terça-feira, 16 de abril de 2013

Tudo parece


 

 
 
Tudo indica que estes dois já estavam entrelaçados desde que o tempo começou a correr às veias. Estava no trançado do olhar, na cumplicidade de um meio sorriso amedrontado. Os sinais sendo desnudados a cada vez que aqueles olhares se encantavam de forma despretensiosa. Algo oculto estava aceso, mas ninguém via, nem mesmo os dois que o correr das águas pelos eixos ofuscava diamantes pedidos, temiam. A felicidade por vezes pode parecer assustadora.

 

Porém o destino não desatava o nó, algo continuava a turvar em algum momento, em algum lugar. Era como se de alguma forma existisse uma curva nos caminhos daquele rio. Havia algo, não que fosse um roteiro de Kubrick, não! Apenas havia algo em um daqueles olhos que indicava ser necessário atentar ao poeta: o tempo não para, e por isso se faz necessário que se esgarce o tecido, se rasgue o vestido, que se abram os poros para que a brisa transpasse. Limpe a íris; a alma.

 

O que há naqueles olhos de mulher que não conste em trovas cantadas? Em histórias já narradas? O que faz achar ser o temor daquele olhar diferente do olhar de Miguel de Cervantes levando o seu Quixote à sombra da morte? Ou como se enxergou a bela Margarida entes de ser encontrada sob a ponte? Seria possível que ali ninguém visse o olhar de Fausto sobre o cristal de corpo inerte?

 

As vozes que, de tempo em tempo, soavam de ambos pela sala fechada não condizia com a realidade. Tudo se transformava em frações de segundo, os imóveis humanos mudavam, transformavam-se! Nada era estável, nada condizia com os embates agudos que aquelas vozes produziam na memória, na ressonância. Era um punhal de prata atravessando, sem produzir um fio de sangue sequer, o peito enfeitiçado do dono do olhar que a fazia existir com seu perfil elegantemente longilíneo, fugidio como uma música que se escuta, mas que não se sente o sabor, não se pode tocar!

 

(...)A voz de alguém nessa imensidão

A voz de alguém que canta

A voz de um certo alguém

Que canta como que pra ninguém (...)*.

 

A música apenas reverbera e explode nos ouvidos, mas não de todos, apenas os dois ouvem, sentem, mas quando os finos dedos nus tentam se entrelaçar e se reinventar, o som se expande em ondas como as produzidas no espelho d’água dos seus medos em choque com a palavra que teima não ser dita.

 

Tudo parece está pronto, a respiração parece suspensa, existe a certeza de se estar em um eterno mergulhar, os pés abandonaram a pedra, mas os cabelos negros lançados à frente do corpo alvo não tocaram o mar. Neste hiato é impossível se respirar, o ar é mínimo no corpo à espera que o peso produza o corte perfeito nas águas, o abraçar da solidez dela à espera dos braços, do sorriso largo, dos tons que não se fazem quando nada mais se é do que uma nota da música cantada que se espalha como alfazema ofertada a Yemanjá.

 

O vento soprou com tamanha força que conduziu o sol para o horizonte, nada mais restou senão pousar o feixe de visão entre o Farol da Barra e o farol de Mar Grande, eis o duelo entre o peso do existir: o olhar, a luz.

 

Pausou o tempo, dobrou o papel escrito, envelopou e no espaço do endereçado, escreveu:

 

Ao tempo.

 

Sorriu e enviou.

 

Roger Ribeiro

16 de abril de 2013

 

*Alguém Cantando – C. Veloso