segunda-feira, 27 de abril de 2009

Não sou mais um número.






Passei sem a pressa do dia-a-dia, havia decidido que a partir daquela data seria mais humano. Refletiria mais sobre essa condição e menos a respeito da acumulação. Permitir-me-ia! Na verdade acordara naquela manhã me sentindo uma máquina de repetição, sentei no colchão e lembrei-me de uma frase que o professor Saja me dissera há anos atrás e que, já lá, havia me chamado a atenção, mas, o on/off do cotidiano empoeirou-a de tal maneira que resgatá-la foi quase um parto. - “O que você está fazendo com a sua única vida?” Indagou-me o franzino professor.

Pois naquela úmida manhã, resolvi que já era mais que hora de ‘desmaquinar-me’, lembrar um pouco de que não sou movido a álcool, diesel nem tão pouco gasolina. Refletir que não uso óleo nas minhas juntas e nem tão pouco vivo apertando os parafusos de minha cabeça, apesar dos abundantes e diários pedidos para que isso seja feito. Não o farei! Não mais, nunca mais.

Como dizia no início, passava sem pressa e fascinado de como as chuvas que caíram nos últimos dias verdejou a cidade, quando vi você sentada no banco encostada no gradeado da praça. Seus cabelos vermelhos formavam uma vibração de tons intrigante com o verde que se impunha por trás de você. O verde e o vermelho vibravam como quem se repulsa e se atrai simultaneamente, e essa vibração realçava o alvo do seu rosto, não era um alvo pálido, pelo contrário, era um alvo vivo, resplandecia vida.

Permiti-me parar. Recostei em algo que só depois percebi ser a haste da barraca do vendedor de frutas que me olhava incrédulo. O que estava eu fazendo? Ele a montar a barraca apressadamente, e eu, absorto, em plena meia manhã de sexta feira recostado no seu meio de produção como se observasse a passagem de um cometa, um eclipse solar ou o surgir de seres alienígenas! Enfim, senti uma mão em meu ombro e, sem ser necessária uma única palavra, percebi que se não me afastasse ele não poderia por o restante dos apetrechos da tal barraca.

Dei alguns passos à frente, parei cruzei-me, pernas e braços, e continuei a observar aquela estranha vibração entre o verde, o vermelho e o branco.

A cidade estava com pressa, muitos passavam por mim e praguejavam. Era muita ousadia este ser parado, ali no meio da calçada, em plena meia manhã atrapalhando o fluxo, alguns chegavam a trombar em mim deixando claro que ali não era lugar de se estar. Mas essas idéias de ser um empecilho passavam muito remotamente em minha cabeça, afinal, reconstituído de minha humanidade sentia-me aconchegado em qualquer local. Não necessitava mais estar no interior de um automóvel, sob um teto, aconchegado em nenhuma poltrona. Ali, no meio do mundo estava ótimo.

Aquele local parecia que fora feito para mim. Um frescor maravilhoso batia em minha face, dava-me vontade de saborear um café sem açúcar lendo o jornal, ali mesmo em pé, só faltava um balcão. Mas, não poderia me afastar dali, algo me dizia que ali era o local onde eu deveria estar. E eu estava.

Um outro vendedor ambulante, com um jeito muito sutil, colocou uma caixa de produtos praticamente sobre o meu pé e virou-se para pegar outra. Percebi que aquela ação continha em si um “por favor, você me daria licença?”. Isso porque, hoje, recompus-me como humano. Pensei: se fosse ontem teria lido a ação do vendedor de rua como um “sai daí porra!” e certamente a essa altura estaria travando meu primeiro embate do dia, ou melhor, o segundo, pois também não teria aceitado com naturalidade a mão pesada do fruteiro em meu ombro.

Mas meu novo estado humano era um radiante filtro. Não possuía a menor importância a intolerância dos transeuntes frente a minha escolha de local para fixar-me, tão pouco importante se fazia a mão do fruteiro, nem a caixa do vendedor. Senti-me meio “poliânico” e quase enrubesci (como era costume nessas ocasiões em que me sentia meio ridículo). Mas, naquele momento, nem me avermelhei, nem transpirei, nem se quer dei-me o trabalho de observar se alguém ria de mim. Apenas descruzei a perna e aproximei-me mais do gradil da praça.

Lembrei-me de que ali os conjurados da “Revolta dos Búzios” foram executados só porque exerciam suas funções humanas. De uma hora para outra, em plena Praça da Piedade, apiedei-me daquela multidão que não havia ainda percebido o que eu percebi naquela manhã.

Como estava mais perto, ao retornar o olhar para o ponto vibrante de vermelho, verde e branco, percebi algo novo naquele oval alvo emoldurado pelo vermelho carmim. Percebi flutuar duas intensas esferas tão negras que brilhavam com a intensidade dos cristais.

- Você quer crédito pessoal? Ofereceu-me uma gentil moça. Acho que deve ter pensado: “alguém em plena meia manhã, parado na calçada de uma praça... Ou é aposentado, ou louco, ou desempregado, logo necessita de empréstimo pessoal”. Após o susto, sorri para ela e com um leve balançar da cabeça estabeleci a resposta negativa.

O movimento aumentava a cada minuto, as pessoas passavam de lá prá cá e de cá prá lá incessantemente, apressadamente. Para onde será que iriam todas aquelas apressadas pessoas? Pensei que em algum lugar, tanto em um extremo quanto no outro, iria travar. Não haveria espaço para todos passarem. Seria então o fim do caminho?

Tão absorto e feliz estava de me permitir tanto que não percebi, por uma fração de tempo, que algo mudara no cenário verde, vermelho, branco e preto.

Comecei a ouvir uma canção, voltei meu olhar a meu ponto principal e notei que agora ela empunhava um violão e sorrindo para mim cantava.

Words are flowing out like endless rain into a paper cup,
They slither while they pass they slip away across the universe.
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.
Jai guru deva, Om.
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Images of broken light which dance before me like a million eyes,
They call me on and on across the universe.
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box
They tumble blindly as they make their way across the universe
Jai guru deva, Om.
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Sounds of laughter, shades of love are ringing through my opened ears
Inciting and inviting me.
Limitless undying love, which shines around me like a million suns,
And calls me on and on across the universe.
Jai guru deva, Om.
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Nothing’s gonna change my world,
Jai guru deva,
Jai guru deva,
Jai guru deva...*

Imaginava ela, creio, “o que faz aquela criatura ali? Perdida no meio do mundo!”.

Gostei da condição de Homem.

Roger Ribeiro.
24 de abril 2009.

* Across The Universe.
(Lennon & MaCartney)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Um corpo de ar. ( Para Mab e Lulu )




Peeeeemmmmmmmmmmmmm... Peeeeeeeeeeeeeeeeeeeeemmmmmmm, Peeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeemmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm.


Ela passou por mim e falou: - todas em seus postos! Sim, era o terceiro sinal, eu estava a uns cinco passos do meu posto. Éramos ao todo seis, eu e mais duas de um lado e as outras três do outro lado, naquele momento, do infinito palco à frente.


Ontem, antes de ontem, tudo isso era visível, real, claro e tranqüilo, porém naquele momento algo havia se transformado. Até aquele terceiro toque da sirene o som que vinha da platéia era alto, ininteligível. Sim! Era uma massa sonora de vozes sem maestro, sem afinação, dissonância pura, passou por minha cabeça a música do maestro Hans-Joachim Koellreutter, que me foi apresentado pelo meu professor de espaço e equilíbrio.


Após o terceiro toque, a massa sonora começou a diminuir, como se alguém estivesse a manipulá-lo nos botões luminosos da mesa de som. O silêncio foi se estabelecendo de tal forma que inundava os meus ouvidos. Sabia que aquela pesada pausa sonora estava a instigar o sentido do olhar dos que lá estavam para ver. Senti um frio correr o meu corpo e como se alguém tivesse aberto o ralo, meu corpo todo gelou e sugou todo o fruto do pré-aquecimento.


Percebi que deveria redistribuir meus sentidos, não podia mais ficar toda dentro da audição, afinal entre o terceiro toque e o movimento de desequilíbrio seriam apenas trinta segundos. Inspirei com força o ar, enchi o pulmão e prendi-o em mim contando lentamente até dez, afinal quando você se enche de ar, você fica mais leve. Assim é com uma embarcação à vela, assim é com o nadador que precisa ficar à flor d’água para atravessar a baia de Todos os Santos. O ar nos limites humanos, quantos quilos a menos?


1, 2, 3... Não compreendia?! Sempre funcionou! Porém desta vez pareceu-me estar, o ar, solidificando-se nos meus pulmões. Eram duas âncoras. Estava a cinco pequenos passos do meu lócus inicial e não havia a menor possibilidade de movimento, deus! Estou começando a me assustar. De longe, muito longe escutei novamente a soprana voz: - todas em seus lugares. O som da voz era tão distante...


4, 5, 6... Dei-me conta de que olhava para frente e, lá do outro lado, a forte luz do refletor azul desfigurava uma silhueta humana à sua frente, ferindo com profundidade meus olhos. Comecei a suar, um filamento de água salgada escorreu de minha testa e percorreu a cavidade do meu olho esquerdo com uma destreza ímpar para não penetrar no globo ocular. Creditei esse caminho d’água a um apoio místico, afinal, tudo que não poderia acontecer nesse momento seria uma irritação nos olhos que já estavam duramente castigados pela luz azul do refletor.


7, 8... Era um aviso, daria tudo certo, daquele momento em diante tinha essa certeza. Pensei em fazer uma oração, lembrei de um trecho do Salve Rainha (Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei! E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto em vosso ventre...), uma oração tão bela que nunca consegui decorar. Graças a isso nunca a rezei na íntegra o que acabou permitindo que a mim ela fosse sempre motivo de audição e admiração.


9....10, expirei com uma força fora do comum como quem quer realmente expurgar algo. Precisava livrar-me das âncoras no meu peito. A meu lado, de vestido branco e voz tensa, veio mais um sinal: - venha, está na hora! Mantive meu pulmão vazio como uma uva passa e reiniciei a contagem, 1..., novamente o suar secou em minha fronte e consegui dar um pequeno passo à frente e movimentar em forma de onda à frente do meu peito meu conjunto de braço, antebraço e mão direita, prestei atenção a esse movimento. Estaria eu leve? Harmônica?


2, 3, 4... Ouvi os últimos ranger das poltronas antes do silêncio tornar-se absoluto, a concentração era de todos, a expectativa tensa era total. Estava no ar entre o salto da plataforma e o mar, estava no contratempo entre a fuga de Miles Davis e a marcação de Charles Mingus, estava solta, completamente solta, no ar entre o largar de uma barra do trapézio e o segurar da oposta.


5, 6, 7... A máquina de fumaça fez um silvo e enamorado das luzes dos refletores eliminou qualquer possibilidade de espaço real. À minha frente um espaço indescritível, indivisível, contínuo. Nem bem a Terra nem bem o cosmos, algo assim como a Terra do Nunca, algo infinito, percebi que eu já não era matéria, meus olhos encharcaram e meu peito ocupou o espaço entre o pescoço e o meu sexo. Meus olhos secaram e fixaram-se no nada. Via tudo, não conseguia distinguir nada.


8, 9 e 10, inspirei. Desta vez, sem pressa e sem força, apenas permiti-me penetrar pelo ar. Desta feita ele era fresco, trazia consigo o cheiro forte da fumaça. Dei mais dois passos à frente e fiquei novamente maravilhada com aquele momento, aquele silêncio, aquele campo etéreo criado pela moldura negra do palco preenchida de luz colorida. Ouvi a respiração das outras meninas, era tudo o que ouvia.


Cheguei enfim ao meu espaço, estava em minha base. Tudo estava pronto como me pareceu que sempre esteve, dobrei levemente os joelhos para ter a certeza de que estava no peso, no tempo e no espaço justo, na tensão exata. Havia algo que não era eu! O eu havia se deslocado de mim. Eu, o eu mesmo, estava sentada na vara de iluminação sorrindo para mim.

Com uma dinâmica crescente de baixo, piano, violas, bateria e guitarras a música preencheu tudo...


- Venham! Todas juntas, ouvi nitidamente aquela mesma voz do início. - Vamos! Todas abraçadas, aí não! Na frente do palco, sim! Agora! Agradeçam.


Abaixei meu tronco sobre as pernas e agradeci as palmas, olhei para a trave de luz e sorri muito, eu já não estava lá.


Roger Ribeiro.

17 de abril de 2009.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Quem?!


Parou, olhou para mim e disparou: - você não está me reconhecendo? Não é mesmo?

Estávamos eu, ele e mais um monte de pessoas, sem rosto, que passavam para lá e para cá, todas enfiadas em mundos diversos, pensando em resolver suas vidas, pensando nas dívidas, pensando em comprar aquelas flores para iniciar a difícil sedução. Parados só ele e eu, que na realidade estava até poucos instantes em movimento e também absorto em pensamentos inconfessáveis, até que, primeiro com o olhar e depois com suas palavras me fez parar.

Duas silhuetas humanas num fim de tarde, parados em uma calçada onde todos estavam em movimento. Eu tinha de parar. Claro, afinal ele havia se dirigido diretamente a mim, não podia eu ser deselegante, a ponto de fingir não ter percebido que ele se dirigia a mim. Naquela multidão de passantes, pensantes, sem rosto, ele distinguiu-me. Eu não era um espectro para ele, não! Eu era real, possuía, inclusive, fisionomia própria.

Ele repetiu, agora de maneira mais incisiva: - você não está me reconhecendo? Não é mesmo?!

Percebi que tinha de apurar minha visão míope, pensei em tirar os óculos, limpá-los para poder vê-lo melhor. Se ele se dirigia de forma tão direta e segura para mim é porque me reconhecia, e pior, sabia que eu não o reconhecia e deixava isso claro e explícito desde o primeiro momento. Balancei um pouco a cabeça, como se estivesse buscando em outro ângulo uma legenda qualquer que me elucidasse de quem se tratava aquela pessoa e... Nada.

- Não adianta! Disparou, - você não vai me reconhecer. Foi taxativo.

Ora, como ele poderia ser tão presunçoso a ponto de saber o que eu posso e o que não posso reconhecer? Comecei a achá-lo demasiadamente autoritário. Que história é essa? Daqui a pouco ele vai querer dizer que eu não sei quem sou e só ele pode me recompor a minha condição de indivíduo. Dei um passo em sua direção fingindo certa intimidade, assim como quem vai dar um tapinha no ombro do outro e dizer: claro que sei! Como vão as coisas? O que anda fazendo?

Mas não fiz nada disso, pois quando dei o passo à frente ele imediatamente deu um passo à trás, era um equilíbrio meio desequilibrado, tomávamos um bom espaço da calçada e as pessoas tinham de fazer um certo jogo de corpo para poder passar.

Ele continuava impávido em relação ao que transcorria no exterior daquela relação tensa entre ele, o inquisidor, e eu: o réu. Mas como posso eu ser réu de um desconhecido? Que condição mais incômoda! Senti-me mal por um momento, pensei em pensar: trata-se de mais um maluco urbano! Dar por encerado o assunto e continuar o meu caminho. Mas isso não seria justo! Seria apenas uma demonstração do meu despreparo humano: rotulá-lo de maluco e sair deixando o ônus do insucesso nos ombros dele. Seria covardia demais.

Ele, creio que percebendo minha situação, veio em meu auxílio: - não se preocupe, você não me reconhece por que eu não quero que me reconheça. Estou disfarçado.

Ah! Disse, logo vi. Afinal sempre fui péssimo em gravar nomes, mas fisionomias sempre gravei muito bem. Me recordo até do semblante de bruxa de conto de fadas de uma senhora amiga de minha mãe que ficava tomando conta de mim e dos meus irmãos quando meus pais saiam à noite. Lembro do seu semblante sádico trazendo uma jarra de chá de limão morno com cravo que dizia ela nos ajudaria a crescer fortes. Arch! Até hoje não posso sentir cheiro de limão morno que fico paralisado de terror. E olha que eu tinha quatro anos, e mesmo assim lembro-me do rosto dela. Como não iria me lembrar daquele meu interlocutor que devia ter minha idade?

Tudo estava elucidado, estava eu plenamente satisfeito, ou seja; eu não o reconhecia porque ele estava disfarçado, exatamente para não ser reconhecido. Ponto final.

Pensei em parabenizá-lo pelo excelente disfarce, pois efetivamente eu não o reconhecia de forma alguma, mas no lugar de simplificar as coisas, parabenizá-lo e ir embora eu fiz a pergunta que não deveria, agora eu sei, ter feito: e porque você está disfarçado?

Ele deu um sorriso de desprezo, acho que ele até então me julgava mais inteligente e sagaz, e com os dentes cerrados como quem está comunicando o óbvio disparou: - todo super herói tem de andar disfarçado até entrar em ação.

Claro! Mas que estupidez a minha, era realmente lógico. Acho que não percebi antes por causa dos problemas que tem tumultuado o meu sono, só pode ser isso. Dei-lhe a mão um pouco temeroso da sua super força e dos seus super poderes, será que ele podia pegar em minha mão?

Ele deu-me a mão, com a outra encostou o dedo que aponta, nos lábios no sinal claro de quem pede sigilo e pusemo-nos a andar, ele para um lado e eu para o outro.

Sorri e percebi que estava feliz como a muito não estava, afinal, havia conhecido um super herói em seu disfarce, isso, creio, deve acontecer a poucos privilegiados afinal todos conhecemos os super heróis em ação, sabemos que eles têm “uma capa de estrela e um cinto de cometas”. Mas assim disfarçado?
E ele realmente parecia uma pessoa comum. As aparências escondem cada coisa...

Roger Ribeiro.
13/02/09.

Tens um analgésico aí?


“Penso logo existo”, vem de longe, de muito longe, essa afirmativa. Mas será mesmo assim? Será que basta pensar e pronto? Terás assim a certeza de que existes?

A vida, ou o que costumamos chamar de vida é assim, passamos por frases afirmativas, exclamativas, interrogativas, frases prontas, por fazer, por constituir-se. Frases soltas, curtas longas, ritmadas, melódicas. Frases falsas, verdadeiras, fingidas, forjadas, frases que não precisam ser ditas ou, que quando ditas tornam-se vazias, ocas, infundadas, infrutíferas. Será a vida realmente assim? Ou, como as frases, passamos por ela e não atentamos para seu significado, sua representação?

Pensar por que sopramos a vela a cada ano? Seria esse ato a representação de que nascemos? Ou na realidade o sentido é circularmente o oposto? Sim, você nem percebeu, mas já deve ter apagado a vela por quinze, vinte, trinta, quarenta e tantas vezes enquanto um seleto grupo lhe rogava por muitos anos mais de vida. Aí é que está o sentido do sopro, todo ano em uma data específica você prova que ainda está vivo, ou seja, se de você emanar ar, é porque estás vivo!

Parece coisa de quem não tem o que fazer, não é mesmo? Mas veja bem, o mundo tem o seu tempo e houve épocas em que a ciência era apenas uma interrogação, às vezes até uma má ação, sujeita a repreensões acaloradas, ardentes até. Portanto, para se certificar de que o ser desfalecido estava realmente apto ao sepultamento, colocava-se uma vela à frente da sua fronte, se a chama oscilasse era porque ainda havia naquele ser algum sopro de vida. A vida e suas representatividades. Será que vem daí a expressão: “a chama da vida”?

Muitos atribuem a tal da “chama da vida” à paixão. Por quê? Ora, porque fica mais fácil, afinal quem consegue definir paixão? Aliás, será a paixão apenas uma resposta que de tanto se repetir acabou tornando-se algo quase real?

Disse-me, um sábio amigo, certa feita, ser a paixão um estado de espírito, mas sempre achei esta explicação falha, veja você, quando estou eufórico, rindo à toa, dando bom dia a cobrador de ônibus, distribuindo simpáticos sorrisos ao meu redor é porque estou apaixonado? Ou “amarradinho”? Como disse um cabeludo ontem à porta de um show. Também quando estou triste, de olhos mareados, semblante fosco, sofrendo de vazio sem fim é porque estou apaixonado? “Amarradinho”? Platonicamente “ferrado”?

Bacana, não é? Mas me responda: e quando eu não estou nada? Onde fica a paixão? Por isso comecei a achar que paixão nada mais é do que uma resposta. Como não sei explicar, representar, demonstrar, então nomeio minhas insanidades de paixão. Sendo assim reflito: não posso ficar em um terreno tão fluido quanto à resposta - “paixão é um estado de espírito”. Ficaria louco se aceitasse isso, afinal, não me responderia nada e, pior, me acrescentaria um contêiner de dúvidas! Diga-me você, ser apaixonado, o que é espírito? Como essa coisa inexplicável, impalpável, inclassificável, irrepresentável, pode ter estado? Eu heim!?

Mas, por favor companheiro, sim você que está lendo essa pequena crônica, não se arvore em classificar-me tão rapidamente, não pense que hoje estou niilista demais, agnóstico em excesso, azedo, amargo. Não, nada disso! continuo concordando com o título de um livro de compilações de textos do poeta popular Caetano Veloso - ele é bom de títulos, muitas de suas músicas eu não gosto, mas gosto do título delas – o livro em questão chama-se “A Vida Não é Chata”, por sinal, recomendo sua leitura, possui uns textos bem legais, não são todos, mas é bem mais interessante do que o marrento “Verdades Tropicais”.

Porém, voltando ao que interessa, preciso parar com essa mania de desviar a rota da prosa, mas é que uma coisa vai puxando a outra, crônica é isso, creio que deve vir de Cronos, tempo, por isso é rápida ágil e fugaz. Uma crônica de hoje pode não ter o menor sentido amanhã, acho que é parecido com horóscopo de jornal, ele te diz que hoje o dia vai ser isso e aquilo, você se imbui disso e toca a existência, no outro dia se você lembrar do que falou sua tábua de astros, vai perceber que nada que foi dito se confirmou, a não ser o fato de que a chama continua a oscilar frente a seu rosto.

Lanço, portanto, a hipótese: tudo é representação. Você já reparou que ninguém consegue ver-te como você é? Acho que isso atormentava o filósofo Sartre. Ora, você não está me vendo? Na verdade você só vê o que quer. Não pense que essa hipótese veio do nada, eis a sua história: veio-me na cabeça a seguinte questão: o que é real? Respondi para mim mesmo: - é uma representação.

Mas, uma representação, necessita de representatividade, me disse essa voz que agente ouve dentro da nossa cabeça e não sabemos de onde vem. Respondi para essa voz com a voz da consciência: será?

Então me explique: cidade do Salvador, capital do Estado da Bahia, área 3.068,50 Km², população 2.844.241 habitantes, densidade demográfica 926,92 Hab/Km², deste montante temos 1.747.280 (um milhão setecentos e quarenta e sete mil duzentos e oitenta) eleitores, divididos em 4.263 seções eleitorais e o representante municipal eleito com maior representatividade teve 15.206 votos, o que lhe confere 0,0087026692916990980266471315415961 de representatividade frente ao Colégio Eleitoral da cidade, já o eleito com menor representatividade teve 5.402 votos o que lhe deposita 0,0030916624696671397829799699189598 do desejo dos cidadãos soteropolitanos.

O que me resta? Bem, resta-me apenas repensar a questão de ser a vida uma mera representatividade.

Roger Ribeiro.
17 de outubro de 2008.

Homem ao Mar


Meu amigo Flávio está levantando âncora, está partindo por inteiro sobre a sua Nau Capitã. Lembrança ativa e austera. Memória que se mantém atenta percebe no movimento da maré a perene e febril constância das correntes, assim como a eterna força do verde que emerge de sob a branca paisagem das neves.

Meu amigo partir é simples, como no decorrer do jogo o arbitro exigisse o respeito às regras, estabelecesse a ordem, como se os olhares do presente ainda fitassem-na no vetor do progresso. Avante camarada, a luta é árdua mas a vitória é certa. Velhos brados, velhos bardos e suas harpas! Velhos cânticos de campos de sangue e de dor.

Falou-me meu amigo Flávio, no meio da rua, ou melhor, na ponta do final do meio fio, que irá para o meio do mundo aonde seu nome consta nos registros da humanidade. Demasiado instintivo, um esporro nuclear, meu amigo Flávio!

Desistiu meu amigo de ser um estranho? Uma sombra entre as longas sombras da velha Cidade da Bahia? Por certo ao aportar, se tornará referência, epicentro da esquina, nomeará a rua, o viaduto, a ponte, a avenida, sim! Estarás gravado em uma lâmina de esmeralda pela ponta do mais sólido dos diamantes.

Assim será, meu amigo Flávio, junto a sua doce amada Lica; assim foi, assim é e assim será. A eterna corrente da Bahia de Todos os Santos , aonde tantos aportaram, aportam e aportarão. A mala sempre pronta e a bússola sempre a impor a direção na hora, sempre vinda, de partir.

Partem inteiros aos olhos de todas as gentes, os destemidos, iconoclastas, os que percebem a necessidade de rupturas, de sovar as paredes dos Alcatrazes, interior de cada um. Romper as amarras do cais e mergulhar no espelho de Alice.

Olha lá! Lá vai meu amigo Flávio, leva seus lápis, pincéis, papéis e no peito uma vontade louca de não necessitar ir. Mas vai. Vezes se ouvirá: -“Ora Flávio, fica! Já não sabes que é assim?” Já outras vozes se ouvirão a dizer: -“Vai, segue os bons ventos, as boas mares!”.

De mim nada pude nem poderei dizer, apenas olho e confirmo que Flávio se vai, certamente deixará no porto vários olhares curiosos a saber quantos portos, quantas tormentas, quantos mares e calmarias viverás.

Os ventos da Bahia de Todos os Santos soam frescos e frágeis, cadenciosos desde que o samba é samba. Assim são e assim, desde sempre, impulsionaram com leveza e segurança as velas de papiro tinturado da firmeza dos lunáticos, do imaginário dos homens que partem.

Mas a Bahia é terra encantada e, do nada, ao dobrar a esquina de uma íngreme ladeira... lá estavas. Nossa! Que alegria! Bem ao centro, entre o muro e o meio-fio, sorrindo para ninguém nem para nada, lá vinha meu amigo Flávio, ainda sem as malas, mas com um brilho nos olhos que só os que conhecem a força da impermanência, do imponderável possuem a coragem de navegar sobre o titânico mar. Apenas os delirantes, loucos e etéreas crianças sabem a força do som da mão no coro sobre a alma do Leviatã.

Mais uma Nau partirá, não é a primeira, não será a última. Assim se escreveu, se escreve e se escreverá sempre a história da Cidade da Bahia.

Roger Ribeiro
30 de setembro 2008.

Carta a Gregório


Salvador-Ba, 28 de agosto de 2008.

Querido amigo Gregório,

Em primeiro lugar, desculpe-me incomodá-lo em seu descanso eterno, mas como diria um poeta e literato contemporâneo dos bons, “a coisa aqui ta preta”, se é que ainda podemos usar essa onomatopéia de palheta da época em que azul era tranqüilidade, amarelo temor e preto dificuldades, sem ser processado, preso, linchado, decapitado, esquartejado, ter seus pedaços salgados e expostos em praça pública. Mas na época, o ainda jovem Chico Buarque assim desabafava em sua carta samba para falar do nosso querido Brasil varonil.

Pois exatamente por estarmos vivendo na nossa, sua por adoção, bela cidade à beira da Bahia de Todos os Santos, onde parece que se a coisa continuar assim, teremos que, por abandono do barco, trocar o nome desta para Bahia de Alguns Santos. Sei que nesse exato momento deves estar a se perguntar qual a natureza da aflição que me faz remeter à sua tão longínqua possibilidade de atuação.

Bem, na verdade, recorro a você pela lógica, que de certa maneira, alinhavou os seus caminhos por essa terra quando se inseriu com brutal volúpia crítica que não tardou a acunhar-te de “Boca do Inferno”. No decorrer da sua lida, arrefeceu-se os arroubos políticos terrenos, formando um lirismo místico, típico de quem troca o brasil do inferno, pelo azul limbo celeste. Olha eu aqui novamente com as nossas cores semióticas. Fico fascinado com essa trajetória e começo a perceber que na literatura baiana essas possibilidades são plenas e sua escala se faz cromática e íntegra.

Temos autores que parecem que nasceram das entranhas das reflexões operárias do século dezenove e que, de tanto observar o modelo obtuso e tirânico de se fazer política abaixo dos odores de cravos e canelas, findaram por compor-se, sentar-se e extasiar-se com ele. Isso é o que chamamos de um laboratório de personagem à posteriori. Aqui também plantou-se intelectuais conhecidos e reconhecidos no mundo inteiro, Doutores Honoris causa de Universidades espalhadas por toda a “bolinha azul”, mas se eu sair nesse momento na rua a perguntar por Milton Santos, João Carlos Teixeira Gomes, Luis Henrique Dias Tavares, Kátia Mattoso, e tantos outros, o que verei será uma cara de espanto e no máximo uma interjeição tipo – QUEM!!!!!????????

É meu querido Gregório, sei que a essa altura estás aí, ao lado do menino Castro Alves arrepiado e se perguntando:
- mas não é possível!!! Tenho visto, do alto destas nuvens tantos autores escrevendo da / ou sobre a Bahia de forma tão fluida, como Antônio Rizério, João Ubaldo Ribeiro, João José Reis, Elieser Cesar e... Nossa essa lista é tão compriii... Bem, na verdade, essa lista já foi bem maior menino Gregue (desculpe a intimidade), mas lamentavelmente parece que um “vento compressor” passou e saiu batendo e lacrando portas importantes como o Ginásio da Bahia, o Colégio Severino Vieira, Manoel Devoto e tantos outros celeiros de bons leitores que, por isso, acabou por produzir uma geração que soube traduzir com maestria tudo o que leu, viu e ouviu, cada um com sua linguagem - música, poesia, dança, cinema, literatura, magistrado, enfim, uma juventude instrumentalizada que soube o que e como dizer de sua existência ao mundo.

E por fim, Gregó, venho te dizer que tens muito haver com tudo isso, com essa geração. Tu és mais atual do que nunca, pois é exatamente de seu espírito intelectual e destemido, curioso e corajoso, que está a faltar à velha Bahia dos dois “Fês”.

Aproveito para te recomendar que procures aí um bigodudo poeta com pinta de polonês que um dia me disse: “as coisas estão pretas / uma chuva de estrelas / deixa no papel / esta poça de letras”.
Abraços a todos,

Roger Ribeiro.

Pai


“Pai!
Pode ser que daqui a algum tempo
Haja tempo prá gente ser mais
Muito mais que dois grandes amigos
Pai e filho talvez”...
(Fábio Jr.)

Por no mundo, orientar... O que fazer? Dizer sim ou não? Como posso ser pai se fui filho há tanto tempo? Sinto-me filho do meu filho quando penso na velocidade da atualidade que não consta da minha programação cromossômica! Sinto-me pai do meu pai, quando penso em quantas verdades caíram desde o primeiro momento em que ele, “sentou a beira do caminho” comigo e me disse: “a vida é para valer, eu fiz o meu melhor e seu caminho eu sei de cor”. Não, não sabia.
Foram muitas mudanças de lá prá cá, conceitos, barreiras, muros caíram, verdades foram varridas para debaixo do tapete, utopias tornaram-se estampas de camisetas, nas vitrines das caixas de compras urbanas. Hoje, quando olho a velha foto amarelada, com seu sorriso sério, que combinava perfeitamente com o seu largo bigode, orgulho das vendas do bairro, sei o quanto foi difícil para você, ver sua cria, sumindo nas brumas de um mundo que se transformava frente aos seus impotentes olhos.

[...] “Meu pai, como vai? Diga a ele que não se aborreça comigo, quando me vir beijar outro homem qualquer, diga a ele que eu quando beijo um amigo, estou certo de ser alguém como ele é, alguém com sua força para me proteger, alguém com seu carinho, para me confortar, alguém com olhos e coração bem abertos, para me compreender!” (Gilberto Gil).

Por isso, quando penso em pai, penso em filho e quando vejo esse elo, vejo o tempo que voa nas asas do vento, que passa pelas velhas batas indianas e calças desbotadas dos filhos que hoje são pais contrastando com as calças de grife e correntes de prata dos filhos que serão pais. O mais importante é que do velho conflito de titãs, brota o novo, que, assim como o bambu, cresce sempre para o alto, para bem lá das alturas, curvar sua ereção, como quem, humildemente, reverencia a terra que lá de baixo, assiste a tudo com a sabedoria das pedras que rolam e não criam limo.

Roger Ribeiro.
2008.

1968 -Para não dizer que não falei de flores e espinhos.


“Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou”
(Sérgio Sampaio)

E você aonde andava quando o pau quebrou?

Sei, sei que estou falando para você meu querido e assíduo frequentador das jovens tardes de domingo na Máquina do Som, e sei que quando esse “pau quebrou”, em 1968, você não era nem projeto ainda.

Mas saiba que o mundo girava, girava na bola, girava na vitrola, o mundo girava a mil na estréia da peça “Roda Viva” de Chico Buarque; no teatro Record, o “Rei do Ye ye ye” brazuca, fazia a última edição do programa da “Jovem Guarda”; o Exército vietcong inicia a chamada Ofensiva de Tet; militares norte-americanos massacram cerca de 150 civis vietnamitas na aldeia de My Lai no Vietnã; o governo da África do Sul apresenta três leis que culminam no apartheid. É assassinado a tiros, aos 39 anos, o pastor negro Martin Luther King; lançado, na Tchecoslováquia, o programa de reformas políticas que ficou conhecido como Primavera de Praga; cerca de 60 mil manifestantes protestam, no Central Park em Nova York exigindo o fim da Guerra do Vietnã; estréia na Broadway o musical "Hair"; realizada no Rio de Janeiro, a "Passeata dos Cem Mil"; é lançado com um show em São Paulo, o disco-manifesto "Tropicália ou Panis et Circensis"; confronto entre estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP, em São Paulo, mata o estudante José Guimarães; cerca de 1.200 estudantes são presos em Ibiúna (São Paulo), quando realizavam clandestinamente o 30º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes); o ditador-presidente Costa e Silva aprova a lei de censura de obras de teatro e cinema; é criado também o Conselho Superior de Censura. Chega às lojas, nos EUA, o "Álbum Branco" dos Beatles.

13 de dezembro - Entra em vigor o AI-5.

È! O mundo está incandescente como preconizava desde 1962, o jovem poeta norte-americano Bob Dylan; “Uma Forte Chuva vai cair” ( Hard Rain's A-gonna Fall), e caiu.

O mundo nunca mais foi o mesmo após o levante da juventude de Paris, do México, dos EUA, da Alemanha, do Brasil, enfim a velha ordem era posta em cheque, “a pílula de vida do Dr. Rossi, enfim, dissolveu na barriga de Maria”. Paz, Amor, Sonho, sexo e Liberdade substituíam os velhos chavões das decrépitas democracias beligerantes dos Johnsons e Kennedys ou das coletividades fascistas dos stalinismos de prontidão.

“Eu quero é botar o meu bloco na rua”. E quarenta anos depois dessa explosão o mundo nunca mais foi o mesmo. Meninos e meninas de braços dados cultuando o sonho do verbo SER, enfim, superar o verbo TER.

Mas, o futuro se esconde nas “curvas da estrada de Santos”, e no “além do horizonte”, o establishment soube cooptar os louros da explosão juvenil, transformou tudo em produto. A liberdade permaneceu, mas retirada dela o sentido coletivo, radicalizou-se a liberdade individual, e aos poucos o espírito de 1968 foi sendo devorado por um individualismo autoritário e feroz.
Fortalecendo o grito que um dia fez os cabelos cresceram:

Help!
(Lennon/McCartney)
Help! I need somebody – Socorro! Preciso da ajuda de alguém

Help! Not just anybody – Ei! Não serve qualquer pessoa

Help! You know, I need someone, help! – Por favor! Você sabe, eu preciso de alguém, ajude!

When I was younger- Quando eu era jovem

So much younger than today- Muito mais jovem do que hoje

I never needed anybody's help in any way- Eu nunca precisava da ajuda de ninguém

But now these days are gone- Mas agora estes dias fazem parte do passado

I'm not so self assured- Não me sinto tão seguro

Now I find I've changed my mind - Agora percebo que mudei de idéia

I've opened up the doors- Eu abri as portas

Help me if you can, I'm feeling down – Me dê uma força, se puder, estou pra baixo

And I do appreciate you being 'round- E eu realmente agradeço por você estar aqui.

Help me, get my feet back on the ground - Me ajude a colocar meus pés de volta ao chão

Won't you please, please, help me? – E aí? Será que vai poder me ajudar mesmo?

And now my life has changed in - E agora que minha vida se transformou

Oh, so many ways – E tomou vários rumos

My independence seems to vanish in the haze - Minha liberdade parece ter se transformado em névoa.

But every now and then I feel so insecure – Mas, de vez em quando, eu me sinto tão inseguro

I know that I just need you like - Agora eu sei que preciso de você como

I've never done before- Eu nunca precisei antes

Help me if you can, I'm feeling down - Me dê uma força, se puder, estou pra baixo

And I do appreciate you being 'round - E eu realmente fico agradecido por você estar aqui.

Help me, get my feet back on the ground- Me ajude a colocar meus pés de volta ao chão

Won't you please, please, help me? - E aí? Será que vai poder me ajudar mesmo?

Até 27 de julho de 2008,

Roger Ribeiro.
2008

Tradução: Anna Paola Misi.

Toc, toc, toc... Quem vem lá?


- Estavam aqui?
- Sim, estavam.
- Muito antes de tudo isso?
- Sim! Exato.
- Com suas vergonhas de fora?
- Sim, estavam em toda parte. Sobre as árvores, nas matas ralas, nas margens dos rios, mares... Sim, lá estavam com sua pele abrasada e tonificada pela tintura brasil. Eram os donos de tudo e, como tal, espalhavam-se.

Do nada chegaram os brancos. Vinham em grandes luas de madeira. Usavam uma plumagem reluzente e uma forma incisiva de falar. Chegaram como donos e, como tal, começaram a ordenar: - ergue uma cruz aqui; você, prá lá e você, prá cá. Tudo com o dedo em riste, “donos do pedaço”, aliás, pedaço lhes dado sabe-se lá por quem! Ou melhor, por um tal de Papa, que aos olhos dos aborígenes, que não possuíam esta noção de posse, Papa. Rei, ou seja lá quem fosse, pouco ou nada dizia. Mas possuíam uma madeira que fazia trovão, fogo e matava como nunca se havia visto pelas terras dos papagaios. Eram feiticeiros. Donos, portanto, espalharam-se.

Estes mesmos estranhos brancos, revestidos de plumagem sólida e brilhante, trouxeram outros mais diferentes ainda. Eram escuros, negros mesmo, viviam amarrados e possuíam os olhos sempre avermelhados e destes percebia-se um jeito longínquo de fitar.
Logo perceberam que o inferno não havia acabado ao serem desempilhados das luas crescentes de panos encardidos, aliás, perceberam logo que não eram mais donos de nada, nem mesmo de si. Foram espalhados e “esquartejados”.

Não era possível acontecer mais nada não é? Engano seu! De repente começaram a chegar outros, desta vez vindos de balsas tão brilhantes como a plumagem sólida dos que chegaram sobre as luas e, do meio dessas balsas, subiam troncos reluzentes que não paravam de fazer fumaça, parecia a madeira dos brancos iniciais, mas da barriga dessa fornalha começaram a sair seres mais brancos ainda, já não vinham com plumagem brilhante nem sólidas. A plumagem que cobria seus corpos era leve e solta, parecia uma folhagem multicolorida. Eram tão brancos que facilmente se rosavam, sobre a cabeça exibiam um encordoamento quase branco, outros avermelhados. Nitidamente sofriam com o sol inclemente das baias tropicais por isso foram escorregando para regiões mais frias. Não eram donos, mas sentiam-se como tal e, como tal, espalharam-se.

Meu Deus, o que falta acontecer? Dos poucos que sobraram havia os originais, de um vermelho escuro encarnado, também os brancos encardidos, os negros enigmáticos como a noite, agora os alvos rosados, uns espalhados, outros se espalhando, ocupavam as antigas matas e misturavam-se. Uns por prazer, outros por cruz, uns com prazer outros por júbilo e, de repente, como se ainda fosse pouco, lá vêm eles! Amarelados, de baixa estatura em sua maioria, falando uma língua que parecia muito os sons das antigas matas.
Não sei como enxergavam, possuíam os olhos rasgados e carregavam suas crias em embalagens presas às costas. Sabiam que não eram donos de nada, por isso se agruparam nos menores espaços possíveis. Parecia que queriam que ninguém os notassem, novamente foram usados e abusados pelos que se diziam donos. Não se espalharam, concentraram-se.

E de repente, e isso só pôde ter ocorrido pela ausência, sentida e lamentada, do síndico Tim, chega, sem aviso prévio, sem nem mais nem menos, os PINGUINS!
- É o quê?!
- Sim, acreditem, um monte de pingüins “descompreendidos”, se é que pingüim foi compreendido alguma vez (?). Aportam assim como se todo dia na rodoviária de Salvador chegassem e partissem normalmente, sem cerimônia estes seres que vivem nas águas e pedras dos mares, não voam nem fazem belas vocalizes e que se dizem aves!? Seres naturais de temperaturas geladas, chegaram.
- Onde chegaram?
- Ora meu amigo, qual o único espaço tropical possível de vir se ater até mesmo pingüins? Claro, na velha Bahia de Todos os Santos. No Porto da Barra, óbvio.

O espaço mais democrático do planeta, que já viu os banhos do cachorro vermelho de Armandinho, que já assistiu naturalmente os banquetes tropicais de Marcos Desbunde, que já parou e suspirou ao passar por sua areia, sereias como Lau, Nem, Maria Luedy, as irmãs Silveira e tantas outras meninas baianas com seus “encantos que só Deus dá”. Pois nesse “oásis” de civilização veio esbaldar-se uma turba de pingüins.

O que esperar agora...? Ora, ora meu leitor atento, pode aguardar, pois, lógico, em breve chegará o “Homem Morcego”, o Batmam. Afinal, “(...) domingo no Porto da Barra todo mundo agarra, mas não pode amar”.

Pode chegar, tem espaço pra você também. Êta serzinho esquisito!

Roger Ribeiro
15 de agosto de 2008.

Hoje eu tô Virado no Quiabo !


Qualquer dia desses vou sair por aí atentando a paciência do universo. É, é isso mesmo, você não leu errado não, vou acordar pelo avesso, atravessar o corredor no sentido da cozinha sem passar, nem sequer olhar para o banheiro, muito menos para o espelho, o cabelo, manter arapuá, escova nos dentes então... Nem pensar.

Vou sair de casa pela porta de entrada, limpar os pés antes de pô-los na calçada, deixar a calça e o sapato e ir pro trabalho sem nada! Ops!!! bem... tudo bem, de sunguinha e sandália. Vou tratar meu chefe de camarada e na hora do almoço vou tomar um conhaque de entrada e completar com uma cerveja gelada, água nunca nem da torneira nem filtrada, mineral! Eka! Jamais, nunca, nada.

Sim meu amigo, você ainda não viu nada. Você não sabe o que lhe aguarda. No retorno do almoço farei do elevador, mictório, pia, privada, do teclado do computador almofada e do monitor saco de porrada!

Ao fim do dia, ligarei pra mãe de minha namorada, convidá-la-ei para uma noitada. Confessarei a ela como sua cria é mimada, aguada, desajeitada, desleixada, chata, insuportável pra mim e pra toda a turma da pesada e que descobri enfim, que além de tudo isso ela ainda tem outro, ou melhor, outra namorada! Xiiii sogrinha! Pela primeira vez verás tua obra acabada. Tomaremos uns chopes e te darei uma dentada, mandíbulas iradas. Não vais ficar excitada, hem! É só para que vejas que estás bem acordada.

Deixar-te-ei, em sua casa com a mala do padrasto da minha, a essa altura, ex-namorada. Sairei de fininho, com cara de paisagem para não escutar os gritos, ou gargalhadas. Pararei no boteco da esquina para engolir uma salada cheia de maionese, ovo, apresuntado e quitute em lata enferrujada.

Ao ver passar meus companheiros de malhação, darei risada, gargalhada, estrebucharei de felicidade e pedirei uma tubaína de tutti-frutti bem açucarada, pois hoje de álcool, não beberei mais nada. E para mostrar para minha saúde que de hoje em diante ela não me vale mais nada, adicionarei à minha poderosa salada, o hamburguer do boteco, tradicionalmente na chapa suja e com a validade adulterada, com alface mal lavada, patrocínio do Deus te Guie, funerária.

Voltarei para casa de ônibus em plena madrugada, deitado no banco do fundo fumando, cantando e contando piada, ficarei “chapa” do motorista e do cobrador, no ponto final uma rodada de carteado ou dominó, quem perder terá de dar um beijo de língua em Deusdete, conhecida ao amanhecer como Arnaldão, boca depravada!

Ao fim, me arrastarei até minha casa, entrarei pela porta da saída, passarei direto pelo quarto e deitarei de meia e sapato no piso do banheiro, com o bidê de travesseiro, abraçado ao vaso, como namorada. Tudo prá dormir de olhos bem abertos afinal... Hoje eu acordei para escorregar, difamar, blasfemar, pra dizer com todas as letras o que todos estão cansados de escutar. Afinal, amiguinho, você vai dizer que nunca ouviu falar que:

- Quando Deus dá a farinha, o quiabo esconde o saco?
- Mente vazia é casa do quiabo?
- Enquanto Freud explica, o quiabo dá o toque?

Você. É você mesmo, humaninho, todo lindinho de banho tomado, cheiroso parecendo enteado de barbeiro, vai olhar prá minha carinha e dizer que não sabe que “mulher de bigode nem o quiabo pode”?

Sim, você tem razão hoje acordei com o quiabo no corpo, vou por na vitrola, a todo volume, o vinil do Buddy Holly afinal, planeta Terra:

O QUIABO É O PAI DO ROCK.

Roger Ribeiro.
18/09/2008.

Hey baby!

Aonde você vai com tanta pressa?
Você não está se permitindo, a curva está bem a sua frente e você não tira o pé do acelerador!
Você está com interferência em sua sintonia baby, pare agora. Respire fundo, ande mais devagar... Dê o clic no botão do rádio do seu carro, tenho algo muito importante pra te dizer!
Hey baby!
Onde você deixou seus velhos sonhos?
Veja, esse riff de guitarra ele não te lembra nada?
Será que não estas vendo as águas passando por debaixo da ponte rumo ao mar?
Hey baby!
Encoste seu ouvido no auto-falante do radinho, tenho algo prá dizer que ninguém mais pode ouvir, só você.
Você consegue ver a cor do som?
Você consegue sentir as ondas hertzianas atravessando seu corpo como um raio?
Hey baby! Você consegue sonhar?
Hey baby!
Que bom que você entendeu que a velocidade vem de dentro e não de fora.
Que bom que você parou, que bom que você me viu, dentro do rádio do seu carro, que bom que ao me ver você sorriu!
Afinal, baby,

Qual é a sua onda?

Dentes ao Sol !

Como diria o Itamar Assumpção – “não adianta vir arreganhando os dentes para mim, por que sei que isso não é um sorriso”.
Sim, fico olhando as pessoas que passam para lá e para cá o tempo todo com seus os dentes, em alguns casos , alvos, brilhando ao sol ou ao luar. Na maioria das vezes, alguns poucos dentes, nem tão alvos, lutam bravamente por um, merecido, espaço ao sol. Dentes ao vento. Não importa se contra ou a favor, se identificados, amarelados, esburacados, amados, amantes, odiados, não importa! O certo é que lá estão eles, sempre teimando em sair da caixa ao qual foram, teoricamente, confinados.

Afinal, o que querem esses dentes ao sol?
Quando afastados, superiores e inferiores, podem estar a saudar, a sorrir. São poderosos meios de comunicação. Se quero te dizer que sinto prazer ao seu lado, utilizo-os para sorrir meigamente, se é que um dente pode ser meigo, para você. Uso-o como senha de paz para me aproximar, depois, bem depois, é outra questão. Lembra daqueles dentes arredondados, em sorriso? Pois, vão se transfigurando, tornando-se pontiagudos, ressecados, Incisivos, malcriados. Nem parecem os mesmos, “estão ficando pirados”, mas continuam a comunicar carinho.

Mas quando estão cerrados, ah! Aí baby, a história é outra. Esses poderosos meios de comunicação demonstram sua indignação, sua não aceitação, ira, expurgo, maldição, palavras grandes e desbotadas, ou melhor, palavrão. Não se aproxime, mude imediatamente seu posicionamento, sua argumentação. É como se tivessem a te dizer não. Afinal, voltando a Itamar; “você vai notar, olhando ao redor, que sou dos males o menor!”.

Hoje estou levando os meus dentes para passear, coitados, têm presenciado tantas barbaridades que estão estressados, não param de ranger. Comunicam-se comigo através da dor. Quando não estão satisfeitos com algo, começam a doer, como a me dizer – hora de mudar de rota, de passar uma escova para alvejar, mudar de calçada, rever as ações, parar em frente ao espelho e se perguntar – dentes que desta boca brotaram, será hora de preservar a maçã?

Pelo sim, pelo não, não ficarei aqui parado vendo seus lábios intransigentes a me fitar. Tenho os meus dentes em juízo perfeito, portanto, prontos para a arte de amar. Afinal, dentadas de amor, doem.

Roger Ribeiro – 11/08/08.

Leia, mas não conte a ninguém

Acordou no sobressalto achando que estava atrasado, olhou o relógio e certificou-se que, pelo contrário, estava adiantado. Adorou essa constatação, poderia fazer tudo lentamente. Lembrou que, enfim, daria tempo de fazer aquele suco de lima que, na melhor das boas intenções, toda vez que ia ao mercado escolhia minuciosamente as limas mais lizinhas e brilhantes pensando em fazer o suco pela manhã, bem cedinho, para vagarosamente se deliciar vendo o sol amarelo ouro do amanhecer na copa das árvores. Era um cotidiano terrível vê-las: as limas, uma vez por semana no lixo.

Mas hoje era diferente. Ganhou de presente uma hora a mais, faria tudo, lima, sol, pão integral com atum defumado, café, daria até para ler a coluna do jornal que havia ficado sem averiguação no dia anterior por falta de tempo. Tempo, ah! Que delícia é ter tempo.

Achou estranho seu pensamento anterior sobre o tempo, afinal, falou em voz alta para se ouvir, isso deveria ser o normal. O que há de tão especial assim em ter tempo? Afinal, podemos negar tudo, podemos dizer que não existe o sofá, o suco de lima, o café, o beijo, a flor... Podemos até dizer que João Gilberto não existe! Mas dizer que não há o tempo, isso não podemos. Com essa constatação na cabeça levantou de sua estação de pouso (como se referia ao seu colchão) e dirigiu-se ao banheiro.

No caminho não olhou para nada, lugar algum... Sua vista estava fixa nos seus próprios pés. Adquiriu esse costume depois que refletiu que sua melancolia matinal era oriunda do olhar. Sim, passou semanas pensando; - “meu Deus, não tenho tudo, mas quem tem? Porém, tenho muito do que necessito e, acima de tudo, tenho saúde. Tive oportunidade de ilustrar-me, tenho um trabalho, tudo bem que não é o que sempre sonhei, mas... Não posso reclamar de barriga cheia. Então, porque diabos tenho essa maldita tristeza matinal?” Chegou à conclusão que ao acordar e olhar sua taba e só ver paredes e paredes e ao passar as portas só encontrar paredes o entristecia, o fazia se sentir só.

Adquiriu o hábito de sair do colchão e sempre olhar só para os pés. Lá longe, nos pés, dez dedinhos, um bem juntinho do outro a se acariciar a falar bem baixinho um para o outro na língua dos dedinhos: bom dia! E todos respondiam. Como não sabia a língua dos dedinhos se comunicava com eles por telepatia, eram dez amiguinhos que não os deixava mais só.

Tentou ampliar sua rede de amigos matutinos. Caso conseguisse se comunicar com os dedos das mãos, seriam vinte e não, mas dez. Porém, não foi possível. Os dedos das mãos estavam acostumados a seguir suas ordens mentais, passavam o dia escrevendo o que ele pensava, perderam o dom da individualidade, não eram como os independentes dedinhos dos pés.

Chegou, enfim, ao banheiro e olhou-se ao espelho. Fez uma careta para poder se achar mais bonito. Dizia ser uma técnica persa do período de Zoroastro. Olhava-se primeiro no espelho e achava tudo normal, igual. Então fazia uma careta bem horrorosa, medonha, pois assim que sua fisionomia desfazia a careta e voltava ao normal, achava-se lindo. É sempre bom começar o dia se achando lindo.

Lavou o rosto, os dentes e falou consigo: - “Olá! Prepare-se, hoje será um dia especial! Finalmente não terás do que reclamar, ganhastes uma hora, assim de graça! Vais até tomar um suco de lima. E não para por aí: vais saborear o suco e o pão com atum sentado na mesa!” Ao dizer isso, lembrou que tomava seu apressado “café da manhã” (assim mesmo entre aspas), pois não se pode dizer que mascar e engolir um pão com atum e uma caneca de café amargo, em pé frente à pia da cozinha seja um Café da Manhã (assim com letra maiúscula), como seria o de hoje.

Saiu do banheiro e, fitando os pés, não dobrou direto para a cozinha. Ao invés disso, quebrou a rotina e virou para a direita e no centro da sala, em frente ao som, pensou: -“Essa manhã merece uma música”. Retirou do aparelho o disco do Pessoal do Ceará da noite anterior e colocou, baixinho, o de Franz Schubert que sua amiga Jussara o havia ensinado a apreciar.

Assim, quase em transe, foi à cozinha. Fez o suco, o sanduíche, em um prato colocou as frutas que existiam na casa (uma banana, um pedaço de mamão e uma talha de melancia). Nossa! Sentiu-se o rei, sorriu tão largo que temeu pela sua sanidade mental. Engraçado, pensou depois de sorrir: “por que será que sempre que pensamos em loucura, pensamos em alguém rindo, rindo, rindo sem parar... Será que sorrir é pecado?”

Olhou a copa das árvores e achou bela a vista. Era uma luz calma. Sentiu-se confortável, tão confortável que começou a desconfiar que algo estava errado. - “Não é possível, essas sensações só são permitidas na infância. O que poderia estar acontecendo. Será possível, em um dia assim normal,banal, no meio de uma semana comum, um ser poder se sentir e viver momentos tão confortáveis assim?”

Findando o laudo Café da Manhã (assim mesmo com maiúscula), dirigiu-se à cozinha para por os pratos e decidiu que hoje não os lavaria de imediato, ficariam para o retorno à noite.

Sentiu-se tão estranhamente bem que resolveu retornar ao banheiro e olhar-se novamente ao espelho. Ao fitar-se viu no cantinho do espelho o calendário que ali colou com medo de um dia perder-se no tempo e no espaço. Viu o dia da semana e do mês, largou uma sonora e gostosa gargalhada. Entendeu, em fração de segundos, tudo! Era isso! Aquele dia era o dia de nascimento daquela jovem menina, sim! Ela a jovem menina senhora, aquela menina.

O mundo não estava de pernas para o ar.

Roger Ribeiro.
02 de abril 2009.

O curso das águas.

Para Malinoviski.

Desta vez juro.

- Juras mesmo?

- Não estou te dizendo? Não sou homem de ficar jurando aí por qualquer dez mil rés. Juro por tudo o que há de sagrado. Quer mais?

- Ora, ora... Se não te conhecesse muito bem até mandaria rezar-te uma missa. Desde quando sacralizastes alguma coisa? Não tem jeito, arranja outra que essa não dá.

- Tudo bem, me deixa ver...(é difícil ter amigos de longas datas, nem uma jurazinha besta você pode fazer!), bom então vamos para o plano material, certo?

- Tudo bem, o que você oferece para creditar sua palavra?

- Não! Você não está entendendo! A palavra não é minha, só quero repassar o que ele me contou!

- Mesmo assim, conheço sua verve inventiva, suas alucinações e seqüelas neurológicas.

Lembro-me muito bem do caso do lobisomem que explicava aquelas lapadas fundas que carregavas nas costas e no pescoço. Achas que acreditei? Nem que a sua mãezinha jurasse por você. Apenas achei distraída, criativa, bem argumentada. Era algo para deixar Guy de Maupassant de cabelos em pé e pensando: “como não pensei nisso antes?”. Agora dizer que acreditei? Nunca, nunquinha, em nenhuma palavrinha, nada.

- Tudo bem, vamos fazer o seguinte: se for mentira você fica com o meu vinil do Roberto...

- Qual?

- É... você sabe muito bem! Aquele que você já me tentou roubar algumas vezes...

- Eu?!

- É, sim senhor! Não se faça de cínico... Aquele de 1969 que ele está sentado na areia da praia.

- Caramba! Então a coisa é séria mesmo.

- Posso contar agora?

- Vá lá, olha que se for mentira...

-Escuta só.

Era um fim de tarde abafado, sabe como é, né? Não era quente como de costume, era abafado, aquele abafado úmido que todos percebem logo que vai “invernar”, vai cair um “toró”, e só nos resta buscar um abrigo e torcer para que não venha com a mudança do vento nordeste para o vento sul.

Fatal, se entrar com o vento sul é chuva para três dias. Vento baixo e água a granel, não há guarda-chuva que resolva, a chuva vem da canela para o pescoço. Segundo Dona Maria, minha (posse consuetudinária soteropolitana), baiana que me alimenta há pelo menos 20 anos, é vento prá “constipiu de pinote”, todo cuidado é pouco, vale até arruda e alho no sutiã. Vixi! É barra pesada.

No boteco que escolhi como abrigo antiaéreo, sentei-me estrategicamente em uma mesa de fundo para fugir da névoa de água que bailava no vento. Era um local bem protegido, pelo menos da água. Antes de continuar te adianto: meu amigo, toda proteção é mera ilusão.

Assim, sentado lá no cantinho, sentindo-me invisível, fiquei confortável ao ponto de pedir algo para beber enquanto esperava uma estiagem para prosseguir meu caminho. Havia passado, no máximo, dez minutos quando se formou um burburinho na porta, todos falavam ao mesmo tempo, a discussão se acalorava rapidamente e quanto mais o clamor das vozes se exaltava mais o balconista alteava o seu hi-fi (rádio para os mais jovens), que berrava uma doce canção do Marcio Greyck:

“Eu me perguntei se esse mundo é o meu/
Não encontro paz e já me cansei.../
Eu só quero amar, não ferir ninguém/
Eu só quero amar, nada mais além...”

De repente ele surgiu lá do burburinho e veio de dedo em riste apontando em minha direção. Nesse momento, lembrei-me do Luiz que sempre me disse que tenho sangue doce prá maluco. Pois, de dedo ainda em riste, decretou: - “Então ele será o juiz da questão”, resistir em levantar a cabeça e constatar que aquele incisivo “ele”, tratava-se na realidade de minha pessoa. Levantei o olhar como quem quer ampliar a miopia, mas não teve jeito. A tribuna estava montada, todos aceitaram de pronto, o veredicto seria meu.

“Preciso crer que se pode achar /
Um lugar de paz nesse mundo mau/
Eu só quero amar, não ferir ninguém/
Eu só quero amor, nada mais além...”

Me deu vontade de entrar no hi-fi e esmurrar o Marcio Greyck. A chuva reduziu, ficou uma garoazinha. Dava perfeitamente para eu seguir meu caminho, mas havia uma pequena multidão (relação população/espaço), entre eu e a porta, que me impedia até de pensar em levantar. O postulante, à verdade postou-se entre a turba de incrédulos e eu, colocou uma garrafa de aguardente em minha mesa com dois copos, acho que seria um para ele e outro para mim, o que foi de imediato protestado por todos:

- Você está querendo comprar o juiz!

Berravam alucinadamente, era uma contenda séria, não admitia essas nuances duvidosas. Um dos copos foi retirado, percebi rapidamente que havia sido o meu, pois o nosso gladiador urbano apanhou o copo sobrevivente e preencheu-o, por pouco tempo, diga-se de passagem. O balconista desligou o hi-fi, a mão do bardo tocou em meu ombro e disse: - “preste atenção e julgue”. Senti um frio na barriga, julgar? Eu?

Antes de qualquer possibilidade de contestação minha ele começou:

- “Senhores, vago pelas ruas e incomodo a todos por ser na verdade o alterego que ninguém quer ser. Coloco nas minhas telas as cores que ninguém quer ver. Falo de amor e por isso sou ultrajado, rejeitado, até mesmo evitado e insultado. Essa cidade carcomida de sangue, luxúria e exploração me julga um pária, mas não ousa olhar para si, para suas entranhas”.

Após breve pausa para reencher o copo e esvaziá-lo com segura determinação, prosseguiu: -“Sr. Juiz (falou fitando-me nos olhos), estes homens sem fé não acreditam que sou Jesus! Querem me crucificar... Olhe para mim, olhe para eles e julgue. Não lave as suas mãos”.

O silêncio era total, todos olhavam para mim esperando o veredicto, eu olhava para todos esperando uma intervenção divina. O silêncio era tenso, pesado. Ali se definiria o futuro da humanidade.

O balconista re-ligou o hi-fi e o som encheu o pequeno e lotado salão onde até a pouco pregava o profeta.

Eu sou terrível e é bom parar
Que desse jeito me provocar
Você não sabe de onde eu venho
O que eu sou , nem o que tenho

Eu sou terrível vou lhe dizer
E ponho mesmo pra derreter
Estou com a razão no que digo
Não tenho medo nem do perigo
Minha caranga é máquina quente

Eu sou terrível e é bom parar
Porque agora vou decolar
Não é preciso nem avião
Eu vôo mesmo aqui do chão

Eu sou terrível vou lhe contar
Não vai ser mole me acompanhar
Garota que andar do meu lado
Vai ver que eu ando mesmo apressado
Minha caranga é máquina quente

Eu sou terrível , eu sou terrível ...
(Eu Sou Terrível – Erasmo e Roberto)

Roger Ribeiro.
13 de março 2009.

Batalha de Confetes.

Foi em mil novecentos e setenta e sete que me foi apresentado no seu formato real. Antes disso era uma peça de admiração e ao mesmo tempo de temor, afinal passavam, todos pela Avenida Sete, era mão e contramão para blocos e trios.

Não sei se eu é que era pequeno e, portanto, ficava sufocado entre um universo de tecidos coloridos que denominados de mortalhas eram o traje quase que obrigatório para se sambar, ou melhor, brincar, ou como era mais comumente falado “pular” o carnaval. Mas até o dito ano, carnaval era sinônimo de aperto e sufoco, principalmente para alguém que, na época em que, por exemplo, subia a Ladeira da Praça os Lords e descia, a mesma, os internacionais, não passava de um metro e pouco de altura.

Pois nesse ano de setenta e sete, estávamos todos na Praça da Piedade em uma barraca de bebidas e comidas, coisa que lamentavelmente não existe mais. As barracas de comidas eram onde se encontrava as melhores iguarias da cozinha baiana feita em fogareiros de carvão e na panela de barro...

Saia-se da casa para “pular” o carnaval e comer uma moqueca de arraia, com pimenta e farinha de guerra, claro. Na barraca havia uma área reservada, fechada com um pano bem florido, onde uma mesa longa e coletiva indicava o lugar para a alimentação.

Bem, mas preciso chegar ao objeto dessa crônica... Essa memória... Pois estávamos nessa dita barraca e eu estava com minha namorada, a primeira namorada séria, uma menina linda que a tenho, como minha mais que amiga, irmã. Aliás, que nunca tive, pois pertenço a uma família de cinco homens e apenas uma mulher, minha mãe. Quando ouvimos um som estridente, era o cair da tarde e só senti aquela mão magrinha segurar meu pulso e me arrastar da Praça da Piedade para o meio da Avenida Sete, onde, pela primeira vez vi de frente aquela montanha de luz e som. Ela pulava e gritava em puro transe:- é o Trio de Dodô e Osmar!

Senti nesse momento o mesmo que, provavelmente, mestre Jonas sentiu ao avistar a baleia pela primeira vez. Uma multidão ensandecida à frente e ao lado abria espaço para a alegria com os braços abertos, entendi plenamente o frevo do Caetano Veloso. Mas a maior surpresa foi quando após muitas cotoveladas, conseguimos passar da frente do Trio para o fundo. Lá, um senhor de cabelos brancos e um sorriso permanente no rosto, socava com sua muleta (que ironia!) um canhão que disparava confetes sobre a Avenida. Pois nesse momento eu ganhei um beijo e fui apresentado àquele simpático senhor: - aquele é o Osmar Macedo que junto a Dodô Inventou o Trio Elétrico.

Dodô e Osmar, por que trio? Fiquei encafifado. Depois vim a descobrir que havia um terceiro parceiro que, não sei por que, não deixou seu nome na história.

Pois nesse dia fui apresentado ao Trio Elétrico, que se compõe de um caminhão iluminado e sonorizado com excelentes músicos. Isso é fundamental, muito por isso o Trio Elétrico tem perdido sua magia hoje, sessenta anos após sua criação, existem Trios que não possuem nem guitarra baiana!? Quanto mais bandolim...! Isso é inaceitável, mas o que faz realmente um Trio Elétrico é uma multidão em transe pulando, cantando, “rebolando na avenida para desgraça e glória dessa vida”. Se assim não for, ao som da estridente guitarrinha “ARMANDICA”, não é Trio Elétrico.

Nunca mais abandonei, lembro da vergonha profunda que senti, quando em um ano, não lembro qual, por falta de verba, o Trio Elétrico de Dodô e Osmar não participou do carnaval de Salvador, se não me engano foi para Pernambuco. Vixi! Que vexame, que vergonha. O poeta fechou a mão.

Também assim é com minha doce primeira namorada, minha grande amiga, minha irmã, que não encontro o ano todo mais sei que a encontrarei na segunda feira de carnaval atrás do Trio de Dodô e Osmar. Todo ano sem falta e ela continua apresentando essa maravilha, agora aos seus filhos.

Ano de dois mil e nove, tantos carnavais depois, lá estava eu esperando o Trio, ele claro, o melhor de todos, hoje sem o canhão de confetes, pois o canhoneiro e sua muleta já não estão presentes, mas com o brilho dos seus filhos, e principalmente o Xamã, que irá entorpecer a todos, Armando Macedo, - quem? Claro, desculpe-me, ARMANDINHO! Como todos os baianos o conhece. Quando, de repente, em um carnaval onde já quase não existe fantasia, onde já não existe mortalha, não existe a barraca de alimentação, não existem confetes e serpentinas. Você chegou, com uma máscara de papel e uns olhos que brilhavam, infinitamente mais que as estrelas.

Meu Deus! Sai feito louco atrás do Trio Elétrico cantarolando “quem é você? Diga logo que quero saber o seu nome...”, sabia que nunca mais a veria e nunca saberia a quem pertencia àqueles olhos, que brilhavam mais que o Trio.
Mil novecentos e setenta e sete, dois mil e nove, esse tal de carnaval...

Roger Ribeiro.
06 de março de 2009.

E eu quase morri.

E eu quase morri.


Dizem que quando se acorda de um sonho ruim, um pesadelo, a vida toma fôlego, os olhos se alegram e se arregalam pelas belezas reais. Talvez esse dizer, tão antigo que, sei veio antes de minha própria existência, contenha uma boa dose de razão, ou, quem sabe, seja apenas uma fala materna à beira da cama, mão à testa do filho suado de atravessar aquele sonho tão espessamente sólido.

Pois assim se manifestou em meu sonho, de forma bem real, que a maioria das coisas que conheço existiam antes de mim. De início, o lado egoístico de meu cérebro, livre de mim, posto que estava em sonho, adiantou-se em negar a constatação. Ecoou na caixa de ressonância cerebral: não! Afinal se eu não existia então o meu olhar sobre o mundo não recaia e, portanto, para mim, nada existia.

Não deixou de ser uma argumentação que me reconfortou, afinal tem algumas coisas que se chegarmos a conclusão de sua existência pré existem ao eu, de nada fará falta, nem presença nem vazio. Por exemplo: o mar, sim ele pode perfeitamente existir antes de mim, a moqueca de peixe, principalmente de Vermelho de Fundo, nesse caso tem que se ser baiano para entender o seu profundo significado, afinal disse-me certa feita um conhecido mineiro: - “ora, moqueca é moqueca! Basta ter peixe, por dendê e leite de côco e pronto, é só comer. Balancei a cabeça e apenas pensei: coisa de mineiro.

Retornando às coisas que podem e que não podem pré existir à existência do eu, digo com toda a sinceridade que também as mangueiras, com seus frutos exageradamente doces, poderiam existir. Não seria eu tão egoísta a ponto de negar aos transeuntes terrestres antecessores a mim à delícia de sorver uma manga espada à areia da praia. É realmente um prazer único está ali em uma das enseadas da ilha de Itaparica, e se permitir ver aquele espesso líquido amarelo, manga, escorrer pelo braço até se precipitar em queda livre após o cotovelo.

Tudo bem... Sei que essa lista de prés, pode ficar enorme e conseqüentemente enfadonho aos leitores, por isso me contentarei em permitir a existência do mar e da manga, abrindo o leque para os vários tipos desta (além da espada, a rosa, a Carlota, a Carlotinha, etc.). Mas, e que isso fique bem claro, existem coisas inconcebíveis de pré existirem ao eu, e disso não abro mão em hipótese alguma.

Ao ser tão enfático na declaração comecei a suar. Pronto! O caminho estava aberto para que aqueles diabinhos que existem dentro de nós encontrem terreno fértil para invadir o sonho, sonho, por sinal, que não lhes pertencem, afinal fui dormir para recuperar as forças, recompor as energias, serenar as inquietações; não é para isso que dormimos? Pois, quando senti, em sonho, que a primeira gota de suor escorria da testa para a nuca, percebi que algo havia se transformado, tive a certeza de que não havia como escapar, e por fim acordaria exausto. A batalha estava para começar.

Minha memória ganhou vida própria e à velocidade de vídeo clip começou a materializar em meu sonho coisas que jamais poderiam existir antes do eu. Com rápidos flashes luminosos, apareciam imagens de Castro Alves, do sorvete de amendoim da Ribeira, dos Rolling Stones, de Bob Dylan, de Itamar Assumpção, do abará de Dona Maria, dos dribles de Garrincha, da Pedra do Arpoador, da vista da Pedra da Gávea, da amizade ao fim de tarde... Não! Era demais! Era uma sensação insuportável de ser desnecessário, descartável. Porém, o pior ainda estava por vir.

Como golpe final, decretou-se que cerca de 95 por cento de tudo o que eu conhecia, conheço e ainda irei conhecer, está na condição de pré eu. Esse golpe foi baixo, afundei-me no travesseiro, já não suava apenas nas têmporas, era uma lagoa plena, brotava um líquido frio de todo o meu corpo. Recorri a Deus, afinal, não havia matéria no sonho para me agarrar, e todos os recursos da cientificidade racionalista já haviam sido derrubados pelos fatos.

Estava a alguns milímetros apenas de curvar-me aos fatos e admitir que o mundo não precisa de mim para existir. Nesse momento, já estava entregue. Só faltava derrubar o rei e reconhecer que a batalha estava perdida.

Nesse exato momento, seus olhos passaram sorrindo por mim...

Ah! Gritei, aceitem agora a derrota seres do pântano que seqüestraram meu sonho! Venci! Percebi pelo silêncio que meus adversários, com a espada em meu pescoço, me julgavam enlouquecido. Bradei firme, com a firmeza dos que vencem. Sem minha existência, aqueles lindos olhos não irão sorrir para mim!

Engraçado, acordei com uma imensa sensação de que tenho algo importante para fazer.

Roger Ribeiro
06 de fevereiro 2009.

O efeito do sol de verão na cabeça careca.

Curvei-me e coloquei o tênis, recheado com a meia e o radinho dentro, e o short na areia. Virei em direção ao mar e, ainda com os olhos baixos, vi aqueles pequenos pés alvos, muito alvos, a acariciar os grãos da areia que me pareceu mais escura do que de costume. Sabia que sempre soube ser ele delicado, sem dúvida, um par de femininos pés.

Lentamente fui levantando a vista, mas não consegui passar do joelho, voltei aos pés. Essa ação levou uma eternidade de segundos e, agora percebo, todos os meus sentidos estavam fixos naqueles pés. Eu não sentia nada, o som, o vento, os cheiros, tudo havia cessado. Não havia nada, nada... Não sentia o sol que se fazia ardente, só depois meu corpo fervendo exigiu de mim que retomasse o caminho até a água. Tudo havia cessado e, por ironia dessa vida, a partir da visão do que produz o movimento, os pés, mas não um pé qualquer.

Lentamente percebi que não podia ficar por longo tempo assim, afinal, a dona daqueles pés poderia não está gostando muito do meu fascínio de pesquisador podólogo. Continuei andando em direção à água do mar e, quando me dei conta já estava até a cintura dentro d’água, foi quando, de vez, meus sentidos retornaram e senti um frescor enorme invadindo minha alma. Pode parecer exagero, mas depois de correr dez quilômetros sob o sol, aquele mergulho não refrescou apenas meu corpo. Senti, juro pela minha sanidade, que banhei meu espírito, meus pensamentos, lavei meu passado, lustrei os caminhos futuros. Ah! Que água maravilhosa.

Emergi, e imediatamente procurei aqueles pés. Lá estavam eles, parados, brincando com alguns grãos de areia que despencavam em queda livre da perna e rolavam pelo peito do pé como uma imensa rocha se deslocando do topo da Pedra da Gávia ou do Morro do Pai Inácio, ou, para ser mais honesto, com o que eu via realmente, do alto do Himalaia em direção a Terra. Sim com T maiúsculo, Terra planeta, pois entre a verticalidade daquela feminina silueta e a horizontalidade daquele pé havia sim, vãos planetários.

Fiquei submerso até o pescoço, observando o desenrolar das forças do universo, e liberei meus outros sentidos para que buscassem emoldurar aquele momento.

Comecei, lentamente, a perceber a vastidão sonora que ali estava presente. Primeiro, o som furioso do ranger da areia submissa às correntes marinhas, o enorme estrondo minimalista da pequena marola abalroando-se no aparente sólido piso da praia. Notei que ela, a marola, se esforçava feito louca para alcançar a lateral externa daqueles pezinhos, displicentemente fora do tênis, que percebi depois, jazia exausto, seguro pelo cadarço, à altura dos joelhos.

Ao meu lado, também submersos até os ombros, um pai velho aconselhava o filho não tão novo, mas também não tão velho: “você precisa fazer exercício filho. Você vem tanto à praia, olha” (mostrou-lhe o movimento de abertura e fechamento dos braços sob a água), “se você fizer meia hora disso por dia já vai firmar mais a musculatura”. Notei que o filho não prestava muito atenção ao movimento do seu sábio pai, pois a essa observação, ele indagou ao pai a respeito de uma viagem que não sei bem se era de ida ou de volta, ao qual o pai, com um olhar de decepção, apenas mostrava com a cabeça que não sabia.

O volume sonoro aumentava de intensidade de forma muito rápida. Uma moça de uns vinte e poucos anos entrou na água com um batalhão de crianças, creio que era aniversário do seu filho, que deveria ter no máximo seis anos e ela havia levado toda a tropa de elite, ou seja, a turma de amigos dele, para uma maravilhosa manhã na praia.

Pensei na coragem daquela menina mãe, afinal mar e criança é sempre uma relação tensa. Mas ela estava firme e a meninada elétrica produzia na água um curto-circuito que me fez dar três passos para o lado, primeiro para dar-lhes mais espaço, segundo para proteger meus óculos escuros das partes aquáticas que molhavam o desatento vento que passava no local.

Acabei por agradecer ao acaso por aquele deslocamento, agora tudo havia tomado nova forma, novas sombras davam novos volumes e novas plásticas ao ambiente, o que me fez ter certeza de que o real é fictício e mutável, tudo depende do ponto de observação. Por exemplo, agora já não via por completo o peito do pé nem os cinco dedinhos, o que via agora era o fino traço que se pronunciava a partir da musculatura da batata da perna e fixava-se no semicírculo que demarcava o fim do espaço pertencente àquela branca base que, desnuda, ficava sujeita a todas as intempéries da natureza.

Fiquei agitado, temia o que poderia acontecer àqueles pés, tive uma vontade intensa de protegê-lo. Curvei-me de vergonha, minha covardia havia me paralisado. Nada fiz para protegê-lo. Pensei na coragem da jovem mãe.

O sol na minha cabeça me alertou que era hora de submergir novamente, desci por completo. Senti a água querendo invadir os sete buracos da minha cabeça, brinquei mostrando à água que seu limite é o ar. Distraí-me, perdi o tempo, sai do compasso... Quando retornei à superfície, procurei, procurei e não mais estava lá. Sai da água fui até o local exato para me certificar: nada. De tão delicado nem marca havia deixado na areia.

Apanhei meu tênis, meu short, coloquei o fone do radinho no ouvido e sai andando com a certeza de que meu coração estava marcado para sempre pelos passos daqueles pezinhos brancos. Absorto nessa eternidade, senti meus olhos arderem com um forte brilho. Olhei, olhei melhor, e vi maravilhado aquele anel vermelho brilhando ao sol enfeitando e realçando aquele dedinho, “seu vizinho”, bem magrinho, frágil... Lindo...

Roger Ribeiro.
30 de janeiro 2009.

Os Quatro Cantos de Midgard

Dedicado aos amigos de copo e de cruz

É um Largo, não é o mais largo dos Largos, nem tão pouco o mais belo destes, mas é um local que gosto de sentar para apreciar como a vida é intangível, in-represável. A vida é rebelde. Ali, naquele Largo, há um observatório do universo humano fantástico! Sim, ali é possível entender muito do que se vê nos telejornais, do que se lê nos jornais e revistas, até mesmo é possível se entender ficções, como o desenrolar de novelas, filmes, gibis e afins.


Tenho muito apreço por uma mesa, para um mortal comum é apenas uma mesa entre várias, porém, para mim, ela é muito mais que isso, ela é um ângulo de observação insuperável.

Costumo sentar nela ao fim de tarde e, não sei por que, toda vez que estou me aproximando dela, me vem à cabeça um samba do Paulinho da Viola que, invariavelmente, me faz sorrir. Neste, ao meu gosto, está contido um dos desejos mais inspirados que já ouvi. Diz o dono do desejo: “(...) hoje eu quero apenas / uma pausa de mil compassos / para ver as meninas / e nada mais nos braços (...)”.


Bem, voltando ao Largo, de minha mesa, nominada por mim de Midgard (o mundo dos homens), tenho uma ampla visão de muito do que trafega neste recanto urbano. Ao meu Leste, temos a padaria, a farmácia e a banca de jornal. No meu Nordeste, fica a baiana de acarajé e as portas, daquilo que meu amigo Pedro Santana chama de “Clube Recreativo e Cultural para Marmanjos Românticos”, o que para os menos inspirados e pouco observadores não passa de um boteco soteropolitano denominado de “A Pantera”. Sugestivo, não?


Ao meu Oeste, temos a extensão da simpática praça que substituiu o canal do Largo, que não desapareceu, apenas submergiu. Ao meu Sul, uma íngreme ladeira de onde pela pouca visão, já que fica à minhas costas, coloca-se como o ponto de suspense, afinal tudo pode surgir das entranhas de uma ladeira de paralelepípedos. Agora, o mais brilhante, aos meus olhos, é o Norte! Ali sim, de frente para o Largo abre-se um universo densamente povoado, barulhento, ágil, dinâmico, encantador!


Entre as ruas que convergem para o largo existem dois pontos de ônibus intensos, um de ida, outro de volta, determinação individual e intransferível. Ali se encontra tudo: lanches, DVDs, eletro/eletrônicos, pregadores, pirados, estafados, estressados, moças e rapazes para todos os gostos, ocupados, desocupados, poetas, estetas, estudiosos, analfabetos, atletas, humanos! Sim, acima de tudo humanos, demasiadamente humanos demais. É ali que fito minha atenção.

Pois foi neste local, neste Largo, ou simplesmente, no Chame-Chame, que avistei, lá do outro lado do largo Largo, eles se aproximando. O passo era de quem sabe para onde está indo e sabe que vai chegar, portanto, nada de ansiedade nem pressa, afinal os elementos móveis irão se deslocar, porém os imóveis estarão lá aguardando pacientemente o seu chegar.


Era um casal muito elegante e altivo. Não chegou a se fazer “uma pausa de mil compassos”, mas naquele fim de tarde abafado do verão nordestino brasileiro, fez-se um hiato de tempo, era como o Mestre-sala e a Porta-bandeira, ele com a camisa do seu time do coração, e ela com a “canarinho” da seleção. Ali não havia atrito algum, eles deslizavam entre calçadas e asfaltos, como se o mundo só existisse para que eles adentrassem naquele Largo como o Rei e a Rainha, com suas insígnias dizendo aos transeuntes - divirtam-se meus súditos! O reino é largo, cabem todos os desejos!


Por um instante, naquele abafado de janeiro, antes do atendente do Clube Recreativo poder andar entre a sede social e a área recreativa externa, trazendo algo para me refrescar, observei que atrás daquele casal vinha uma multidão, cantando e dançando, eram, negros, índios, caboclos, asiáticos, brancos, cafuzos, seres indescritíveis.


Percebi que era um cortejo, um misto de Escola de Samba carioca, com Afoxé baiano. Olhei o sorriso elegante do casal que, lentamente, se aproximava, observei novamente o traje de gala que portavam e pensei, bem baixinho, como dizia o saudoso Cazuza, “para nem eu mesmo ouvir”, “Onde andará Mariazinha? Meu primeiro amor, onde andará ?”.

- A que o senhor gosta não está gelada, quer outra?

Fui chamado de volta ao Largo do Chame-Chame.


Roger Ribeiro.
23 de janeiro de 2009.

Dois Pontos e uma linha

Dois Pontos e uma linha


Era um dia de teste, mas... quem quer testar o quê? Essa pergunta não saia de minha cabeça: testar, experimentar e depois emitir um juízo, mas... quem pode ser juiz? O que você vai julgar mesmo? Perguntas e mais perguntas se avolumavam e, claro, resposta que é bom, necas!!! Nem por perto ela passava, só perguntas.


Já que não havia jeito, afinal a única coisa que sabia era que o prato a ser experimentado era eu, às 11 horas estava na rodoviária entrando no luxuoso ônibus executivo que me levaria à banca de teste. A alguns quilômetros do destino, o céu aventurou-se a enviar mensagens em forma de água. Chovia como se todos os santos, sem exceção, chorassem. Abriam o pranto de forma mais que absoluta. A água subia rapidamente, e pressenti que minha programação inicial começava a submergir.


Cheguei à outra ponta do meu dia, ou seja, à outra rodoviária e, sem alternativa e a 20 minutos de ser degustado. Peguei um táxi, escolhi o mais velhinho que estava à disposição, pois sabia que os taxistas dos carros novos teriam temor de enfiar seus lustrosos automóveis naquelas poças que mais se assemelhavam a uma grande lagoa.


Cheguei em cima da hora, porém, ainda há tempo. Às 14 horas, em ponto, fui servido a 30 olhos ávidos como a mãe águia em busca de alimento para seus filhotes. Usei os meus melhores temperos, fiz de forma lenta e gradual o caldo se transformar em um suculento e poderoso pirão. As bocas pertencentes aos olhos nada diziam, vez por outra anotavam algo e continuavam a devorar-me. Lembrei-me de como olho algumas mulheres que passam por mim. O que será que elas sentem ao atravessar o meu quase sólido olhar?


Passei do tempo previamente estabelecido em muito, não sei o que ocorre comigo e o tempo, nunca consigo achar que ele é o limite. Por exemplo, não consigo parar de ler algo só porque são tal hora e amanhã tenho de acordar cedo, não consigo terminar uma palestra, uma conversa, ou um pensamento porque o tempo se esgotou, para mim a medida das coisas não é o tempo e sim o interesse e a paciência.


Saí da degustação e fui direto para a rodoviária fazer o sentido inverso. Ainda chovia, porém, mais calmamente, apenas alguns poucos santos ainda choravam. Comprei o jornal sentei na poltrona 27, o que me intrigou, pois na ida o bilheteiro também havia me dado a poltrona 27, e comecei a saborear as notícias. É, a coisa não anda muito boa, mas aquele jornal poderia, ou melhor, deveria ser melhor. Mal escrito, sem bons articulistas e contando com resenhistas, analistas e cronistas que, sinceramente, de minha parte, acumulava frustração cada vez que tentava, através deles me informar das relações dos fatos. Mas, era o que havia e assim sendo... mais uma vez inclinei-me e resignei-me.


Cheguei à outra ponta, que antes havia sido marco de início e agora era marco de chegada. No telefone uma enigmática mensagem de texto dizia: “eu vou, você vai?” Caramba! Pensei: que código será esse? E agora, será que eu vou? Entrei no ônibus e fui, não sei se para o lugar onde a mensagem enigmática queria me remeter, mas fui.


Mais uma hora dentro do mini-ônibus, alguns segundos no belo Elevador Lacerda, observando a cara de êxtase dos turistas e lá estava eu. E, para variar, uma nova dúvida se apossava de mim: tomar ou não tomar um milkshake na cubana? E se imperar o sim, pedir o maltado ou não? Fui salvo, da dor da dúvida, pelo menos, ao conferir a carteira e os quatro bolsos de minha calça, tudo resolvido, não havia verba para tal desejo. Portanto, pezinho na frente, pezinho atrás, lá vou eu, como dizia aquele sucesso local de anos passados: “balançando a bunda prá cá, balançando a bunda prá lá”, descendo as ladeiras de olor ocre de sangue do Pelourinho.

Encontrei umas duas dúzias de pessoas bacanas, amigas, conhecidas, chegadas, algumas quase enamoradas, apesar delas ainda não saberem disso, e também fiquei sabendo de mais tantas pessoas que estavam lá mas que o volume de pessoas em uma exígua praça não permitia nem muito movimento, nem muitos ângulos de olhares.


De repente, uma invasão de som, um som de uma elegância rara, muito rara, anunciava que daquele momento em diante um grande estrondo sonoro iria dominar o meu universo e assim se faria o verbo. Em meio a tudo isso dois guitarristas, um negro e o outro branco faziam o tempo perder o sentido, provendo em meus lábios um refrescante sorriso e a certeza de ter confirmado a resposta a uma das minhas primeiras dúvidas, ou seja, a medida das coisas é a paciência, só ela foi capaz de me presentear com a liquidez do seu olhar a me afogar, e você viu.

Roger Ribeiro.
11 de dezembro 2008

Você Quer Dançar Comigo?

Você Quer Dançar Comigo?


O som era amplo, vigoroso, trazia em si uma série de influências bem perceptíveis, não havia nenhum cuidado ou interesse em ocultá-los, escamoteá-los. Parecia que a idéia era deixar clara a história construída, passo a passo, até aquele instante.

De súbito, estanquei a fala e desviei o olhar do objeto que, até aquele momento, fitava. Era algo maior, um fluxo sonoro inebriante, assustador e, talvez por isso mesmo, sedutor e apaixonante, deixei-me envolver.

Ao virar-me de frente para as luzes coloridas do palco avistei dois seres bem novos, novíssimos, na verdade dois garotos, um usava chapéu, outro não, procurei os outros e...! Surpreso, descobri que estes não haviam. Eram os dois. Uma Gibson semi-acústica vermelha, tocada por uma silhueta negra, ou quase negra, magra, longilínea, de chapéu e uma bateria. As luzes do palco não me permitiam ver a marca nem a cor original, as mãos que seguravam as baquetas, eram brancas, e o rosto largo e branco, quase rosado, permitia perceber a falta de pêlos.

Eram dois meninos. E o que faziam aqueles dois meninos em meio a um imenso volume de consistentes ondas sonoras?

Naquela sólida névoa sonora, em meio à praça, me via fragmentar, sentia algo que desde pequeno nos shows dos Novos Baianos, na Concha Acústica do teatro Castro Alves, em Salvador, não sentia. Era como se aquele objeto sem matéria conseguisse penetrar por entre minhas células e fosse desprendendo uma das outras e, de repente, estava eu a ondular junto ao som. Nada parecia real e, mais ainda, nada parecia poder reorganizar a matéria. Assim como um dia desejou o guitarrista Hendrix, tornei-me um gás Hélio. Perto do fogo.

Senti um vulto, apenas um vulto. Isso tem variados significados dependendo da época e da geografia, porém estando na Bahia, em Salvador e sendo o mês de novembro... Vultos não podem ser ignorados, pelo menos até os ventos bárbaros do início de dezembro os pô-los no devido lugar. O que importa é que mesmo desmaterializado senti o vento que se deslocou quando você passou, sim, você que, à primeira sensação, achei tratar-se de um vulto.

Percebi que me reagrupei ao senti bater em minha perna um papel abandonado que rastejava ao sabor dos ventos gerados pelo deslocamento das pessoas. Era muita gente, muitas falas e muito deslocamento. Por tudo isso, havia muito vento. Sempre desconfio das pessoas que dizem que deixam suas vidas ao sabor do vento, sempre tenho a impressão que não pondo-se em movimento, não produzirás os seus ventos, o que lhe deixará a mercê dos destinos alheios.

Re-materializado plenamente, lá estava eu em meio à praça. O som continuava tendo o efeito mágico de formar uma liga no ar que integrava seres completamente distintos e desconhecidos à única unidade. Todos ouviam os meninos, eles como um prisma catalisavam todos os olhares e os remetiam de volta, permitindo a intimidade entre todos, afinal os olhares já se reconheciam.

Do vulto que me interceptou do transe sonoro, guardo apenas o cheiro. Não tenho a imagem, apenas a fragrância do perfume que exalava, era leve e ocre, penetrante, cortante, tatuou-se em mim no exato momento em que aquela silhueta negra, ou quase negra, com sua Gibson vermelha e seu chapéu disparou um folk/blues do Bob Dylan.

Não me restou alternativa, coloquei-me em movimento, sai da praça, lembrei-me de uma canção do Erasmo e Roberto, comecei a assoviá-la, deslocando o meu vento para ir buscar o seu perfume.

“As coisas estão passando mais depressa
O ponteiro marca 120
O tempo diminui
As árvores passam como vultos
A vida passa, o tempo passa
Estou a 130
As imagens se confundem
Estou fugindo de mim mesmo
Fugindo do passado, do meu mundo assombrado
De tristeza, de incerteza
Estou a 140
Fugindo de você

Eu vou voando pela vida sem querer chegar
Nada vai mudar meu rumo nem me fazer voltar
Vivo, fugindo, sem destino algum
Sigo caminhos que me levam a lugar nenhum

O ponteiro marca 150
Tudo passa ainda mais depressa
O amor, a felicidade
O vento afasta uma lágrima Que começa a rolar no meu rosto
Estou a 160
Vou acender os faróis, já é noite
Agora são as luzes que passam por mim
Sinto um vazio imenso
Estou só na escuridão
A 180
Estou fugindo de você

Eu vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

O ponteiro agora marca 190
Por um momento tive a sensação
De ver você a meu lado
O banco está vazio
Estou só a 200 por hora
Vou parar de pensar em você
Pra prestar atenção na estrada

Vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes, às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

Eu vou, vou voando pela vida
Sem querer chegar”

(Erasmo Carlos -Roberto Carlos)

Roger Ribeiro.
21 de novembro de 2008.