terça-feira, 6 de março de 2012

Bem que Rita Lee avisou



Tumulto generalizado. Do outro lado da rua as pessoas se espremiam na calçada para acompanhar. Ninguém sabia ao certo o que ocorria, mas os gritos eram altos. Pela vitrine, entre os itens expostos, viam-se cabelos de várias tonalidades rodopiarem como se fosse um show de heavy metal. Era o caos e, assim como no famoso samba de Aldir Blanc, rapidamente chegaram pipoqueiros, mercadores de queijinho coalho, picolé, cerveja, refrigerante e água mineral... Enfim: de um tudo.

No interior do ambiente a situação pegava fogo, para cada uma que saia, toda desgrenhada, entravam pelo menos três, parecia estas coisas combinadas pelas redes sociais da internet. De repente saíram três mocinhas de vestidinho colorido e florido e com sandálias rasteirinhas vermelhas e, isto parece incrível em se tratando do gênero feminino, iguais... Sim! Pode acreditar no que digo, eram idênticas e se vacilar, ainda eram do mesmo número.

As três, de braços dados formando uma corrente, sorriam muito, pareciam que estavam saindo de um grande baile e não daquele furdúncio que simplesmente parou o comércio, fechou lojas, tencionou a situação a ponto de a polícia ser chamada. Logo que as três saíram ouviu-se a sirene da viatura policial chegando a mil e parando na porta daquela que era uma das boutiques mais finas do comércio local. De dentro da tal boutique, ao avistarem a chegada da viatura começaram a sair mocinhas apavoradas, exigiam providências imediatas:

- Vocês precisam fazer algo urgente!
- Umas loucas, nunca fui tão humilhada, detenha-as.
- Elas foram por ali...
- Tomem cuidado são perigosas...

Por fim o responsável pela viatura, usando de sua autoridade, conseguiu falar alguma coisa:

- Pelo amor de Deus, calem a boca! Uma de cada vez, por favor. Quem é a responsável por isso aqui?

De dentro da loja, cambaleando, saiu uma jovem de seus, no máximo trinta anos, toda desgrenhada, vestido todo amarrotado, maquiagem borrada e com apenas um dos pés ainda sustentando uma sandália de salto alto. Chegou e conseguiu balbuciar:

- Sou eu meu senhor, mas estou em estado de choque não tenho como declarar absolutamente nada. Lourdes! Lourdes minha amiga, pelo amor de Deus pega uma água para mim.

A viatura da polícia estava mais cercada de beldades do que a cabine do DJ Roger’n’Roll, era uma verdadeira loucura, elas falavam todas no mesmo momento, perguntavam e respondiam simultaneamente. De uma hora para outra percebi que os olhos dos quatros agentes da lei, estavam atordoados, um se apoiava no outro nitidamente para não ir ao solo. Não sabiam mais o que fazer, foi quando o comandante, tentando manter aquela voz de autoridade, perguntou:

- Sim, mas o que foi furtado? Houve saque? Danos? Ou seja, minhas amigas, o que está acontecendo aqui?

- O senhor não viu?
- Não senhorita, não vi nada.
- Mas elas saíram daqui neste instante!
- Infelizmente creio que chegamos um pouco depois. Mas vocês podem nos definir o que realmente está acontecendo? É necessário pedir reforços? Elas estão armadas?

O silêncio foi geral. De repente todas pararam ao mesmo tempo e se entreolharam, olharam também a multidão ao redor e, foram saindo, saindo... Até que apenas a Lourdes e a responsável que não parava de beber água, estavam junto ao responsável pela lei e pela ordem. Enfim este olhando fixamente para as duas ordenou:

- As senhoritas podem finalmente me explicar o que houve aqui, ou terei de levá-las à DP?

A nossa desgrenhada responsável pela boutique começou enfim a balbuciar:

- sabe o que foi seu guarda...? Estávamos todas na loja felizes quando as três entraram. Neste instante o tempo parou. Queriam sandálias vermelhas e rasteiras. As freguesas da loja olharam para elas, era algo como os Beatles chegando aos Estados Unidos, tudo ali era leve, belo, musical. Seus vestidos eram uma valsa de Strauss, seus cabelos eram o “Satisfaction” dos Stones, seus sorrisos as canções de Marisa Monte, mas até aí tudo estava razoavelmente sobre controle, porém, foi exatamente no momento em trocaram os sapatos que calçavam pelas sandalinhas vermelhas, que ...

- Comandante (interrompeu um dos ocupantes da viatura), encontramos as três. Estão ali naquela Taberna. Escuta só.

E o que se ouvia por toda a rua era como um bloco na rua em pleno carnaval cantando feliz:

“Três meninas do Brasil, três corações democratas
Tem moderna arquitetura ou simpatia mulata
Como um cinco fosse um trio, como um traço um fino fio
No espaço seresteiro da elétrica cultura (...)”*

É simplesmente impossível descrever o efeito alucinógeno daquelas sandálias vermelhas sobre o asfalto negro.

Roger Ribeiro
06 de março de 2012.

*Meninas do Brasil – Moraes Moreira

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