segunda-feira, 22 de julho de 2013

O Topo do Mundo


 


O teto do mundo era muito alto. Soprava um vento frio e seco que rachava os seus lábios como se fossem um bombom de chocolate, ao mesmo tempo o sol lhe avermelhava a pele com uma fúria que poderia facilmente torná-lo brasa. Sim, não era nada fácil chegar ao teto do mundo, mas estavas no topo e como uma Amazona ou uma Walquíria com seus elmos e lanças, uma visão quase invisível, o que mais poderia ser tão elegante?

Sentou-se a uma pedra e absorta no tempo e praticamente solta no espaço, admirava as enormes montanhas que se iniciavam verde, enegreciam para por fim tornarem-se alvas como as areias finas da Lagoa do Abaeté.

O que faria aquele espectro de luz naquele topo? O que buscava?

Até aquele momento, nunca havia pensado no topo de mundo, mas, ali, naquele momento percebi que por toda a vida a visão do topo não poderia ser outra: uma silhueta sustentando um véu de cabelos e tecidos que buscavam abraçar toda a Terra. Dos seus pés rolavam pedras que a princípio pareciam pequenos seixos, porém, ao se aproximarem, dava-nos a dimensão real de sua magnitude, deitavam sobre a terra formando imensas cadeias de montanhas que forjavam vales infinitos, por onde voavam imensos Condores.

O som que se ouvia era sempre de longe, nunca havia som perto, era sempre o som gelado do vento vindo das geleiras que se esgueirava pelos costados das rochas fazendo-as, vez por outra, estrondar em fissuras; o frio rachava a pedra. Plantas só rasteiras, havia pouca terra, muita rocha que formavam trilhas serpenteadas de dutos por onde as águas fluíam até despencar de uma altura tal que esfumaçavam e jamais atingiam o solo.

Por isso os povos do lugar possuíam um brilho úmido nos cabelos negros, como a selva longínqua que podia ser avistada do topo do mundo. Um povo ao redor dos seus teares, seus pigmentos extraídos de pedras, sementes, folhas, terras, sua forma milenar de fiar, os desenhos sempre representando o equilíbrio das forças que emanavam do topo do mundo. Uma terra que das entranhas das suas montanhas forjava salinas a três mil metros do mar. Um ar rarefeito que jamais cansava de lembrar-me que a pressa será a minha impossibilidade de alcançar.

Por isso fiquei sentado a  três mil metros de altura, entre o Vale com seu rio a correr por entre as bases das montanhas que lhe fazia parecer, de onde estava, uma serpente sem fim, serpente que em algum momento levará o som frio das Cordilheiras ao mar, acima de mim o topo do mundo (os gigantes adormecidos), impávido com seu véu branco que ao sol, turvava a vista, aguando os olhos, demarcando assim o desejo indisfarçável de chorar. Deixar uma lágrima de retribuição ao topo do mundo.

Horas se passaram. Minha boca também rachou e o vento explodia com fúria sobre o meu corpo obrigando-me a curvar, olhei ao meu redor e as pessoas que também admiravam a Amazona no topo do mundo, também estavam curvadas, passou pela minha mente a idéia de que aquele vento furioso que esbarrava em nossos corpos não estava soprando ali por acaso, sua função era exatamente essa: curvarmo-nos. Fazer o ser mais pretensioso da Terra, entender, rever e reverenciar.

O sol girou o seu ciclo, passou por seus inúmeros portais, e a noite queimada pelo vento frio e o sol forte, descia avermelhada e lentamente, logo os gigantes do topo do mundo estarão envoltos por uma densa neblina. Os povos do lugar se apressam com seus passos miúdos e rápidos, pelas ruas as cores vibrantes dos seus trajes, as mulheres quase sempre velhas, de baixa estatura e forma cilíndrica, tranças amarradas nas pontas, davam a impressão de festa, uma imensa vontade de estar entre estes povos, aprender o quão é importante um pequeno sorriso. Só há fartura de vida.

A noite, já de retorno à vila, sentado esperando a refeição do dia, em roda de amigos que não conseguiam descrever o indescritível, ouvido a música do povo do lugar, tive a sensação, quando você passou conduzindo o vento frio, que já havia visto estes cabelos trançados aos tecidos coloridos esvoaçando conduzido pelo perfil do seu corpo. Virei rápido na direção que o vácuo apontava, não havia ninguém. Sorri, sentei-me novamente e perguntei a Mark, Yara, Cássia e João: Qual a mais bela: a Lhama, a Alpaca, o Guanaco ou a Vicunha?    

 
Roger Ribeiro

22 de julho 2013