terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sem tensão heim!


O despertador avisou, berrou, triliííííntou até ficar rouco, era hora de acordar. Bambo olhou em direção aos ponteiros, eram 6:00 horas de uma manhã já quente, uma nuvem ao longe indicava que em alguma hora poderia cair uma chuvinha rápida daquelas que só servem para evaporar e piorar em muito a situação. Não havia jeito, o mundo estava de cabeça para baixo e nem mais a primavera era respeitada, afinal cadê as borboletas? Sim! Onde estavam elas que tão fartas eram nas frescas primaveras e agora, creio, mal nasciam e o calor já derretia suas asinhas, borboletas sem asas, que coisa ridícula.

Sem outra opção levantou-se e calculou todo o tempo de que dispunha até sair de casa, era um ser de cálculos, gostava de calcular tudo milimetricamente, a sorte era que o que possuía de calculista possuía também de anárquico senso de humor, aliás, todos acreditavam que só calculava tudo para poder rir muito dos erros dos cálculos. Vivia se atrasando aos compromissos, sentia uma brisa úmida e calculava que dali a, no máximo, duas horas iria chover... Que chovia, chovia! Mas, dali a umas vinte e quatro horas!

De tudo isso ria muito e não cansava de contar a todos os seus erros de cálculos mais recentes, errava tanto que só de filho já estava no sexto, mas dizia que não erraria mais. Encontrei um dia com Maria, a sua gentil esposa, e perguntei-lhe (meio na galhofa): “e aí Ma, quando vem o sétimo?” Ela respondeu: “não, agora ele não erra nunca mais nos cálculos, operei, fechei a “fábrica””. Rimos muito, e ela me contou que agora a diversão dele era calcular os astros para acertar o destino profissional dos seis rebentos! Fiquei na dúvida se ela acreditava ou zombava do que dizia.

Dirigiu-se à cozinha e metodicamente lavou as louças da noite passada e produziu um café da manhã para os sete - a mulher e os seis filhos - cozinhou banana da terra, aipim, fritou ovos mexidos, esquentou leite, chocolate, pão, queijo, atum... Tudo sobre a mesa junto aos pratos e talheres. Para ele mesmo, só um café quente ingerido em pé e já com a toalha no ombro.

Banho, roupa leve, beijo na testa de Maria e... Rua, lá se foi ele para um dia importante, aliás, um dia esperado, aguardado com apreensão, com uma ansiedade daquelas que parece que não irá chegar nunca, mas chegou. Era o dia, após alguns meses das provas do concurso no qual a primeira colocação lhe valeria um pouco de tranqüilidade à mente e ao coração de alguém que viveu até então no universo draconiano do setor privado.

Entrou no velho e companheiro carrinho e dirigiu-se à Junta Médica do Estado para apresentar os resultados dos exames, que com certa dose de felicidade de dever cumprido, foi pelo caminho lembrando da “odisséia” que foi as duas semanas anteriores para fazer aquela lista interminável de exames:
a)sangue, esqueceram de dizer-lhe que deveria ter ido em jejum de doso horas (teve de ir duas vezes);
b)PSA, esqueceram de dizer-lhe que deveria ter, no mínimo, uma abstinência de 74 horas (mais duas vezes);
c)Sumários, esqueceram de dizer-lhe que deveria ser a primeira urina do dia, pois multiplique também por dois, começou a achar que os múltiplos de dois dominavam a vida na Terra.

Bem, mas havia vencido! O que poderia ter sido feito em, no máximo três dias, levou quinze para ser realizado, porém para quem esperou tanto... O que eram quinze dias não é mesmo?

Chegou ao local, parou o “Demolidor”, simpático nome de seu automóvel, aliás, carro, automóvel é outra coisa, no estacionamento do supermercado que fica próximo e dirigiu-se à aguardada Junta Medica do Estado. Chegou a um centro cheio de prédios medianos e perguntou ao simpático porteiro geral que estava em acirrada disputa filosófica a respeito do Campeonato Nacional de Futebol, após uns cinco minutos se fez notar e adquiriu a informação necessária. Entrou no prédio certo e foi à atendente, perguntou se era ali a Junta Médica, recebendo uma resposta com um mero balanço de cabeça e um papel velho imundo com um número e a frase: - “sente e aguarde, chamarei pelo número”.

Escolheu uma cadeira que estivesse na mira do ventilador, sentou e olhou as horas, eram 08h30min, pensou: “beleza, sairei cedo, levo ainda hoje o apto e tomo posse!” Seria a glória... Seria!
- Número 12.
Opa! Chegou, levantou-se e voltou ao já visitado balcão.
- Os documentos.
Retirou os documentos de dentro da pasta e apresentou. Ela começou a examinar, ele aguardava e ao mesmo tempo pensava: “ela não me olhou nem uma vez... Deixa disso, se ela olhar a todos que aqui chegam irá perder pelo menos uns 10 segundos em cada atendimento o que no fim será um atraso significativo – (eis um homem de cálculos).
Eram já 09h20min, e veio a sentença:
- Falta o carimbo deste exame.
- Como? (falou tremulo).
- Falta o carimbo deste exame.
- Mas minha amiga, todos os outros tem o carimbo, olha este aqui foi feito no mesmo laboratório e tem o carimbo.
- Mas este não tem.
- Olha minha linda, (um gracejo nervoso), este laboratório fica do outro lado da cidade...
- Só o que posso fazer por você é garantir que quando retornar não precisará pegar esta fila novamente.
- Tá bom, fazer o que né? (descobriu neste instante que não haveria argumentação possível para demovê-la).

Entrou no carro - calor absurdo, engarrafamento, atravessou a cidade e foi ao laboratório. Entrou esbaforido falando:
- Por favor, preciso de um carimbo neste exame!
A atendente pegou e respondeu:- “sinto muito, aqui é apenas recolhimento do material, as bioquímicas ficam na outra sede”.
Ele nem sabia que havia outra sede:
- e onde ficam as bioquímicas?
- Na sede da Pituba!
Ele gelou, andou uns quinze quilômetros só de ida e a tal da sede estava a apenas uns dois quilômetros no máximo da Junta Médica. Saiu “voando, atravessou tudo novamente, chegou à sede certa, pegou o carimbo e correu para a Junta.
Era meio-dia e vinte quando chegou, dirigiu-se a atendente (a mesma), e disse-lhe:
- É hora do almoço né?
- Não senhor, aqui não paramos.
Maravilha! (pensou) A sorte havia mudado, devem ser os cálculos astrológicos entre a manhã e a tarde. Entregou novamente os exames que foram vistoriados, aprovados com um leve balançar de cabeça e, ainda sem olhar para ele, entregou-lhe outra ficha numerada e disse: - “dirija-se ao quarto andar à esquerda e apresente a ficha”.
Realmente não havia interrupção para o almoço, mas das seis médicas que periciavam até as 14h30min só ficava uma que creio, havia perdido o sorteio.

Às 16 horas foi chamado, estava faminto, não havia almoçado. Muito suado, calculava o que havia passado entre o acordar e aquele momento histórico.
- Boa tarde, tudo bem?
Perguntou-lhe a médica, que como não viu entrar, presumiu ter sido ela que havia perdido no sorteio. Sabia que tinha de conter a fúria contra a burocracia que lhe massacrava o ser. Respondeu-lhe tentando ser gentil e alegre:
- Tudo bem!... Tirando a fome!
Ela sorriu, perguntou que horas havia chegado e mais um monte de coisas bobas, enquanto vistoriava e analisava os exames. Chegou à conclusão que tudo estava ótimo... Só faltava o último passo, medir a tensão.

Puf, puf, puf, apertou o braço dele e...
- Nossa sua tensão está muito alta!
- Minha senhora, com todo respeito, mas depois de tudo que passei neste calor infernal, sem almoçar, sem nem mesmo beber um copo d’água se minha tensão não estivesse alta eu estaria morto!
Ela não gostou. Levantou, olhou-o de cima para baixo e decretou:
- preciso de um parecer exato de um cardiologista, procure o de sua confiança faça os exames e depois volte.
- Mas...
- Boa tarde senhor.
Pensou em voar no pescoço dela, em desistir, em pular pela janela...
Pegou o veredito, botou debaixo do braço e saiu, esquivando-se, apressado, temeroso de que o sol, enfim, caísse-lhe sobre a cabeça! Já na rua... Recebeu a do cutelo:
- Aê tio, sem tensão... Dá um trocado prá completar meu almoço?

Roger Ribeiro.
16 de novembro de 2010.

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