sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Apenas uma manhã



Acordei com a frase de uma canção na cabeça e esta passou a conduzir os caminhos dos meus pensamentos como se em um lapso de tempo, um universo paralelo se apoderasse do meu ser. Já não possuía autonomia alguma sobre mim, aliás nem mesmo uma breve referência de quem era possuía, minha mente estava a serviço isso era fato.

“Devia ser proibido uma saudade tão má, de uma pessoa tão boa”*.

Esta frase começava a construir um universo particular em minha mente, sempre concordei com ela, mas era algo que reinava apenas no campo lúdico poético, porém hoje pela manhã tudo se transformou. Toda a realidade existente passava por este dizer. Sim “uma saudade tão má de uma pessoa tão boa”.

De posse de minha mente, construções de idéias se consolidavam, inversões pertinentes que jamais havia imaginado tornavam-se óbvias de um momento para o outro, desta forma também se tornou real que saudades boas de pessoas más também são reais, porém deveriam estar no rol das proibidas, afinal para que perder tempo com estágios sólidos belos de elemento sutis ruins?

Esta falta de posse sobre mim mesmo começava a me agoniar, não poderia responder mais por mim? Esta situação poderia acabar por gerar condições conflitantes, principalmente com pessoas próximas que de uma hora para outra não mais entenderiam minhas supostas ações... Supostas sim, pois eles não sabiam apenas eu possuía a consciência de não se tratar de mim.

- Mas quem você pensa que é?

Esta voz veio de algum local indefinido. Na verdade não sabia se a pergunta se dirigia a mim, ou ao dono de meu ser? Ou sei lá o quê? Só sei que respondemos juntos, eu e minha cabeça dominada por uma frase:

- Como assim? sou o que não deveria! Êpa, espera aí oh voz, quem respondeu isso não
fui eu, foi a outra voz. Mas com quem finalmente você quer falar?

Virei para um lado, depois para o outro e finalmente vi a voz, ela era realmente poderosa e elegante. Postava-se como se pela eternidade estivesse ali, mas tenho certeza de que ontem, pelo menos ontem, ali ela não estava, disso, pelo menos, tenho certeza.

- Olha meu caro é melhor você ficar calado, faz o seguinte fica aí na sua, olha só (falou minha cabeça e, dirigindo-se àquela outra voz continuou) ele acha que tem alguma certeza...

Os dois: a voz e a minha cabeça caíram na gargalhada e apontavam para mim, ela, a voz, de fora pra dentro e minha cabeça de dentro pra fora.

- Como assim fica calado? Olha me deixa colocar as coisas aqui em pratos limpos: primeiro o ouvido é meu, sua voz petulante e eu escuto o que eu quero e, quanto a você, esta cabeça é minha e não me recordo de tê-la sublocado para ninguém, portanto vá pegando seus paninhos e dando o fora daí, pois tenho de me adiantar para o trabalho.

Mais uma retumbante gargalhada! Desta vez percebi que novas vozes apareciam e uma briga se instalou, pois, meu olho esquerdo insistia em ver o que se passava de um lado e o direito, no lado oposto, discutiam de forma que a cabeça teve de intervir pra que não viessem a vias de fato. Meu Deus! Meus olhos foram ocupados, o movimento dos sem olhar haviam encampado os meus queridos olhos. Isso já estava passando dos limites.

- “Uma pessoa tão boa”, cabeça! Você não acha que poderíamos trocar esta condição?

- Claro voz!
Os olhos dirigiram-se para a janela, lá, perto das sete horas da manhã, uma multidão de transeuntes para lá e para cá, formavam um rio humano que cheirava a pasta de dente de hortelã...

- Vamos fazer o seguinte voz, a boa fica e trocamos por um punhado de mais ou menos ou um caminhão de más!

- não seja tão cruel... Olhos por favor, não sejam preconceituosos no olhar, vejam todos com os mesmos olhos.

Mas era impossível, afinal enquanto o esquerdo mirava os executivos o direito só tinha olhos para os estudantes, todos começamos a ficar meio tontos, e para piorar o nariz, e só aqui percebi que também já não me pertencia, anunciou que não suportava mais aquele cheiro de hortelã.

Corri para o chuveiro e mergulhei em uma ducha forte e gelada, quem sabe assim a realidade em real se transformava?

“Devia ser proibido uma saudade tão má, de uma pessoa tão boa”... Olhei para cima de onde vinha a água e... Não era possível! Em vez de gotas de água o que caia sobre o meu (meu! Será?) corpo eram letras que ao virar a cabeça os olhos liam claramente d e v i a s e r p r o i b... e assim por diante. Já era demais, havia passado dos limites.

Sai do chuveiro, coloquei rapidamente uma roupa, peguei meus livros, abri a porta olhei para todos eles que debatiam efusivamente sobre o que deveria e o que não deveria ser ou não ser proibido, fechei todos os meus sentidos e bradei:

- Quando voltar não quero ver nenhum de vocês por aqui. Tá entendido? Bati a porta e sai para a rua.

Da rua olhei para cima, mirei a minha janela e avistei todos pendurados na janela gritando em uníssono:

- (...) Dizer adeus, ir embora
Você partir e ficar
Pra outra vida, outra hora
Devia ser proibido...*

Roger Ribeiro
23 de setembro de 2011
*Devia Ser Proibido – Itamar Assumpção.