quinta-feira, 2 de junho de 2011

NORMAL MEU CARO! NORMAL.


Saiu sem olhar para trás, aliás, não olhava nada, seus olhos miravam o chão, porém sua visão estava etérea, não enxergava nada a não ser as palavras. Precisava arrancar de si as palavras exatas e, sabia bem claramente, que estas não queriam sair, teria que arrancá-las, expulsá-las de dentro de si.

Sabia que sangraria, e por não ter o costume do sangue, não tinha certeza se sobreviveria. A cada passo seu peito ia apertando, seu pulmão o sufocava, sua respiração lhe inebriava, sentia vertigem pela existência e ao mesmo tempo nada lhe garantia existir. Sentia-se inexistente.

Passava pelas pessoas como se ninguém lhe visse, jogava-se furiosamente contra o ar era como se este fosse uma montanha que tinha de deslocar para poder mover-se.

Lembrou-se de milhares de músicas ao mesmo tempo e anteviu, ao olhar uma vitrine, que sua cabeça iria estourar. Não havia sincronia em nada no seu corpo, seu andar não estabelecia relação com a respiração, o olhar com a audição, os pensamentos com os batimentos cardíacos, o que antes era oco tornou-se solidamente preenchido, o que devia ser sólido se desmanchava, nada escapava, nada.

Atravessou a rua como um suicida, gerou protestos, não notou nada, apenas sentiu um braço fino e quente enroscar-se em sua cintura e conduzi-lo a algum lugar. Qual? não viu. Foi deitado por este braço e sentiu a umidade que identificou ser de grama, permitiu-se estar totalmente impotente frente à gravidade, tombou e pousou sua cabeça lentamente sobre um colo, qual? Não sabia a quem pertencia. Fechou os sentidos e sentiu um desfalecer de alívio, apenas escutou pelo interior do colo que lhe abrigava, o vácuo racional do solfejar de uma canção:

Well I followed her to the station
With a suitcase in my hand
Yeah, I followed her to the station
With a suitcase in my hand
Whoa, it's hard to tell, it's hard to tell
When all your love's in vain

When the train come in the station
I looked her in the eye
Well the train come in the station
And I looked her in the eye
Whoa, I felt so sad so lonesome
That I could not help but cry

When the train left the station
It had two lights on behind
Yeah, when the train left the station
It had two lights on behind
Whoa, the blue light was my baby
And the red light was my mind
All my love was in vain
All my love's in*

Despertou. Sua cabeça repousava sobre uma pedra negra e arredondada, a grama estava com um forte cheiro de noite, estava bastante confuso, não sabia a quanto tempo ali estava, levantou-se, olhou ao redor e avistou o que poderia lhe ser a solução, aproximou-se e perguntou:

- Tens água mineral?

- Só vendo coco.

- (vistoriou o bolso, certificou-se que possuia algumas notas) veja-me uma natural, por favor.

- Um real e cinquenta.

- Por acaso você sabe da pessoa que estava comigo?

- Desculpe senhor, mas chegastes sozinho, deitastes e apagastes, ainda fui até você saber se estavas bem? Você acentiu com a cabeça e nada mais falou.
Meu Deus! (pensou)O que teria acontecido?

- Que horas o senhor tem? Por favor.

- (o vedendor de coco, olhou no telefone as horas) 21:00.

Pagou e apressou o passo, estava atrasado...

Entrou em um local escuro e barulhento, recebeu muitos comprimentos, sorrisos, mas nada disse. Continuava com o olhar etéreo, estava em uma interface de tempo e espaço.

As luzes azuis e vermelhas se acenderam, se viu no centro do tablado alto, empunhando uma luzente guitarra verde. Permitiu-se, pela primeira vez naquele dia, olhar a realidade, tensionou com a palheta as seis cordas e vendo no salão centenas de corações expostos fora do peito bradou:

O meu cigarro apagou
Eu vou dançar o rock and roll
E o meu dinheiro acabou
Eu me liguei no rock and roll
E o meu cigarro, o meu cigarro
O meu dinheiro acabou
E hoje eu me liguei é só no
Rock and roll
E o meu cigarro apagou
E o meu dinheiro acabou
Posso perder minha mulher, minha mãe
Desde que eu tenha o rock and roll
Meu rock and roll
Posso perder minha mulher (rock and roll)
Posso perder a minha irmã (rock and roll)
Posso perder a minha mãe (rock and roll)
Posso perder até minha avó (rock and roll)
Posso perder minha mulher, minha mãe
Desde que eu tenha o meu rock and roll!**

Roger Ribeiro
03 de junho 2011.

*Love In Vain - Robert Johnson.
** Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock and roll - Arnaldo Dias Baptista / Ritta Lee / Arnolpho Lima Filho (Liminha)