O meu processo
criativo é violento, agressivo, aguerrido. Fragmentos de ações que não me
pertencem, sei lá de onde vêem? São geradas em mim, se esbarram nos limites
sólidos, em mim, dentro de mim mesmo. O eu e um monte de gentes, atos e ações
que possuem urgência em sair, de se fazer existir.
Batem-se nas
paredes das minhas idéias, no oco onde repousa pulsante meu cérebro, descem
para o peito, braços, pernas, pés e sobem em velocidade hiper máxima espatifando-se
ao norte da minha cabeça. Precisam se desvencilhar de mim, forçam, comprimem, é
o sobre natural; doi.
Afasto-me nesses
momentos de todos; é perigoso. Até onde a radiação desta dor atinge o externo?
Não sei, só sei ser necessário proteger o ao redor, não posso expor quem nada
sabe sobre a natureza da dor, a cor de um parto, que só a natureza em seu
estado de urgência exige, conhece, reconhece, compreende e perdoa. Mesmo que,
assim como a explosão da ação, a cor da dor se impõe.
Por vezes, a
depender da extensão e das cores do pensamento, me permito reajustar meu feixe
celular à forma da criação, um re-moldurar uma moldura sem molde, disforme,
etérea como uma canção:
“Eu
uso óculos escuros
para
as minhas lágrimas esconder
quando você vem para o meu lado
as
lágrimas começam a correr (...)”*
Mas, nem sempre
é possível. Por vezes, e muitas vezes, ela vem retilínea, altiva, com seus
longos braços e suas enormes mãos e devassa, invade pelos poros, pelos olhos,
boca, nariz, orelha, usa os fios dos cabelos como condutores ao núcleo, e de lá
extrai, sorrindo, sempre sorrindo, a mais sólida e precisa idéia.
De agora em
diante, ainda úmida do parto, a narrativa me acompanha, anda ao meu lado, senta
na minha mesa, na cadeira à minha frente. Da mesma forma que estou naquele
enorme salão iluminado, no térreo de um enorme casarão no Santo Antônio Além do
Carmo de onde avisto o forte, onde tantos foram aprisionados, ao meu lado, a
mais nova história, idéia gestada, conto sem fada, sólido e liberta de todas as
suas amarras, travas, grilhões; se faz fato.
- Pelo que pode
ser visto, frente às últimas, notícias, uma nova idéia veio ao mundo em parto
não anunciado, não acompanhado, dizem – expunha esganiçado o rádio no alto da
estante, ao lado da moringa de água-ardente – que quando a assistência chegou já
o encontrara sentado ao lado da cabeça genitora ao meio fio, explicava que,
apesar daquele crânio o ter gestado, não lhe pertencia.
Aliás, a nada
sólido podia pertencer a cor da idéia que materializa uma narrativa que se
inicia, porém sem corpo, sem longilíneos braços, posto que ainda não possuir
meio, sem fim. Apenas início, indício; quem sabe?
Enfim, à porta,
bati com delicadeza, você com seu vestido curto e vermelho, com os lindos pés
na cerâmica fria, abriu-a para mim. Estendi a flor amarela que tinha em mãos.
Você brilhou e sorriu, em segundos, tudo sabias.
Roger Ribeiro
05 de maio de
2014
* Vampiro – Jorge Mautner