terça-feira, 31 de julho de 2012

Tem placa e número



Alô...

- Imobiliaria João de Barro, Pois não.

- Por favor, gostaria de informações a respeito do produto oferecido. É com o senhor mesmo?

- Pode ser, mas é melhor o senhor falar com a responsável direta.

- E ela se encontra no momento?

- Claro! Só um instante que irei chamar.

- Maria Cláudia, pois não.

- Olá Maria Cláudia, é a respeito de um anúncio que li aqui no bairro do Jardim Apipema...

- Sim...! Sabe, o senhor já é a quinta pessoa que nos liga e olha que colocamos o aviso hoje pela manhã!

- É, acredito, pois, deve ser um sonho de consumo de muita gente, não é mesmo?

- Creio que sim. Mas, o senhor já o visitou?

- Claro! Aliás, estou exatamente ao lado dele. Olha vou te dizer uma coisa que não sei se os outros te disseram e espero que a senhora não aumente o valor por causa disso, mas ele tem estilo... Muito estilo, não sei... Tem algo diferente.

- Ah! Enfim alguém notou... Claro, olha sei que existem muitos pela cidade, aliás, até muito mais novos, em locais mais arejados, até mesmo em frente à praia, mas igual a este não tem. Por sinal, o senhor correu ele todo?

- Como assim?

- Sim... A varanda, os quartos, viu a suíte? Olha aquele toalete da suíte é simplesmente um luxo! E a sala então, nossa! Não precisa nem falar, aquele tabuado...

- Quarto, suíte, varanda, luxo?! Acho que está havendo um engano.

- Como assim? O senhor não está se referindo ao apartamento anunciado no Jardim Apipema?

- Apartamento? Não senhora... Estou falando do poste onde está a placa de vende-se com este número de telefone, e...

Crasshhh, pi, pi, pi, pi, pi...

- Alô, alô... Eu heim, que criatura louca! Moço, moço... Por favor...

- Pois não, (olhando ao redor) sou eu?

- Sim, por favor, me ajude aqui, é rápido.

- Só se for rápido realmente, pois estou muito atrasado.

- É rápido sim. Diga-me uma coisa: o que você vê preso neste poste?

- Uma placa de vende-se e o telefone.

- E quanto custa?

- O quê?

- Ora meu amigo, o poste! Este belo mobiliário urbano... Um obelisco contemporâneo, a sustentação da luz... Ei, ei!  Aonde vais? Não corras, cuidado!

Sacou novamente o celular e, com ferocidade, discou o número apregoado no poste.

- Alô.

- ALôôu! Escuta, estou aqui embaixo de uma placa de vende-se com este número...

- De onde o senhor está falando?

- Estou aqui no Jardim Apipema e preciso saber o valor?

- Olha em relação ao valor podemos conversar...

- Não! O senhor não está entendendo, eu quero saber do valor!

- Espera, vou chamar a responsável.

- Pois não.

- Alô.

- Sim. Aqui é sobre o anúncio no Jardim Apipema...

- Não acredito, é você novamente? Olha, não estamos vendendo poste nenhum e se o senhor insistir tomarei providências.

Clic. PI,PI,PI,PI...

Ficou cabisbaixo sem saber o que ocorria, olhava para a placa, para o poste, para a lâmpada no ápice deste e, desiludido, buscava qualquer coisa pelo chão para chutar, na verdade chutava a sua própria sombra, prisioneira daquele poste, isto o desesperava! Estaria sua sombra presa àquela luz, àquele poste pela eternidade?

- Não (gritou), isto não vai ficar assim!

Agarrou-se ao poste, sua sombra diminuía, ficava quase que apenas um ponto escuro, mas como abandoná-lo, ponto ou não ali era a sua sombra, o homem não vive sem sombra (pensava). Dava um passo rápido para ver se conseguia que sua sombra se desvencilhasse. Nada, lá estava ela, esticava-se longamente, quase ao infinito, depois encolhia-se novamente à condição de ponto, mais sempre presa ao pé do poste. Falou para si mesmo:

- Preciso levar este poste comigo. (sacou novamente o celular, olhou o número na placa e discou).

- Imobiliária João de Barro, pois não!

- pois não, não! Pelo amor de Deus, eu pago o que vocês quiserem, mas libertem minha sombra! Eu ...

Crash – pin, pin, pin...

- Seres sem alma! (berrou).

Contorcia-se sobre a sombra, não conseguiria viver assim, sempre fora um homem livre, jamais conseguiria viver aprisionado.

- Nãããããõooooo.

Sentou-se no meio-fio e suspirou ouvindo sua sombra cantar:

“Um homem com uma dor

É muito mais elegante

Caminha assim de lado

Como se chegando atrasado

Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor

Como se portasse medalhas

Uma coroa, um milhão de dólares

Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos

Não me toquem nessa dor

Ela é tudo o que me sobra

Sofrer vai ser a minha última obra”*

- Oi...! Ôh, acorda homem...

- Ãh... Pô, que susto, não tens o que fazer não? Não tens piedade, não enxergas que minha dor já é por demais homérica!

- Deixa de drama, homem. Sei o que te atormenta, assisti a tudo, salvar-te-ei da tua prisão, irás sarar a dor.

Sob a luz era quase translúcida, seu brilho tão intenso que  lhe feria os olhos, apenas conseguia fitar a barra do vestido com um zig-zag de linhas coloridas que lhe traziam à mente o furta-cor do alvorecer da Diamantina mineira.

- Acaso és um anjo? Uma fada? Um querubim?

- Acaso viste alguma estrela? Não sabes que estes seres só andam em pontas de estrelas?

- Podes me tirar da torre deste castelo?

- Claro! Vamos combinar: ficarei à frente da luz, serei a represa, não suportarei por muito tempo a pressão. Assim corra, vire à esquina e estarás liberto.

- Mas e você? (olhou-a e percebeu o sangue prata correndo em seu corpo por sob o vestido), tudo bem.

Assim foi feito, a liberdade se fez, mas onde estava ela agora? Olhou por entre as folhagens e a viu dançando entre os fachos de luz, era o próprio brilho.

Virou-se, não podia aprisionar-se por quem lhe libertou. Olhou para frente e...

Sacou o celular:

- Alô!

- Imobiliária Oca, boa noite!

- Boa noite, por favor, qual o preço do muro?

Roger Ribeiro

27 de julho 2012

* Dor Elegante - Leminski / Itamar

quinta-feira, 12 de julho de 2012

On/Off




Na internet a vida era frenética, tudo partia e retornava em uma velocidade estonteante, não havia problema que a solução não corresse o mundo e retornasse em questão de segundos, o mundo estava realmente em um estágio mágico e era exatamente neste universo que sentia-se o máximo! Um rei.



Conhecia milhares de pessoas ao redor do mundo, criaram uma língua de códigos e sinais que os faziam prosear horas e horas por entre seres de línguas as mais diversas, coisas jamais imagináveis, aliás coisas que fariam Vitor Hugo estremecer, seriam léguas e léguas pelo espaço.



O seu mundo era simples, um on ou off, ou um curtir ou não curtir, um ou dois clics, a comunicação em verbo único, rápido, rasteiro, dinâmico! Era disso que o cérebro humano sempre ansiava, pelo menos assim pensava em sua pouca vivência etária, mas sua universal relação. De uma coisa se orgulhava, seu avô, que havia sido Adido Cultural em vários países, não colecionava uma rede de amigos, que chegasse a um terço da que ele, em tão pouco tempo, construíra.



Seu mundo era perfeito e seguro, de tudo participava e nada o atingia, isso para os dias atuais de tanta violência e insegurança era tudo de bom. Sair só para ir à faculdade, com muita tensão, e retornar o mais rápido possível, não agüentava os limites da rua, se sentia em um aquário, limitado, tolhido, era pouco demais, precisava voltar ao seu quarto ao on-line e... Lá estava o mundo aos seus pés, ou melhor aos seus dedos.



- Aí... oooi... tem uma senhora ali, você não acha que deveria dar este lugar para ela sentar?

- ÃH... como? Desculpe. Você ta falando comigo?

- Claro, se toquei no seu ombro e falei diretamente olhando para você... Com quem mais estaria falando?



Nitidamente nauseado, abriu a janela e deixou o vento bater em seu rosto...



- Desculpe, você poderia repetir?

- Ôh... fecha esta janela aí, ta querendo me molhar todo?



Virou-se assustado, para ver a quem pertencia aquela voz, razoavelmente enfurecida, que “bafava” ao seu cangote. Amedrontou-se, sentiu-se ameaçado, começou a suar frio, era um contato áspero, temia por tudo, não sabia o que fazer, o que aquelas pessoas queriam e o que poderia fazer para sair daquela situação.



- Sim... E aí?! Você não está vendo que aquela senhora tem três vezes a sua idade? Não acha que deveria dar o lugar para ela descansar?

- Claro, claro, desculpe...

- Nossa! Não agüento mais ouvir você pedir desculpas...

- e aí, vai fechar essa janela ou não vai? (retornou a voz ao fundo, a esta altura já em pé sobre a sua cabeça).

- Só um estante (tentou fechar a janela), emperrou...

- Olha se você não vai levantar diga logo...



Criiii...crash...pah! Estrondou a janela ao lado do seu ouvido direito, olhou aquela mão enorme que ainda segurava a lingüeta da janela.



- Menino mole... Ta dormindo neném? Não tomou seu leitinho hoje não?



A gargalhada foi geral, de repente o ônibus inteiro parecia está sobre os seus ombros, em sua cabeça surgiam flashes que remetiam a trechos do filme do Pink Floyd...



Did you see the frightened ones?

Did you hear the falling bombs?

Did you ever wonder?

Why we had to run for shelter?*



O mundo girou. De repente a náusea, o insuportável. Aos seus olhos afiadas garras de harpias rondavam seu pescoço, olhos vermelhos o miravam, dentes tornavam-se pontiagudos; de sorrisos passavam a condição de ameaças, pensou em levantar, as pernas não obedeciam... A luz turvou, sobre a imensa montanha da sanidade os braços fecharam-se envoltos ao sol, o eclipse glaceou a Terra.



Acordou apavorado sem saber onde estava. Tudo era branco, havia sobre seu corpo um fino lençol branco que unia-se ás paredes brancas, o teto, a cortina, o piso, a porta, tudo era branco... Levantou o tronco assustado, a cabeça agitada, os cabelos em total desalinho:



- Onde estou? Que lugar é este? O que estou fazendo aqui? (tentou levantar), preciso ir embora...

- Calma, não tenha medo, está tudo bem...

- Mas como? O que estou fazendo aqui? Quem é você? Qual o seu link? Sua conexão? Não gosto de usar o Skype, prefiro digitar? A voz... esta voz... eu te conheço, conheço? Há quanto tempo somos amigos? Você disponibilizou foto?



Alguns passos e ela estava ao lado esquerdo de seu leito, era praticamente a única coisa não branca daquele ambiente, seu rosto fino e alvo, brilhava emoldurado pelos negros e longos cabelos que lhe caiam quase até a cintura, braços finos e muitos anéis prata compunham seus braços que saiam das finas alças do vestido estampado de milhares de desenhos de pequenas crianças empinando pipas, jogando peões, chutando bolas, brincando de roda... O vestido que se estendia até os joelhos, formavam um universo colorido e de uma alegria viva, tão viva que lhe despertou um largo sorriso quase unindo as pontas dos lábios à ponta dos olhos.



- Sim! Agora reconheci. Você é a voz que me falava algo no transporte... O que era mesmo?

- pedia-lhe para dar o acento para uma senhora, você sentiu-se mal, desmaiou e eu o trouxe ao hospital - (Tocou-lhe o braço), você está bem agora?



Ao sentir o toque, leve, suave e frio daqueles dedos finos, enfeitados de anéis e sentir o calor daquela voz, tão perto, em uma língua tão próxima e ao mesmo tempo tão esquecida, gelou! Sentiu-se despencando em um abismo sem fim... Quanto mais descia mais frio ficava, sentia como se seu sangue estivesse a ponto de congelar, não conseguia unir as palavras para formar uma frase, seu cérebro formava Estalactites que pingavam por seus olhos, correu o olhar sobre aquela menina de sapatilhas azul-turquesa e negros cabelos e finalmente conseguiu dizer uma pequena frase:



- Como você se chama?

- Amor.



Roger Ribeiro

12 de julho 2012.  



*Goodbye Blue Sky

Você já viu os apavorados?

Você já ouviu as bombas caindo?

Você já se perguntou

Por que tivemos que correr em busca de abrigo?