sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Que papelão!


Era cedo o sol ainda estava frio e as sombras longas, mas para muitos o dia já estava a mil. Rapazes fortes se apossavam de pedaços de rua como se fossem realmente proprietários, só faltavam mostrar o carnê do IPTU para definitivamente comprovar que aquele minifúndio urbano lhes pertencia e para estacionar ali terias de desembolsar uma quantia, que a depender de sua cara, sua idade e, principalmente seu sexo, podia ter uma variação de mais de 1000%.

Outros já não tão fortes se esgueiravam ao largo para dar o bote em senhores e senhoras mais idosas que, em respeito ao ato cívico, não se permitiam ir à vontade e, exatamente seus requintes, eram o que estas “almas sebosas” visavam, não se refutando a derrubar, machucar pessoas de generosas idades para obter algo que brilhasse. O verdadeiro ouro dos tolos.

Também chegavam mulheres, principalmente elas, com camisas estampando rostos, siglas, números e o escambau... Traziam “malocados” em seus pertences pequenos papéis com os mesmos números fotos e mimos, que seriam distribuídos, jogados ao solo, levados pelo vento em uma perfeita demonstração de como podemos emporcalhar uma cidade em fração de minutos.

Incrível é que o mundo mudou, todos perceberam menos estes que fazem a “Grande Festa da Democracia”, como “berram” as manchetes dos jornais. Estes não perceberam, e do canto daquela calçada uma pergunta ecoa e não quer se calar:

- Será que estes malditos não percebem que ao fazer as funestas carreatas, que incomodam a todos, não estão irritando e afastando qualquer possibilidade de simpatia popular ao projeto, já que este parte do equívoco de que incomodar causando engarrafamentos, usando os jurássicos carros de som (me diga alguém consegue ouvir o que aqueles pagodes terríveis conseguem dizer?), faz alguém prestar atenção no número daquele infeliz que fica berrando naquele som de péssima qualidade, que passam por você ininterruptamente, enquanto tudo o que você quer é um pouco de paz e silêncio?!

Não! Mas eles não percebem... Não percebem nada e, ao não perceberem nada, se igualam em um espectro do que há de mais retrógado, mais atrasado.

Chamou-me atenção um louco urbano que gritava em pleno pulmão:

- Não! Não acreditem neles, só São Sebastião, sangrando pelas flechadas pode nos trazer a salvação, o seu sangue não é este papel que é derramado pelo chão!

Do outro lado da rua uma moça de uns vinte e poucos anos tocava um violão surrado ao lado de uma criança que deveria ter uns quatro anos no máximo, tocava e cantava para conseguir um dinheiro para tomar café da manhã. Estava feliz e quando uma senhora abaixou-se e deu-lhe uma nota, não vi de quanto, agradeceu com um grande sorriso e disse:

- eles não valem, nenhum deles vale, nenhuma canção.

Percebi que ela estava plenamente livre, sabia que aqueles motoqueiros das carreatas eram pagos, que aquelas “militantes panfletetes” eram remuneradas, que nada daquilo era real, para ela o real era seu violão, a canção e o pão com café que tomaria em breve com sua filha, estava feliz, já não fingia acreditar na “Farsa da Democracia”, preferia o sonho da vida real.

Chegamos a tal da zona, sim digo chegamos, pois era eu, meus sapatos e mais uma ruma de gente, era gente prá tudo que é lado, todos procuravam pela sua Zona, lembrei de tempos idos e de pessoas como Iolanda da Ondina, Martinha da Barra, lembrei do que se chamava de zona e por um estranho sentido, tive vergonha de perguntar onde era minha zona, parei e perguntei a uma pessoa de crachá: - por favor, onde fica esta urna? Sabia onde era minha zona e, sabia mais, sabia que ali é que não era.

Devidamente indicado engendrei por um estreito corredor com portas azuis de um lado e do outro e que não possuía ventilação alguma; era um calor daqueles que aos poucos vai minando qualquer possibilidade de bom humor.

Mas olhei para frente e havia apenas umas dez pessoas, ora com a votação eletrônica e, com todo mundo trazendo sua “cola” de representantes seria rápido. Mais um engano. Cada vez que parecia que iria entrar alguém de minha frente... pumba!

Chegava um sexagenário membro da “melhor idade”, lá vai ele entrar e nós... bem nós no calor, na fila, uma fila que começou a me lembrar o metrô de Salvador, ou seja ela estava lá, existia, mas ninguém nunca andou.

Tudo bem... vamos manter a calma, alguém gritou:

- Viva os verdes?

A resposta foi imediata:

- Marciano não cobra dízimo!

- Colé?! (Alguém gritou) vocês querem derrubar o que resta de mata, por isso estão afiando a Serra!

-Para com isso gente!

- Vamos fazer uma festa cívica civilizada!

- A luta continua Companheiros...

Ái..., esta doeu já esperei o grito de guerra dos anos setenta que, claro veio na tampa... três garotos no fim da fila em coro entoaram:

- Alho, alho, alho companheiro é o caralh...!

Xi... o clima pesou, veio a segurança, gente de tudo que é cor de crachá, queriam prender os meninos, “desacato ao ato cívico!”, meia fila não resistiu... a gargalhada foi geral... desacato a quê? Perguntou uma senhora que dizia ter oitenta anos... acho que foi namorada do Cavalheiro da Esperança, pois de sombrinha em riste dizia que só levariam os meninos dali por cima do seu cadáver! Êta terrinha de povo que cultua sua história! Gritou uma criatura sabe lá de onde...

– Viva Maria Quitéria!

Respondeu o outro a quatro pessoas de mim...

- Maria Quitéria coisa nenhuma sua ignorante; Viva Joana Angélica...

Resposta na lata:

- Vá se fod...

Vaias tempitóricas ...

E o calor? Se antes estava uns quarenta graus no maldito corredor agora estava oitenta! O velinho votou. Saiu... todos respiraram aliviadas e... Chegou uma grávida, e depois outra velhinha e chegou um sujeito chamado Raimundo vendendo picolé Capelinha, o segurança queria botar ele prá fora, ali não podia mercar nada, mas e os votos? Ora, ora tudo levava a crer que o pau que dava em Chico não dava em Francisco! Picolé não, mas voto, vaga na fila, santinhos, passe de Umbanda, fitinhas do Bomfim, tudo se vendia...

Aos trancos e barrancos chegou minha vez. Entrei olhei bem para aquela cabaninha de papelão e a única coisa que me veio à cabeça foram aquelas pessoas que eu passava todos os dias dormindo pela calçada na Avenida Sete de Setembro, a única coisa que eles possuíam era um papelão para se cobrir.

E ali estava eu, em frente ao meu país e a única coisa que ele tinha era um pedaço de papelão a cobrir os mesmos Brasis.

Roger Ribeiro
05 de outubro 2010.

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