terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Qual o seu plano?



Para Maurício, um sábio amigo.

Por aqui é assim mesmo, os dias não nascem apenas por nascer. Existe sim, claro, o dia que nasce preguiçoso e deixa a cargo dos seres terráqueos a função de fazê-lo acontecer, mas tem dias que as conjunturas já se pronunciam, é nesta hora que o dia já nasce atento, ou como dizia Dona Beré em sua sabedoria sino-recôncava: “o dia nasce de olho aberto!”.

Há algum tempo atrás, em uma tarde marrenta, calorenta e úmida dirigi-me ao Largo Dois de Julho, para espantar o calor sorvendo um “pão líquido”, como definitivamente e sabiamente define a velha cervejinha a nossa Rita Bacana. Não havia marcado nada com ninguém, porém as sintonias transitam pelo imponderável e quase simultaneamente chegamos para ficarmos sob a jurisprudência gentil de Manoel, que rapidamente nos levou, eu, o Barba e o Gordo para uma mesa de alumínio fresca, já empunhando uma “ampola” do nosso pão “líquido”, assim do nada já estávamos no velho e bom Líder. A tarde iria render.

A prosa começou com o eterno sorriso largo do Gordo, que nunca escutei falar na primeira pessoa do singular, de sua boca a pronúncia era sempre o nós. Esta era a pessoa que ocupava o seu universo, o nós. Pois assim disse:

- Os meninos estão dispersos demais.

Uma pausa foi feita para se ter a clareza do dito. Nesta pausa quase que um livro inteiro passou na minha cabeça (O Solara da Fossa). Realmente era uma verdade, os meninos estavam dispersos. É algo que se passa de geração em geração, acontece principalmente com nós meninos, olhei para Barba que neste momento fitava seriamente suas velhas botas pretas, e verbalizando parte do meu pensamento disse:

- Mas Gordo, esse é o caminho natural, principalmente para os garotos, esta necessidade de ruptura de laços para transpor a fase infantil para a fase adulta.

Mais um tempo de pausa, e finalmente o Barba resolveu entrar na questão:

- Sim é verdade, parece que este movimento pendular não irá se romper nunca. Nascemos com a essência sutil aberta, até determinado momento somos como que um seminário de aprendizado, agregamos a nós talentos que vão se somando aos nossos e de pedacinho em pedacinho, de pessoa a pessoa que agregamos a nós, formamos um grande mosaico, um todo que adentra no mundo como a Escola de Samba no Sambódromo. Simplesmente invade sem pedir licença e, encanta.

Sim, pensei, é assim mesmo. Lembrei da frase inicial do Gordo, as idéias foram se conectando: café, estúdio, jornalismo, composições, etc. Tudo isso que um dia formou um único corpo agora formava partes que mantinha-se educadas, “aqui nessa casa ninguém quer a sua boa educação”*

- Estupidez eterna! (retomou a palavra o Barba) Abandona-se a essência sutil para inflar o ego, a camada mais densa, perde-se a noção do mosaico, da somatória, no lugar de fortalecer a generosidade e a ingenuidade desprovida de ambições desmedidas, isola-se acreditando que um homem deve tornar-se arrimo de sua vida, só. Desapega-se do coletivo rico e composto, para o minimalismo individual e frágil.

Ouvindo o Barba lembrei-me das olheiras de Tom Zé, tomando café da manhã na Padaria Santa Marcelina em Perdizes, que, em uma leitura minha muito minha, parecia perguntar atônita aonde andava a turma? Era época de um suposto ostracismo, mas que como hoje fica claro, nunca deixou de ser gestor.

“Todos os dias eu faço força pra lembrar,
Coisas pequenas que eu nunca pude reparar direito,
Onde será que andava o mato do jardim,
E os bichos da noite,
Que eu nunca ouvi tão alto assim?”**

- Precisamos quebrar este ciclo vicioso, (retomou o raciocínio o Gordo), é preciso fazer alguma coisa.

O tempo entre aquele encontro passou, a idéia central jamais se perdeu, mas como disse, nesta terra existem caminhos que não se explicam apenas se aplicam e se aprende com eles.

Um dia o Gordo, do nós, fez questão de ficar sozinho e assim só partiu para uma nova viagem, mas por que ele do nós neste dia quis ser o eu?

Os dias seguem seu curso, mas o aprendizado fica. Pelo menos para os que ainda se permitem ter tempo para ler os signos da vida.

Roger Ribeiro
07 de fevereiro 2012


*Volte para o seu lar – Marisa Monte
**O brilho das pedras – Sá, Rodrix e Guarabyra

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