quarta-feira, 28 de julho de 2010

Quem falará?


Eram quase onze horas da manhã quando ouvi aquele barulhinho inconfundível de papel passando por baixo da porta, lembrei imediatamente do comentário do meu amigo Pedro Santana: - “e os códigos de barra continuam passando por baixo de minha porta!”.
Aproximei-me da porta para apanhar a nova conta, sim! O que mais seria?

Olhei, olhei novamente e percebi que aquela correspondência era nova. Parei, pensei: ora, não fiz nenhuma compra, não adquiri nada de novo a não ser os problemas de sempre, o que seria aquela correspondência com ar sério, parecia uma intimação! Minha nossa será que me descobriram? Brinquei comigo mesmo.
Deve ser alguma propaganda, afinal correspondência em papel, por debaixo da porta hoje só existe duas: ou é conta a pagar ou propaganda para que você venha, em futuro breve, adquirir nova conta a pagar.
Lentamente e, confesso, até com um certo temor, abaixei e peguei o dito envelope. Abri com cuidado e... Lá estava:
- pt. Encontre-me 20 horas pantera pt assunto urgente pt não falte pt barba.
Caramba! Falei alto, é um telegrama!? Isso ainda existe? Senti-me no túnel do tempo, havia voltado ao século XX! Incrível ainda existir tal comunicador e, mais incrível ainda, alguém ainda passa (como se falava) um telegrama para outrem! É admirável, aliás, sendo do Barba, claro que seria algo admirável.
Você, que acompanha à revelia estas escritas, o conhece, é aquele mesmo que fala com a bota, que fala de sorrisos, poesias e etc. Quem ainda não o conhece, irá conhecer.
Mas, o que afligia o meu amigo assim para marcar algo tão imediato? E mais, pela seriedade do clube sócio-intelectual escolhido para a comunicação, realmente deveria ser algo grave.
Pronto, passaria eu agora o resto do dia até as 20 horas, tenso, avexado, agoniado para saber o que de tão importante havia se passado assim no mundo para tamanha extraordinariedade de comunicado. Lembro que a última vez que Barba marcou comigo assim algo tão sério e urgente foi para que convocássemos um conclave entre os seres de todos os universos para que se posicionassem a respeito da falta de critérios globais a respeito de uma doença tão retrógada quanto a AIDS.
Então veja você que meu querido amigo não é de ficar fazendo tempestade em pingos d’água, algo realmente estapafúrdio deve ter ocorrido.
Liguei para algumas pessoas mais próximas para saber se sabiam de algo, afinal, nesta manhã estava atolado com alguns textos para analisar e por isso não havia saído de casa, nem ligado o rádio, nem passado a vista no jornal que jazia sobre o pequeno e sujo sofá.
Não, ninguém sabia de nada extraordinário a este ponto. Eram as notícias de sempre... desabamento aqui, intransigências ali, gols de alguns, casamentos de poucos, o velho deixa disso e vamos àquilo, ou a kilo, como tem sido mais comum às notícias.
Terminei os textos, tomei banho, saí para o trabalho, fiz tudo o que tinha de fazer, mas confesso, tudo automaticamente. Não via nada na minha mente apenas o tom grave do telegrama de Barba. Será o Benedito? Pensei que os quatro meninos de Liverpool devem ter ficado no mesmo dilema que eu para poder anunciar ao mundo que “o sonho havia acabado”.
Cantarolei uma música deles, lembrei que não sei inglês e achei que os meninos de Liverpool poderiam ser os quatro meninos de Santo Amaro, qualquer santamarense de plantão certamente concordaria comigo, assim eles comporiam e cantariam em Português, o que seria, para mim, muito bom. Ou não!
E assim o dia se arrastava, problemas surgiam, se resolviam e eram reenviados a quem de direito. Documentos produzidos, resoluções tomadas, dúvidas brotavam aos borbotões. Ainda no início da tarde fui convocado a uma reunião, daquelas que se dizem importantíssimas, até começar, claro, depois desvelam-se inúteis, inglórias. Mas, apesar de tudo isso, o tempo, contrariando Cazuza, se arrastava, não passava de forma alguma.
De cinco em cinco minutos retirava do bolso, o já surrado, telegrama, examinava-o minuciosamente em busca de pistas, será que Barba não havia cifrado nada? Conheço bem a peça, sei que era capaz de deixar algo entesourado, escondido, algum enigma para só ser desvendado daqui há anos. Mas, não, desta vez não. Passei da curiosidade à preocupação.
Mesmo o relógio correndo oposto ao tempo, as conspirações da natureza foram maiores e enfim, o relógio bateu 19 horas, saí apressado, tão tenso que só notei já sentado no ônibus, que nem havia me despedido de ninguém, todos devem ter notado, afinal não era de meu feitio. Mas, paciência, depois pediria as devidas desculpas.

Cheguei ao largo do Chame-Chame, às 19 dezenove horas e 40 minutos, após descer do coletivo, caminhei lentamente até o “Clube Recreativo Cultural para Marmanjos Calejados A Pantera”, de longe avistei o Barba. Não era difícil, pois seu corporal avantajado com sua longa barba vermelha e sua indefectível bota preta era perceptível a longas distâncias.

Percebi de longe que estava agitado, olhava para a bota com tensão, quase indignação. Gotas de suor estavam fixas em sua fronte. Temi, juro que temi e tremi, realmente a situação era mais grave do que imaginava.

Cheguei e antes de poder dizer qualquer coisa ele falou:
- Você foi pontual, mas esperava mais de você. Deveria ter chegado a pelo menos uns 30 minutos antes.
- Perdoe-me, não consegui sair mais cedo e...
- Não importa, você não sabe, mas estas pequenas coisas humanas não mais terão importância.
- Mas o que é tão grave assim?

Ele puxou-me pelo braço para um canto mais reservado, aproximou a boca de meu ouvido e com os olhos mareados disse.

- Toda a esperança que nutri durante toda minha existência frente a este nosso país se acabou. (pausa).
- O que houve Barba, diga logo.
- O JB, o Jornal do Brasil, irá fechar as portas. Agonizava, eu sei, mas sempre tive a esperança de que seríamos salvo no último minuto. Perdemos definitivamente o apreço pela evolução humana. É o fim (decretou).
Tremi, senti um frio correr na minha coluna. Nada consegui dizer, olhei para os seus mareados olhos e apenas pensei no amigo Felix de Athayde.
Colocamos nossas botas pretas em movimento, lado a lado, caminhamos sem nada dizer.
Não havia mais nada a ser dito.

Roger Ribeiro.
26 de julho de 2010

terça-feira, 27 de julho de 2010

Sabe o que é que é?



Prééééééééééééeééeíiiiiinnnnnnnnnnnnmmmmmmmmm!

Levantei de um pulo só, o livro que lia chegou a cair da mão! O toque do apocalipse, só podia ser isso.

Prééééééiiiiiinnnnnnnnnnmmmmmm!

Nossa. Enfim voltei para o mundo dos mortais, era a minha campainha que estava tocando, aliás, tocando não: berrando. Meu coração estava disparado. Estava tão absorto na minha leitura, jamais esperava aquele som estridente e alto daquela forma. Tudo bem que é minha campainha, mas como nunca estou em casa e quem vem aqui normalmente chega comigo, poucas vezes eu a presenciei e, sempre que isso aconteceu me assustei, sempre pensei: - tenho que mudar essa campainha, preciso pôr uma daquelas que fazem Blllimmmm/Bllllommmm assim grave abafada, com cara de tia do interior. Nunca me lembro, só quando, trrrriiinnnnnnmmmm, aí; já foi...

Dirigi-me à porta e, como não tenho olho-mágico, que é outra coisa que só me lembro quando preciso usar, abri-a vagarosamente. Lá bem em frente, com um sorriso impassível no rosto, estava ela. Não devia ter mais do que um metro e cinqüenta e pouco, magrinha, bonitinha a danada, uns olhos brilhantes e o pezinho esquerdo, em uma sandalinha de couro, impacientemente batia no chão. Olhei para ela e ela olhando para mim sorria, por fim falou:

- Não está me reconhecendo?

Era uma voz linda, assim meio angelical, nem aguda nem grave, não era voz de menina, o que ao prestar mais atentamente atenção, percebi pelos finos sulcos ao lado dos olhos que não se tratava de uma menina, era uma mulher jovem.

Parei de delirar e pensei na pergunta que me foi feita, afinal o pezinho havia dobrado o andamento, o que significava que a impaciência também devia ter dobrado. Refleti, refleti mais um pouco e cheguei à conclusão óbvia; euzinho jamais havia visto aquela criatura em minha vida, e, juro, não precisava de tanto tempo para chegar àquela conclusão, afinal uma mulher linda como aquela, jamais se esquece. Respondi:

- Não. Deveria?
- Claro que sim, ou melhor, claro que não. É sempre assim, sempre chego, todos sabem que existo que estou por perto, mas quando chego... Nunca me reconhecem, tá vendo?
- O quê? (apontou para baixo)
- O meu pé, tenho sempre de pôr ele na porta se não as pessoas fecham. E se tiver olho-mágico e for mulher que vier abrir então!? Ah! Aí é que tô ferrada de vez!
- E se as pessoas fecharem a porta com medo, não irá machucar você?
- Claro, e isso acontece muito, vivo no departamento médico. O diagnóstico é sempre o mesmo: luxação no pé. Pronto, lá vou eu ficar pelo menos três semanas no “estaleiro”.
- Estaleiro é para navio, você é um avião (fiquei feliz de ter sido rápido no gracejo)
- Menos né meu filho! Avião de um metro e cinqüenta só se for em Liliput! (sorriu)

Sorri também, ela também era rápida, ou será que passava por isso o tempo todo?

- Sim, mas você não vai me deixar entrar, preciso sentar um pouco e de um copo de água bem fresquinho.
- Oh! Desculpe-me é que ainda estava respondendo a sua pergunta...
- Tudo bem, mas podemos continuar com esta conversa aí dentro, veja: não porto bolsa, meu vestido é largo, branco e de certa transparência... Tira o olho daí. Logo se estivesse portando uma submetralhadora, uma bazuca, um foguete bélico transatlântico, você já teria visto, não é mesmo? Portanto feche a boca, tá parecendo, bobo, levanta essa vista e me convida pra entrar.
- Tudo bem (fiz um enorme esforço para não gaguejar), entre, por favor.
- Muito obrigada.
- Sente onde achar melhor. Você deseja água ou quer um suco?
- Humm! Um suco é bom, não é mesmo? De que é?
- Olha tem de laranja e posso fazer um de lima rapidinho.
- Lima! Nossa eu quero, sem açúcar e com bastante gelo.
- Tudo bem, enquanto faço o suco poderíamos ir nos apresentando não é mesmo? Afinal acho, ou melhor, tenho quase certeza de que você bateu na porta errada. Por acaso você não é vendedora? Representante comercial? Ou o que seria mais louco ainda, uma obreira de uma destas religiões que vão à casa das pessoas com procuração divina, não é mesmo?

Olhei de canto de olho e vi que ela sorria de minhas colocações e que havia se levantado e passeava pela sala.

- Você tem um belo apartamento! Tem bom gosto, e sabe aproveitar bem os espaços, você é arquiteto?
- Não...
- Artista?
- Quem me dera...
- É... Deveria ser, pois é tudo muito poético aqui.
- Olha seu suco. E finalmente quem é você?
- Você e suas perguntas, não é possível que ainda não saibas quem eu sou!
- Posso ser sincero?
- Deve.
- Não faço a menor ideia, só sei que se pudesse pedir para papai do céu uma companhia para mim, seria igualzinha a você!
- Engraçadinho... Mas, não se preocupe viveremos juntos...
- Como? (tomei um susto que meu rosto bateu no chão e voltou), Mas como assim?
- Por um tempo.
- Ãh!? Você tá piorando bem as coisas...
- Onde tem um espelho?
- Só lá no banheiro.
- Vamos lá.
- Mas como assim, vamos lá? Nós acabamos de nos conhecer, você acabou de dizer que vai viver comigo, não temos a menor intimidade e você quer ir ao banheiro comigo?!
- Deixa de ser leso, vem logo.

No banheiro me colocou de frente ao espelho e perguntou:

- O que estás vendo?
- Eu. Porque deveria tá vendo algo mais?
- Veja aqui. (apontou para o espaço entre o nariz e o lábio superior)

Havia feito a barba naquele dia, ali não havia nada... Olhei para ela e percebi que estava com as mãos na cintura se balançando e batendo pezinho; acho que a paciência dela havia se esgotado. No meio da minha confusão mental...

Prrrrééééééééééééééééééeéééeiiiiiiiinnnnnnnnnnnnnnmmmmmmm

Não! (pensei), de novo não.

Saí do banheiro aliviado (enfim aquela maldita campainha havia servido para algo), atravessei a sala e abri a porta de vez... Não acreditei no que vi. Ali, bem na minha frente mais três lindas jovens mulheres tocavam, cantavam e dançavam, era uma festa. Olharam-me, pararam de tocar e uma delas perguntou:

- Minha irmã está?
- Quem?

De lá de dentro ouvi a voz:

- Amanhã! Há quanto tempo heim!? Entre... Fique à-vontade.

As três ainda do lado de fora falaram quase em coro:

- Felicidade! Puxa como foi difícil te encontrar.

Olhei para o meio da sala e lá estava ela, linda! Bem debaixo do meu próprio nariz!

Roger Ribeiro.
11 de junho 2010.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Ironia da História.



“Querido amigo Afonsinho” que bom encontrá-lo por aqui, afinal o Itamar Assumpção já partiu, foi lá encontrar com o Leminsk, que, te confesso, também poderia me ajudar, assim sobraram poucos, dos bons, e os que por aqui ficaram são raros, difíceis, quase impossíveis encontrar. Assim, creio que você possa me explicar: afinal o que está acontecendo?

Veja você meu amigo cabeludo, estou a cinco (anos-luz) dias da final da primeira Copa do Mundo da África, e a coisa mais sensacional que dela brotou foi a bola, ela, a redondinha, linda, escorregadia, a pelota, a tal da Jabulani... Tanta gente dela reclamou, mas o que seria desta Copa sem ela?

Veja só os três últimos maiores jogadores do mundo, todos três ainda novos e garbosos, chegaram ao Continente africano e partiram sem dizer para que vieram. Só ela, garba, driblando a todos, entortando os marcadores, os atacantes, os melhores goleiros do mundo dela tornaram-se vassalos. Desfilava bela, linda e solta pelas quatro linhas sem ser incomodada por ninguém.

O grande astro, o grande encanto foi a Jabulani, ninguém conseguiu dominá-la!!

Sabe Afonsinho, conheci o futebol através de uma bola marrom, que tinha a cara do Pelé estampada, meus pais traziam-na semanalmente do supermercado, sua validade era de uma semana, já vinha toda empenada, oval, parecia a cabeça do Edson Arantes mesmo, toda torta, por isso tínhamos de rapidamente desenvolver um talento enorme para dominá-la minimamente, mostrar quem mandava ali! E enfim, conseguir dar aquele passe perfeito. A bola nos obrigava a aprimorarmo-nos, termos talento. A bola estava sempre em desequilíbrio então tínhamos também de nos desequilibrar! Nós, a bola, ou melhor; a “ovoala”, as traves de chinela Japonesa e o goleiro.

Para piorar jogávamos em uma rua calçada de paralelepípedos o que fazia com que nossa Jabulani jamais descrevesse uma linha reta, portanto era necessário ser um Cezar Lattes, um Mário Shemberg, Einstein, ou algo do gênero para descrever trajetórias que levassem a um passe, um lançamento perfeito. Por isso quando revejo os lançamentos de Gerson, Clodoaldo em 1970, Mário Sérgio, Osni e Gibira em 1972, Zico, Sócrates, Junior e Falcão em 1982, tantos outros..., tenho a certeza de que eles devem ter começado pela bola Pelé.

Mais tarde, lançaram a bola Chuveirinho e por fim a Dente de Leite, aí tenho também certeza, o futebol começou a acabar, iniciou-se a Era dos batedores de falta, os torpedos humanos que só sabiam chutar forte, mas e o “elástico do Rivelino! Cadê?

Pois é Afonsinho, agora inventaram que estádios para as Copas do Mundo, tem de ser HI-TEC, cheio de balangandãs, novinhos, ultramodernos, grama quase de ouro, arenas não sei das quantas, salas Vips, centrais de irradiações alfa, beta e gama, um monte de periferia, um monte de dinheiro jogado fora e, eu te pergunto, prá quê? Tudo está lá, menos o futebol, mas pra que futebol se já tem tudo isso?

Você viu onde as seleções ficam?! Meu querido, marajá perde, são palácios, hotéis e clubes quinhentas estrelas, é um luxo absurdo em terra de famintos! É uma afronta, o povo de vuvuzelas chinesas na mão, literalmente soprando a felicidade na saliva e os “astros” banhando-se em “águas de prata”, sem dó nem piedade de exigir vasos sanitários mais custosos do que a renda mensal de um terço da população local somada... Vixi! Lembrei do que o velho Mané fazia nos campos enlameados Brasil afora.
É meu querido, transformou-se o mundo! A Olimpíada que nasceu para ser praticada na nudez e o futebol que se jogava nas várzeas do Brasil, Argentina, Itália e até mesmo na Alemanha, hoje só pode acontecer se milhões de dinheiros forem pegos emprestados, se milhões não forem parar na educação, na saúde... Só assim Afonsinho, “eles” terão certeza de que ninguém vai perceber que dia 30 de abril de 2010, a mais alta magistratura jurídica do nosso país disse ao mundo: NÃO EXISTE CRIME DE LESA HUMANIDADE!

Que vergonha que sinto amigo... Pior ainda será a crueldade da história se fizer da Holanda, uma das criadoras do regime do Apartheid a nova Campeã do Mundo, em plenos milionários estádios da África do Sul, sitiada de miséria por todos os lados.
Roger Ribeiro
07 de julho de 2010.