quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Invisível... Eu?!


 

 

Vinha deslizando em minha prancha sozinho

E falei ao ver passar por mim um brotinho

Que bonitinha que ela é...*

 

 

- Este sistema de amor não serve para todos, aqui para nós e, entre nós, nem todos possuem os circuitos necessários para desenvolver determinadas emoções. Sejamos justos, afinal nem todos os seres necessitam de feixes sistêmicos emotivos.

 

- Sinceramente acho que estes que não possuem o sistema poderiam ter um equipamento externo que lhes dotassem destes, tipo um HD externo, entende?

 

- Ora, ora, mas para quê? Eu mesmo não possuo e vivo muito bem sem eles. Posso observar tudo e, digo mais, por isso mesmo sou muito requisitado para opinar, apartar, definir questões por vezes insolúveis para os detentores de tais... Como chamam mesmo?

 

- Emoções. Chamam-se emoções. Não sei se grande parte de nós conseguiríamos nos perpetuar sem elas, já imaginou? Como reproduzir sem o estímulo emotivo?

 

- Em laboratório, meu caro. Não seja patético! Ou nunca ouvistes falar de laboratório? Já imaginou uma pipeta dizendo ao receptor: “ah! querida eu te amo...”. Patético, para dizer o mínimo.

 

- Senhores, a conversa está muito agradável, mas chegou minha hora. Amanhã nos encontraremos.

 

Adentrou pelas complexas redes de super condutores e partiu. Em frações de segundos havia atravessado metade do planeta, porém, nas partículas sólidas do tempo...

 

La estava sentada vestida de prata esvoaçante sobre a brisa que soprava na varanda do restaurante. Seus finos e afiadíssimos pés balançavam impacientemente suspensos. Apenas seus longos cabelos translúcidos transmitiam alguma tranqüilidade. Todo o resto era fúria, milhares de células quânticas em hiperatividade. Seus olhos liberavam a energia que transformava a noite em dia, o sólido em gás, o visto em irreal, incrédulo.

 

- Por favor. Não se aproxime de mim.

 

- Mas, por quê? Estou apenas uma micro fração de segundo atrasado?!

 

- Achas mesmo pouco? Sabes quantas formas deixaram de existir neste tempo? Quantas passaram de inexistentes a fatos? Não podes drenar minha existência desta forma, já lhe havia avisado.

 

- Juro que não mais ocorrerá.

 

- Sim, sei que não ocorrerá, pois este tempo nunca existiu. Aliás, seremos apenas este hiato de tempo que não existiu, lembra?

 

- Não. Não consigo ter esta lembrança. Há um tempo entre nós?

 

- Um tempo que se subverteu, o futuro o apagou. É como a água da Cachoeira da Fumaça no Capão: ela existe, por cima podes inclusive lavar tua alma, mas não toca o chão, assim para a rocha da vertigem da queda, ela não existe.

 

Atenção, atenção – anuncia a voz sempre metálica – existe uma interrupção do fluxo, as partículas se chocam com extrema violência, isto pode desarticular o desequilíbrio das fontes levando a novos fluxos e vias indefiníveis. Solicitamos que a via seja desobstruída com urgência.

 

- Veja! Somos nós que estamos provocando todo este transtorno. Já deveríamos estar sentados nos alimentando e traçando os planos circulares para os próximos milênios.

 

- Já te falei. Nunca existimos, somos energia dissipada.

 

Um novo feixe de energia se instalou entre eles, novos seres desceram dos seus estados energéticos recuperando a solides original, moldavam-se entre as vias condutoras novas levas que desciam e subiam às ruas, estradas, avenidas, com suas suaves passadas, eram quase bailarinas acariciando os caminhos. Alguns permaneciam sublimes em forma de músicas, os mais experientes equilibravam-se sobre as pausas e aquele jovem translúcido continuava sentado a sua bateria fazendo a trilha pra que todos se movimentassem. Estávamos quase em um filme de roteiro previsível e pobre, avassalado genialmente por uma trilha sonora arrebatadora.

 

Eram apenas ventos, mas delas, com suas vestes translúcidas, vermelhas, azuis, escarlates, amarelas, cansadas gritavam para a janela do primeiro andar:

 

- Lise! Como é que é, vai descer ou não vai? O Porto da Barra não vai nos esperar para o resto da eternidade.

 

Eu? Bem, eu estava sentado na balaustrada esperando aquelas meninas, lindas, chegarem... Mesmo que não me enxerguem.

 

Roger Ribeiro

24 de setembro de 2015

 

* Broto do Jacaré - Roberto Carlos / Erasmo Carlos