sexta-feira, 22 de maio de 2009

Vai chover nos is!





E enfim, pondo os “pingos nos is”, vou logo te falando: não compro esse seu sorrisinho malicioso por nada nesse mundo. E não adianta fazer olhinhos de neném, pois sei, e muito bem, do estrago que seus caninos são capazes na jugular alheia.

Tudo bem! Disfarce mesmo... Olhes para o lado, para cima, para o vão, diga ao vento que não sabes de nada, que não está compreendendo, que devo estar pirado, enlouquecido, quem sabe até alienado. Necessitando de tratamentos e cuidados. Pouco alimentado, demente, subnutrido de razão. Que sou uma oca frase sem nexo, nem direção. Uma estapafúrdia e patética demonstração de despreparo da humanidade.

De agora em diante, para você, nada! Nem um sorriso de dentes travados. Coisa alguma, necas. Nem sal, Nem açúcar, sem gosto de nada e, se não gostares, vais reclamar com o delegado. Vais chorar no pé do caboclo em dia de raios, trovões tempestade! Para mim, teu dia estará sempre nublado e como diz a canção que ouvi no rádio: para você meu guarda-chuva estará sempre fechado.

Por causa disso, passo, com frequência, dias e noites de olhos abertos, arregalados, já não durmo, não me sinto mais aconchegado, parece que estou no meio da Praça Vermelha, no inverno de Moscou, pelado. Peço, rogo a todos os santos da cristandade, aos orixás da mística transplantada, aos deuses do grego Olimpo, cruel e malvado. Tudo o que quero é sossego, paz, tranquilidade. Para São Longuinho, se vier o resultado tão clamado, sem cansaço, prometo mil pulinhos de olhos fechados.

É meu leitor, pareço meio indignado? Pois saiba que é pouco! Aposto que em meu lugar estarias irado, infinitamente mais que revoltado. Boto dez pra um que nem mesmo estas palavras dirigirias a este ser. Coitado? Indigno da condição de mamífero, bípede e pensante, isso sim! Nada de coitado. Um anjo caído, uma alma penada.

Mas eu ainda me coloco à sua frente, te digo e se necessário escrevo e assino que de gente não tens mais nada e o único pingo que mereces não é o do “i”, muito menos o do jota, que nada! Só mereces um pingo de uma chuva das brabas, que acabe com sua chapinha, sua escova progressiva, te deixe totalmente descabelada feito a rainha louca, a medusa do espelho quebrado.

Vamos, continuemos... Podes ficar aí com essa cara de paisagem, cara de quem não fez nada! Não caio mais, não ando mais nessa estrada. De contramão, estou farto! Minha carteira de habilitação foi seqüestrada, o pneu socorro tá furado, a direção hidráulica secou, puseram farinha e nem pirão virou! É pó e mais nada.

Necessito te dizer só mais algumas coisinhas... Tá pensando que foi fácil chegar aqui? Você vai sorrir, né? Malvada, sem coração, bruxa, piolhenta, feia e covarde. Pois te digo: só de ônibus foram três passagens, no segundo meu celular ficou na mão do menino traquino, nervoso e armado. O motorista não mais parou, rumou direto pra delegacia que fica nada menos do que do outro lado da cidade. O caos! Não sabia as horas, pois meu querido e estimado relógio não desgrudou, e acompanhou seu amigo celular em suas novas empreitadas.

Suava em bicas, temia pelo pior! E se não chegasse? O que seria? Valei-me meu Senhor do Bonfim, minha Iemanjá, meu Cacique Touro Sentado!

Necessitava da ajuda divina, tudo estava dando muito mais que errado, era um “dia de cão”, uma manhã torta, um filme de Tarantino, uma crônica do Jabor, Brown filosofando... Coisa de saci! Humor negro, terror supremo. Imagine ter o Maestro Zé Fernandes, Aracy de Almeida, Pedro de Lara, Décio Piccinini, Nelson Rubens todos nus correndo atrás de você gritando: “sua nota é zero, meu filho!”, cruzes...! E você acuado, sem nem uma Elke Maravilha para te socorrer. Vixi! Ferrou de vez.

Por fim, e já sem tempo, surge você! Vem sorrindo desde lá de longe com essa cara limpa, linda! Perguntando o que houve? Porque estava eu tão zangado? Afinal estavas apenas e somente quinze minutos atrasada!

Roger Ribeiro.
21 de maio de 2009.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Psicólogos para todos!





Sim, o resultado realmente foi muito pior do que o esperado! Quanto? Ora, você vai me dizer que não sabe? Sei que sabe, sei que queres ouvir de minha boca para ser mais saboroso... Tem problema não, faz parte da mística do esporte, é a sua vez de saborear minha derrota. Tudo bem foi “quatroazero”, falei rápido e meio embolado.

- Como?! Não entendi. Quanto foi mesmo?
Engoli a ira e, vagarosamente, repeti: quatro a zero. Respondi, agora, bem pausado e frisando bem o zero. No fundo, nutria naquele momento e ainda agora, a esperança de na quinta que vem darmos o troco. Golear! E com a cara mais alegre do mundo, sair pela rua cantando e dançando, orgulhoso com heróico resultado: a vitória. A busca da consagração.

-Pra quem? Perguntou-me com sua voz nasalada, irritantemente nasalada. - Fanho filho da p... Controlei-me! Mas confesso: foi por pouco! Meu deus, pensei, seria totalmente politicamente incorreto, poderia até ser processado por discriminação social.

Ah! Que saco esses tempos atuais e seus direitos e advogados prá tudo que é lado. Tenho cada dia mais a certeza de que a profissão do futuro é a psicologia, psiquiatria e afins. Todas as ciências e não ciências que trabalhem com traumas, neuroses, psicoses, síndromes e todas as formas de “desarranjos” cerebrais. Afinal não se pode mais esbravejar, xingar, ameaçar! Não se pode mais nada?! Como vamos soltar nossos demônios?

Pela leitura pouca e superficial que tenho do menino Freud, lembro-me de em alguma obra ter lido que as neuroses, psicoses e afins são provenientes exatamente da retração de nossos instintos naturais. E nesse “mundiculo” de magistrados, advogados, juízes, promotores, leis, emendas e o “cacete a quatro”, ainda se juntam os injustiçados... Sabe lá de que? Ou de quem? Como dizia aquele rockinho dos anos oitenta do Ultraje à Rigor, “como é que vou crescer se não tenho com o que me rebelar?” Só que agora é diferente, é como vou manter-me são com esse advogado de plantão aqui do meu lado?

Pronto! Não duvide minha amiga, logo aparecerá um rapaz, de cabelo curto, bem penteado, de paletó e gravata, sapato preto lustroso, pasta de mão cheia de papeis (teoricamente escritos), com os trinta e dois dentes (você já reparou que advogado tem sempre todos os dentes? Mesmo que sejam falsos, mas tem), falando bonito e gesticulando minuciosamente, para me explicar que serei processado por estar de forma pré-conceituosa e acintosa desfazendo da categoria dos magistrados em Direito. Ui! Lá vem conta, penso imediatamente.

Pois como não podemos mais verbalizar, expor algo absurdo só para não explodir, então engolimos, sem água, sem um pão velho sem nada! A seco, goela abaixo. Resultado: três anos depois... Gastrite meu filho, diz o doutor, é isso que tens. Cinco anos depois úlcera... 10 anos depois stress, quinze anos camisa de força e injeções de drogas tarja pretas! Céus, que horror.

Por isso, há uma semana atrás, entre uma chuva e outra, peguei minha máscara de mergulho, o respirador, botei meu maiô de banho, uma camisa de meia velha para proteger do sol e fui mergulhar nos corais que ornam o Farol da Barra. No trajeto até a praia, passava pelas pessoas e sentia que todas me olhavam com uma ponta de inveja, afinal era uma terça feira onze horas da manhã e lá ia eu, peito aberto, mergulhar nos corais do Farol.

Ria no meu íntimo. Na verdade, estava retornando de uma reunião em um dos meus trabalhos e o volume de absurdos que tiveram de ficar sem a resposta adequada, por questões hierárquicas, era tão grande que resolvi ir para baixo d’água, e, lá estando ﮩ†ßØ¿Ÿ‰*…‰¢×Ø, era tanto impropério que as bolhas de ar custavam o dobro de tempo para pocar na superfície. E quanto mais ali naquele local, sem nenhum advogado por perto, eu vociferava, gritava, urrava... Mais me sentia leve, tranqüilo, ah! Aquilo sim, é que era terapia.

Após uns dez minutos de pragas, xingamentos, e afins notei que os peixinhos estavam de longe me olhando assustados, com cara de quem não estavam entendendo nada! Se é que peixe entende alguma coisa em algum momento. Sorri e pensei: coitados, eles não tem nada haver com isso! Pelo menos não iriam se ofender e nem me processar.

Voltando a meu amigo fanho e sua pergunta, respondi: para o Vasco da Gama. Alteei a voz e repeti: quatro a zero para o Vasco da Gama do Rio de Janeiro! Está satisfeito agora? Ele sorriu e disse: - e foi pouco! Vocês deram sorte. Tombei a cabeça como quem entrega os pontos e pensei: - vou voar no pescoço dele!

Respirei fundo e falei bem baixinho: a violência é a alma dos fracos. Sorri para ele e parti para mudar o rumo da conversa, pois era ele um grande amigo, desses de emprestar dinheiro e não cobrar... Sabe como é? Estão cada vez mais raros, mais ainda se encontra um aqui, outro ali. Meu amigo fanho é um desses, por isso, não pelo dinheiro, mas pelo seu apreço e amizade pura e sincera, jamais deixaria algo atrapalhar nossa relação, ainda mais futebol, eu hem! Nunquinha.

Além do mais, como já disse, a curtição do derrotado faz parte do jogo bretão assim como os jogadores, a tática, as traves, as linhas, as poucas regras, os dribles, o talento, a manha, a cera, o arbitro, os bandeirinhas, o gandula, a torcida, o estádio, a bola, o gollllllllll do locutor radiofônico e a maldita curtição do meu amigo fanho que nem torce pelo Vasco da Gama. Aliás, como bom bacharel em Física, creio que não torce para ninguém e na verdade nem sabe o que se disputa ali naquela arena moderna.

Mas mesmo os físicos, fanhos, com cara de meninos criado pela avó, olhar de louco tipo Jack Nicholson em Estranho no Ninho (assim é meu amigo), até pessoas com esse perfil, por não poderem mandar quem merece para a P... q P...., resolvem se “bater de cara” comigo nessa esquina, debaixo desse sol escaldante e largar uma tonelada de gracinhas na cara do Zé aqui!

Despedimo-nos, prometemos visitas mútuas e partimos. Afinal, a vida continua. Ainda sorria da alegria de ver meu amigo assim de humor elevado quando ouvi uma voz familiar que saia de dentro de um carro, cor de prata, que vagarosamente ao meu lado se postava: - quer uma carona ou vai de quatro?

Virei “em chamas” e... Vá tomar no... Me controlei, ainda bem, ufa! Além de familiar era uma voz, inconfundível. Era um advogado.

Acho que necessito de uma terapia.

Roger Ribeiro.
15 de maio de 2009.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Eu sempre sonhei com você




Você já viu um sapato? Ou melhor, uma bota preta, velha, arranhada, com os cadarços assim, displicentemente folgados, andando por aí afora sem que haja um pé, uma perna, uma cintura, nada a controlar-lhe?

Pois era isso que ele dizia ter visto. Jurava! E se você fizesse a menor menção de duvidar... Ah! Ai meu camarada, como diziam os velhos soviéticos, o “bicho pegava” de vez. Virava uma fera, dedo em riste partia para cima ofendido, magoado. Irritava-se a ponto de necessitar de ajuda. Uma água com açúcar, um conhaque, um calmante qualquer. O melhor era não duvidar, afinal quem tem olho vê o que quer, não é mesmo?

Dizia que a bota, mas não de cano alto, uma bota tipo basqueteira, cano baixo, de couro preto, andava pela cidade fizesse chuva ou sol, não importava. Frequentava a todos os lugares sem preconceito algum. Odiava idéias pré- estabelecidas de que isso era bom, aquilo era ruim, não tinha essa conversa, tinha de ver em loco, senão jamais emitia juízo, parecer, nem arriscava nenhum tipo de comentário. Mantinha-se calado, atento. Dizia sempre que sapato bom fica de bico fechado.

Reportava-se a sua amiga bota como se conversar com uma bota que anda por aí sozinha fosse a coisa mais comum, abundante em qualquer parte, em qualquer local. Pedia-me que observasse como todas as pessoas, em determinado momento do dia, olham para baixo. Principalmente se estiverem sós. Todos acham que se está, naquele momento, descansando ou refletindo sobre algo muito importante como a pandemia de gripe Influenza H1N1, ou sobre a reunião que terá ao chegar ao trabalho, as dívidas acumuladas ou qualquer outra coisa digna de pessoas sérias e atarefadas. Mas, meu caro, dizia meu amigo: - não é nada disso! Na verdade se está naquele momento conversando com os próprios sapatos, ou com um quedes (tênis), sandália ou afins que estiverem por perto.

Diz que ninguém sabe mais do que esses seres, pois por estarem em contato direto com o solo, percebem nuances que o homem, com seu afã de subir, sempre subir, perdeu a percepção.

Encontrei um dia, esse meu barbudo amigo, sentado na sorveteria Cubana tomando um maltado de ameixa, resolvi sentar-me à sua mesa para olhar a baia de Todos os Santos e levar uma leve prosa de fim de tarde, afinal aquele seria um dia especial e eu queria estar alegremente concentrado.

Sabia que a única coisa que não podia fazer seria contrariá-lo, mas meu amigo com sua barba ruiva grisalha não era um maníaco radical. Não é que você não pudesse discordar do que ele dizia, não era assim. Aliás, pelo contrário, poderia passar horas em debates acalorados sobre política, futebol, mulheres, economia internacional, tudo enfim. Só não tolerava a negativa sobre a bota, curta, preta, velha que vagava sem fim pela cidade.

Pensei em puxar uma conversa histórica, aproveitaria o local em que estávamos e falaria sobre a falta que fazem os saveiros na Rampa do Mercado (local aonde se descarregavam os saveiros vindos do Recôncavo baiano, que fica ao lado do Mercado Modelo), porém não deu tempo, quando pensei em falar, ele se antecipou...

Disse-me:
- Já estou sabendo...! Veja lá o que você vai fazer heim?!
Como assim? Do que você está falando? Perguntei-lhe.
- Ela já me falou!
Ela quem? Falou o quê?
- Ora tudo! Não é por isso que você veio aqui?
Olhei para ele meio apreensivo. Será que meu amigo está em surto? Do que será que ele está falando? Após falar isso bem baixinho para mim mesmo, ou para os meus sapatos, procurei mudar o rumo da prosa e comentei: éh! Após tantos dias de chuva nada como esse solzinho de fim de tarde para esquentar, né?

Sem olhar para mim respondeu, puxando um pouco a barba:
- Ela saiu daqui agorinha mesmo, foi à farmácia se pesar. Disse-me que havia engordado por conta dos feriados e precisava saber quantos quilos precisava perder.

Meio ressabiado, sem querer encará-lo para que não pensasse ser uma provocação, perguntei: ela quem? A resposta veio rápida e seca.

- A bota, claro! Aliás, quando foi saindo me falou que você estava chegando, ouvira seus passos de longe e contou-me mais...

Mais? Perguntei angustiado. E o que ela contou?

- Disse-me que você estava tenso e que vinha em busca de espaço e ar fresco para retirar a tensão, pois à noite teria um compromisso que o deixava inseguro, tenso, como menino que passa a noite em claro imaginando como vai perguntar a ela se quer ser sua namorada!

Fiquei calado uns instantes, intrigado, confuso. Como será que ele sabia? Ou pior ainda como ela, a bota sabia do meu compromisso? E o pior, da minha tensão? Cheguei à conclusão que meu amigo estava jogando verde para colher maduro, resolvi despistar. Falei: Que compromisso que nada! E ainda por cima tenso! Eu?! Nunca, acho que desta vez a bota se enganou.

- A é?! Então tá. Agora depois que você tomar o vinho, comer a massa caseira e olhar aquele cabelo liso e preto combinando com o leve vestido sustentado pelos ombros magros, formando um conjunto harmônico e sofisticadamente simples, não vá dizer que seus sapatos te levaram ao topo do Nirvana à toa!

Olhei para a o meu amigo de barba ruiva e grisalha, sem bigodes, pois no dia que ia tomar maltado tirava o bigode, acho que por questão de higiene já que odiava canudinhos e não disse nada. Desviei o olhar para o chão e, incrédulo, percebi que usava uma bota preta, de cano curto, velha, sulcada pelo tempo e pelo andar na cidade.

À noite, após o vinho e a massa, pensei: como vou perguntar se a sandalinha dela quer passear com minha bota?

Roger Ribeiro.
7 de maio de 2009.