Vinha deslizando em minha
prancha sozinho
E falei ao ver passar por mim
um brotinho
Que bonitinha que ela é...*
- Este sistema de amor não serve
para todos, aqui para nós e, entre nós, nem todos possuem os circuitos
necessários para desenvolver determinadas emoções. Sejamos justos, afinal nem
todos os seres necessitam de feixes sistêmicos emotivos.
- Sinceramente acho que estes que
não possuem o sistema poderiam ter um equipamento externo que lhes dotassem
destes, tipo um HD externo, entende?
- Ora, ora, mas para quê? Eu
mesmo não possuo e vivo muito bem sem eles. Posso observar tudo e, digo mais,
por isso mesmo sou muito requisitado para opinar, apartar, definir questões por
vezes insolúveis para os detentores de tais... Como chamam mesmo?
- Emoções. Chamam-se emoções. Não
sei se grande parte de nós conseguiríamos nos perpetuar sem elas, já imaginou?
Como reproduzir sem o estímulo emotivo?
- Em laboratório, meu caro. Não
seja patético! Ou nunca ouvistes falar de laboratório? Já imaginou uma pipeta
dizendo ao receptor: “ah! querida eu te amo...”. Patético, para dizer o mínimo.
- Senhores, a conversa está muito
agradável, mas chegou minha hora. Amanhã nos encontraremos.
Adentrou pelas complexas redes de
super condutores e partiu. Em frações de segundos havia atravessado metade do
planeta, porém, nas partículas sólidas do tempo...
La estava sentada vestida de
prata esvoaçante sobre a brisa que soprava na varanda do restaurante. Seus
finos e afiadíssimos pés balançavam impacientemente suspensos. Apenas seus
longos cabelos translúcidos transmitiam alguma tranqüilidade. Todo o resto era
fúria, milhares de células quânticas em hiperatividade. Seus olhos liberavam a
energia que transformava a noite em dia, o sólido em gás, o visto em irreal,
incrédulo.
- Por favor. Não se aproxime de
mim.
- Mas, por quê? Estou apenas uma
micro fração de segundo atrasado?!
- Achas mesmo pouco? Sabes
quantas formas deixaram de existir neste tempo? Quantas passaram de
inexistentes a fatos? Não podes drenar minha existência desta forma, já lhe
havia avisado.
- Juro que não mais ocorrerá.
- Sim, sei que não ocorrerá, pois
este tempo nunca existiu. Aliás, seremos apenas este hiato de tempo que não
existiu, lembra?
- Não. Não consigo ter esta lembrança.
Há um tempo entre nós?
- Um tempo que se subverteu, o
futuro o apagou. É como a água da Cachoeira da Fumaça no Capão: ela existe, por
cima podes inclusive lavar tua alma, mas não toca o chão, assim para a rocha da
vertigem da queda, ela não existe.
Atenção, atenção – anuncia a voz sempre
metálica – existe uma interrupção do fluxo, as partículas se chocam com extrema
violência, isto pode desarticular o desequilíbrio das fontes levando a novos
fluxos e vias indefiníveis. Solicitamos que a via seja desobstruída com urgência.
- Veja! Somos nós que estamos
provocando todo este transtorno. Já deveríamos estar sentados nos alimentando e
traçando os planos circulares para os próximos milênios.
- Já te falei. Nunca existimos,
somos energia dissipada.
Um novo feixe de energia se
instalou entre eles, novos seres desceram dos seus estados energéticos
recuperando a solides original, moldavam-se entre as vias condutoras novas
levas que desciam e subiam às ruas, estradas, avenidas, com suas suaves
passadas, eram quase bailarinas acariciando os caminhos. Alguns permaneciam
sublimes em forma de músicas, os mais experientes equilibravam-se sobre as
pausas e aquele jovem translúcido continuava sentado a sua bateria fazendo a
trilha pra que todos se movimentassem. Estávamos quase em um filme de roteiro
previsível e pobre, avassalado genialmente por uma trilha sonora arrebatadora.
Eram apenas ventos, mas delas,
com suas vestes translúcidas, vermelhas, azuis, escarlates, amarelas, cansadas
gritavam para a janela do primeiro andar:
- Lise! Como é que é, vai descer
ou não vai? O Porto da Barra não vai nos esperar para o resto da eternidade.
Eu? Bem, eu estava sentado na
balaustrada esperando aquelas meninas, lindas, chegarem... Mesmo que não me enxerguem.
Roger Ribeiro
24 de setembro de 2015
*
Broto do Jacaré - Roberto Carlos / Erasmo Carlos