Mas
se apesar de banal
Chorar
for inevitável
Sinta
o gosto do sal do sal do sal*
Pensei em te escrever uma carta, mas fui
informado que todos os correios próximos foram fechados. Achei essa notícia um
tanto quanto absurda, porém frente aos absurdos que transformam o hoje em um mundo
de surdos, tudo entra no bocapio da feira moderna, ou como diriam os concretos
na “geléia geral”. Sem correios, eu heim...!
Bem, ficar lamentando não nos leva a nada. Isso
em mente é partir para atuar, preciso te falar e por isso resolvi recorrer aos
meios que disponho. Em primeiro lugar preciso condensar a informação de maneira
a que fique concisa e não gere margens de interpretações ambíguas. Depois
preciso pensar na hipótese da mensagem cair em mãos erradas, isso seria
realmente uma tragédia, não consigo nem mesmo dimensionar os desdobramentos que
um fato como este poderia gerar! Preciso recorrer a um código secreto. Criar
uma língua, símbolos que só possam ser decifrados pela receptora certa, mas
como você irá decifrar um código que não conheces?
Efetivamente a coisa está ficando complicada
demais dentro deste sonho, acho melhor acordar, creio que acordado a solução se
apresentará de maneira mais consistente. Então vamos, levantar, lavar-se,
escovar, abrir bem os olhos, brilhar, banho bem frio, realizar uma pequena,
porém, densa leitura para despertar a mente, realizar uma oração sem religião,
sem retenções, acordar os músculos, o esqueleto, acordar a idéia de você,
tirá-la do universo da idealização e lembrar sua materialidade, sua quase
materialidade tão humana quanto qualquer ser humano, com apenas uma diferença:
não preciso falar com qualquer humano, preciso falar com você.
Lembro que ainda no sonho, quando nos
encontramos pela última vez, marcamos um encontro lá no Farol de Itapuã,
recordo-me perfeitamente disso, até revejo a cena: você estava meio de perfil
com sua transparência expondo as gaivotas mergulhando no mar verde da antiga
enseada da Mariquita, que foi engolida e aterrada, estavas com um finíssimo lenço
sobre a cabeça evitando que o salitre enferruje os teus cabelos, a imagem se
fechava nos teus lábios vermelhos como amoras de Minas que suavemente demarcava
o próximo encontro.
Será que poderei ir?
- Se não fores não poderás me ensinar o novo
código, a nova língua e desta forma não conseguiremos mais comunicarmo-nos.
Será uma perda que, talvez, não tenhas condição de arcar e suportar as
conseqüências.
- Sempre assim, você, ou melhor, a sua voz
chega, diz. Por vezes dita, mas onde está você? Não precisa usar este truque de
passos sendo marcados na areia fina, conheço perfeitamente a leveza do seu
andar, a longitude das suas pernas alvas, que por muito pouco risca a terra.
- Ah! Já vi que hoje não estás para brincar.
Não tem problema. Sobre sua preocupação: as tuas palavras? Sabes como fazer
chegar a mim, não existe possibilidade de não te escutar. Sei o que queres
dizer e sabes muito bem a resposta. Não se exija demais, já sabemos muito bem
disso! São muitos os tempos, vazios os templos, ardentes os ventos entre os
dentes.
- Seu sorriso continua se insinuando por
entre as brechas dos seus cabelos. Sei exatamente o que este brilho nos teus
olhos indica, também sinto o mesmo. Criarei um novo código que possa atravessar
as linhas do tempo. Tens que ir? Até quando? Espera, deixa só eu ver você mais
uma vez...
- Até! Estou desde já aguardando sua mensagem.
Estamos no último instante, a última curva do teu ser irá mergulhar no
horizonte, seja rápido, deixe a mensagem antes que te apagues, tens que
mergulhar.
Ao amanhecer havia uma garrafa de cristal
prata sobre o mar, dentro um código esculpido pela ponta de um diamante em uma
tábua de esmeralda.
Roger Ribeiro
12 de agosto de 2013
*Milágrimas - Alice Ruiz