Tudo indica que estes dois já estavam
entrelaçados desde que o tempo começou a correr às veias. Estava no trançado do
olhar, na cumplicidade de um meio sorriso amedrontado. Os sinais sendo
desnudados a cada vez que aqueles olhares se encantavam de forma despretensiosa.
Algo oculto estava aceso, mas ninguém via, nem mesmo os dois que o correr das águas
pelos eixos ofuscava diamantes pedidos, temiam. A felicidade por vezes pode
parecer assustadora.
Porém o destino não desatava o nó, algo
continuava a turvar em algum momento, em algum lugar. Era como se de alguma
forma existisse uma curva nos caminhos daquele rio. Havia algo, não que fosse
um roteiro de Kubrick, não! Apenas havia algo em um daqueles olhos que indicava
ser necessário atentar ao poeta: o tempo não para, e por isso se faz necessário
que se esgarce o tecido, se rasgue o vestido, que se abram os poros para que a
brisa transpasse. Limpe a íris; a alma.
O que há naqueles olhos de mulher que não
conste em trovas cantadas? Em histórias já narradas? O que faz achar ser o
temor daquele olhar diferente do olhar de Miguel de Cervantes levando o seu
Quixote à sombra da morte? Ou como se enxergou a bela Margarida entes de ser
encontrada sob a ponte? Seria possível que ali ninguém visse o olhar de Fausto sobre
o cristal de corpo inerte?
As vozes que, de tempo em tempo, soavam de
ambos pela sala fechada não condizia com a realidade. Tudo se transformava em
frações de segundo, os imóveis humanos mudavam, transformavam-se! Nada era
estável, nada condizia com os embates agudos que aquelas vozes produziam na
memória, na ressonância. Era um punhal de prata atravessando, sem produzir um
fio de sangue sequer, o peito enfeitiçado do dono do olhar que a fazia existir
com seu perfil elegantemente longilíneo, fugidio como uma música que se escuta,
mas que não se sente o sabor, não se pode tocar!
(...)A voz de alguém nessa imensidão
A voz de alguém que canta
A voz de um certo alguém
Que canta como que pra ninguém (...)*.
A música apenas reverbera e explode nos
ouvidos, mas não de todos, apenas os dois ouvem, sentem, mas quando os finos
dedos nus tentam se entrelaçar e se reinventar, o som se expande em ondas como
as produzidas no espelho d’água dos seus medos em choque com a palavra que
teima não ser dita.
Tudo parece está pronto, a respiração parece
suspensa, existe a certeza de se estar em um eterno mergulhar, os pés
abandonaram a pedra, mas os cabelos negros lançados à frente do corpo alvo não
tocaram o mar. Neste hiato é impossível se respirar, o ar é mínimo no corpo à
espera que o peso produza o corte perfeito nas águas, o abraçar da solidez dela
à espera dos braços, do sorriso largo, dos tons que não se fazem quando nada
mais se é do que uma nota da música cantada que se espalha como alfazema
ofertada a Yemanjá.
O vento soprou com tamanha força que conduziu
o sol para o horizonte, nada mais restou senão pousar o feixe de visão entre o
Farol da Barra e o farol de Mar Grande, eis o duelo entre o peso do existir: o
olhar, a luz.
Pausou o tempo, dobrou o papel escrito, envelopou
e no espaço do endereçado, escreveu:
Ao tempo.
Sorriu e enviou.
Roger Ribeiro
16 de abril de 2013
*Alguém Cantando – C. Veloso