sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Não Perdes por esperar



Por que ele foi me dizer isso? E agora? Não consigo parar de pensar nem um segundo... É muito grave. Imagina só, a guerra já começou, e todos estão em seus carros seus ônibus, taxis, bicicletas ou sei lá como, indo e vindo do trabalho, da escola, dos bares, teatros, cinemas ou sei lá de onde e a guerra sobre suas cabeças. Meu Deus! Alguém precisa fazer algo.

Parei em frente à banca de revista e comprei avidamente todos os jornais, revistas semanais, mensais tudo enfim, afinal não me conformava que a guerra já estivesse sendo travada, bem debaixo do meu próprio nariz, e eu aqui sem saber de absolutamente nada?! Ou como dizia aquele velho cantador: “eu aqui na praça dando milho aos pombos”? Não aceito e pronto.

O pior é ter a certeza de que desta vez trata-se realmente de um conflito de caráter mundial. Ela esta sendo travada até mesmo na mais minúscula ilha da Polinésia, seus efeitos podem ser devastadores, lembro bem do brilho dos seus olhos quando me confidenciou saber sobre o conflito e bem sei que aquele brilho tinha razão de ser, afinal a nova arma estava entrando em ação, uma arma muito antiga, mas muito pouco utilizada até então. Então lá está o raio-X do conflito: o arcaico munido de suas velhas, obsoletas e obtusas práticas de opressão, repressão e afins versus mentes ágeis e jovens usando a tão temida inteligência.

De todo o planeta parte pelo ciberespaço perguntas diretas para as principais e mais representativas corporações que representam o que ainda há de resquício da ordem de domínio, bombardeio de perguntas que vão sendo rebatidas pelas defesas da corporação até que uma destas perguntas não consiga ser respondida. Pronto é o inimigo abatido, a porta do sistema é escancarada e penetrada, assim em um momento estão dentro do IBM, do Pentágono ou de qualquer outra corporação. E, mesmo que não consiga penetrar, a multiplicação de milhões de acessos ao mesmo tempo... como se diz por aqui “despiroca” a geringonça.

Pare imediatamente, falei, ou melhor, berrei para mim mesmo, porém tudo mentalmente, neste exato momento enquanto meu corpo oscilava entre trinta e seis e trinta e sete graus, meu cérebro estava fervendo, a tampa da cabeça parecia que iria explodir como um bueiro carioca. Precisava desviar as idéias o mais rápido possível. Para começar uma água bem geladinha iria ajudar, entrei no boteco e fui direto ao balcão.

- Por favor, uma água sem gás bem gelada.

Olhei ao redor e percebi ao meu lado uma silhueta feminina tão bela quanto enigmática. Estava toda coberta de um tecido colorido e bordado de pequenas flores que lhe dava uma aura primaveril, uma alpercata de finas tiras de couro que permitia ver um pouco da pele alvíssima, quase transparente de um pezinho fino como uma lâmina. Esqueci todos os conflitos como um passe de mágica e fiquei completamente entregue a decifrar aquela bela e fluida mulher que dividia o balcão comigo.

Nossos pedidos chegaram ao mesmo tempo, duas garrafinhas de água sem gás, tentei ver o seu rosto, porém estava encoberto por um óculos escuro que lhe tomava praticamente toda a face complementado por lenço cor de laranja forte que lhe envolvia a cabeça e o pescoço, de fora somente a boca vermelha carnuda umedecida pela água. Tomou metade de um copo, levantou-se e iniciou sua saída. Olhei para o balcão e percebi que havia ficado uma folha de papel...

- Moça, moça! Você esqueceu este papel.
- Não, você está enganado.
- Como assim? Não é seu?
- Sim é meu, mas eu não o esqueci. Deixei-o aí, pois creio que é para você.
- Para mim?

Virei-me para pegar o papel e quando retornei a vista para frente ela já não estava, corri até a porta e tive por alguns segundos uma vertigem por conta da claridade, esfreguei os olhos e a procurei na rua... nada, ela simplesmente havia sumido, evaporado. Entrei novamente com o papel na mão e voltei ao balcão, começava a temer pela minha sanidade.

Sentei-me no banco do balcão, tomei mais um copo da água e finalmente resolvi ver o que havia naquele papel:

“Depois de ler e reler o texto escrito
constatei aflito ser um ultimato,
ser um veredicto:
abandone as esperanças
Tudo por aqui é teia de aranha, seu mosquito”.*

Confesso que tremi. Meu Deus porque ela disse que me pertencia? Paguei a água e sai do bar mais atordoado do que havia entrado, lembrei-me do conflito mundial, das questões cotidianas, lembrei que havia combinado esquecer... Não esqueci. Andava como um zumbi, até ser interditado por alguém que postou-se em minha frente, pegou no meu ombro e sorrindo me disse: delete.

Não sei mais de mim.

- Você me leva pra tomar um sorvete de cajá com coco verde na Ribeira?
- hã...

Ainda meio tonto abracei-a pela cintura e saí cantarolando um samba de Kid Morengueira: “(...) vai ter outra lua-de-mel, você vai ser madame, morar no Palace Hotel, (...)”**

Roger ribeiro
27 de janeiro de 2012

*Perdidos Nas Estrelas - Itamar Assumpção
**Acertei no Milhar - Wilson Batista e Geraldo Pereira