segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Eternidade

 
 
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal*

 

Pensei em te escrever uma carta, mas fui informado que todos os correios próximos foram fechados. Achei essa notícia um tanto quanto absurda, porém frente aos absurdos que transformam o hoje em um mundo de surdos, tudo entra no bocapio da feira moderna, ou como diriam os concretos na “geléia geral”. Sem correios, eu heim...!


Bem, ficar lamentando não nos leva a nada. Isso em mente é partir para atuar, preciso te falar e por isso resolvi recorrer aos meios que disponho. Em primeiro lugar preciso condensar a informação de maneira a que fique concisa e não gere margens de interpretações ambíguas. Depois preciso pensar na hipótese da mensagem cair em mãos erradas, isso seria realmente uma tragédia, não consigo nem mesmo dimensionar os desdobramentos que um fato como este poderia gerar! Preciso recorrer a um código secreto. Criar uma língua, símbolos que só possam ser decifrados pela receptora certa, mas como você irá decifrar um código que não conheces?


Efetivamente a coisa está ficando complicada demais dentro deste sonho, acho melhor acordar, creio que acordado a solução se apresentará de maneira mais consistente. Então vamos, levantar, lavar-se, escovar, abrir bem os olhos, brilhar, banho bem frio, realizar uma pequena, porém, densa leitura para despertar a mente, realizar uma oração sem religião, sem retenções, acordar os músculos, o esqueleto, acordar a idéia de você, tirá-la do universo da idealização e lembrar sua materialidade, sua quase materialidade tão humana quanto qualquer ser humano, com apenas uma diferença: não preciso falar com qualquer humano, preciso falar com você.


Lembro que ainda no sonho, quando nos encontramos pela última vez, marcamos um encontro lá no Farol de Itapuã, recordo-me perfeitamente disso, até revejo a cena: você estava meio de perfil com sua transparência expondo as gaivotas mergulhando no mar verde da antiga enseada da Mariquita, que foi engolida e aterrada, estavas com um finíssimo lenço sobre a cabeça evitando que o salitre enferruje os teus cabelos, a imagem se fechava nos teus lábios vermelhos como amoras de Minas que suavemente demarcava o próximo encontro.

Será que poderei ir?


- Se não fores não poderás me ensinar o novo código, a nova língua e desta forma não conseguiremos mais comunicarmo-nos. Será uma perda que, talvez, não tenhas condição de arcar e suportar as conseqüências.


- Sempre assim, você, ou melhor, a sua voz chega, diz. Por vezes dita, mas onde está você? Não precisa usar este truque de passos sendo marcados na areia fina, conheço perfeitamente a leveza do seu andar, a longitude das suas pernas alvas, que por muito pouco risca a terra.


- Ah! Já vi que hoje não estás para brincar. Não tem problema. Sobre sua preocupação: as tuas palavras? Sabes como fazer chegar a mim, não existe possibilidade de não te escutar. Sei o que queres dizer e sabes muito bem a resposta. Não se exija demais, já sabemos muito bem disso! São muitos os tempos, vazios os templos, ardentes os ventos entre os dentes.


- Seu sorriso continua se insinuando por entre as brechas dos seus cabelos. Sei exatamente o que este brilho nos teus olhos indica, também sinto o mesmo. Criarei um novo código que possa atravessar as linhas do tempo. Tens que ir? Até quando? Espera, deixa só eu ver você mais uma vez...


- Até! Estou desde já aguardando sua mensagem. Estamos no último instante, a última curva do teu ser irá mergulhar no horizonte, seja rápido, deixe a mensagem antes que te apagues, tens que mergulhar.
 

Ao amanhecer havia uma garrafa de cristal prata sobre o mar, dentro um código esculpido pela ponta de um diamante em uma tábua de esmeralda.


Roger Ribeiro

12 de agosto de 2013
 

*Milágrimas - Alice Ruiz