aliado para uma tentativa um tanto quanto hercúlea; Levantar a velha carcaça carcomida por um oceano de álcool, ao qual estava submerso; creio, desde o naufrágio do Galeão Sacramento, esforço daqui, esforço dali, força, a luta contra a gravidade era efetivamente grega, Odisseu virava conto infantil em sua lida com os Deuses frente aquela batalha que ali, no fundo escuro do imundo bar, ops! Bar não, Empório.

Sim Empório, e tinha de ser assim com letra maiúscula, o Empório São Cristovam de Seu Alaor, aafi, se ele ouvisse ou soubesse que você havia chamado o estabelecimento de bar... Hum! Das duas uma, se estivesses nele eras convidado a retirar-se, se nele não se encontrasse, terias seu nome escrito no quadro de giz em frente ao Empório, como pessoa não grata no estabelecimento.

- Vejam o Seu Alaor meninos, vive nestas bandas a mais de sessenta anos, possui o último Empório do além mar, vive aguardando a Nau trazer as barricas de bacalhau, azeite e especiarias, cultivou esta protuberância estomacal com o mesmo zelo que mantém este “ruibarboseano” bigode. É a memória viva, fez o bufet do casamento de Diogo Alves Correia e Catarina Paraguassú, vendeu pastel com guaraná da Fratelli Vitta para JJ Seabra e Antônio Balbino, conseguiu cobrar e receber dívida de Quincas Berro D’Água, conseguiu fazer Mário Sérgio brindar com Roberto Rebouças, ou seja um homem na história desta cidadela e é assim... Rabugento...

- Olha que te arremeto o salame na fuças... seu...

- Não falei, olha só, tá parecendo um pimentão não consegue ser feliz. Sabem por quê? Heim... Alguém aí sabe?

Stttrrrechhhh... Desta vez além de se “estabocar” no chão, levou também a mesa de metal - graças ao Senhor do Bonfim só havia um copo que se espatifou junto a ele.

- Ai minha Nossa Senhora de Fátima... Com este já vai prá mais de uma dúzia só este mês.

Do chão mesmo, Neneca completou:

- Não tem humor... É um velho ranzinza, mal amado, triste... Não consegue conviver com os carros sobre as calçadas, nem com o cheiro intenso de urina por todos os cantos, sem falar dos palavrões em qualquer lugar e a qualquer hora. Até o carnaval, que ele tanto gostava, saía vestido de viúva lisbonense, pois até o carnaval, para ele virou depravação pura, odeia as músicas de carnaval atual, diz que se enganou, pensou que nada seria pior do que o Rock, quando nos anos cinqüenta por aqui aportou, hoje acha o tal do Rock angelical frente aos locais mais inusitados e depreciativos em que as moças são clamadas a esfregar a tcheca, a bochecha, o than e os cambaus!!

- Aêêê, colé seu Alaor, assim não dá... vai dizer que não gosta de um pagodinho?
- Olha meninos desaforados, é melhor não dar ouvidos a este cachaceiro de uma figa, se não boto cês tudo pra correr.
- Não falei? Eu disse a vocês! E agora vocês querem ficar como ele? Como eu? Então garotada... Vamos todos de uma única vez, levantemos os nossos copos e com uma sonora gargalhada brindemos:

E o som ecoou pela cidade – Longa vida ao bom humor!

- Seu a Alaor (falou um molequinho que entrou no Empório), mainha pediu pro senhor mandar um quilo de farinha de guerra e por na caderneta.

Chaff, chiiiii... Ficou no ar o som da farinha escorrendo no saco de papel pardo.

Roger Ribeiro.
31 de janeiro de 2011.