Para meu amigo que sofre do coração.
De domingo a domingo esteja chovendo ou ensolarado,
não importava, lá estava ela impávida sobre a Pedra do Peixe ao noroeste-próximo
do Farol da Barra, poucos a viam. Todos os dias centenas de centenas de pessoas
passavam passeando, correndo, de automóvel, bicicleta, skate, de mãos dadas,
abraçados, absortos, loucos, enfim de tudo um pouco, mas poucos ou quase nenhum
a enxergava, parecia coisa resguardada aos poetas, aos estetas ou aos aluados.
Apesar de tudo isso, estava ela, sempre de
uma elegância impar com seus vestidos de levíssimos tecidos de florido bordados
à mão de tamanha beleza e delicadeza que só poderiam ter sido incrustados naquele
tecido por mãos de fadas, não qualquer fada, mas do tipo das que criaram o vestido
da Gata Borralheira. Os pés descalços confundiam-se com o brilho do sal nas
pequenas poças d’água que formavam oásis para pequeninos peixes na escura e
inabalável rocha negro-chumbo.
Por solfejar intermitentemente uma linda
melodia, aqueles que não a viam, mas que a ouviam, costumavam chamar aquele
local de “morada das sereias”. Os que viviam do mar temiam; nem as ondas
violentas das ressacas de março ousavam tocar-lhe, apenas a fresca brisa
nordeste lhe acariciava e fazia flutuar seus imensos fios de cabelo azuis que,
os contadores de histórias desta terra, desde tempos de Monan e Maire, portanto
anterior à chegada de Cristo ou Oxossi por estas terras, narravam que as pontas
destes cabelos apagavam as pegadas das virgens nativas nas areias de uma das
Ilhas mágicas, que se petrificou, saindo do hiato entre a Terra sutil e a Terra
sólida com a chegada de Martin Afonso de Souza que a denominou de Ilha de
Tinharé.
Não se tratava de uma jovem, os sulcos em sua
face demonstravam que ampulheta havia virado por várias vezes, seus olhos
negros confundiam-se com as Marias-Pretas, rápidas e abundantes nas poças que
rodeavam aquela pedra, conseguiram permanecer abundante por terem pouca carne e
muitas espinhas, o destino lhes foi benevolente. Enquanto o sol brilhava
atinha-se a terra, lia com muita atenção a fisionomia de todos que passavam.
Nada dizia. À noite voltava-se para o horizonte marítimo e postava-se como em
oração. Nada dizia.
Apenas quando os poucos que a enxergava
chegavam e mansamente sentavam ao seu lado parava de solfejar e atinha-se de
corpo e alma ao que lhe era narrado. Jamais se apressava em emitir parecer, o
tempo lhe era grande aliado, sabia ouvir os sinais da natureza, não bastavam as
palavras, era necessário ouvir a brisa reverberar no som das palavras, o sol
estalar na pele do narrador, havia muitos sinais que iam além dos limites
impostos pelo que seus bloqueios mais sutis permitiam falar, e era exatamente
ali que podiam estar os caminhos possíveis.
Por vezes sentia que o vento perdia a rota,
sentia pelos fios dos cabelos que saiam da reta e rodopiavam perdendo a cor
azul-água corando-se de verde-esmeralda que a emoção daquele corpo estava
confusa. Os pássaros marinhos não ousavam se aproximar muito menos piar nestes
momentos, de longe observavam as mudanças melódicas, aliás, do Morro Ypiranga
ouvia-se:
“Quando o riso se perde da face
E a tristeza invade
Entre o céu e o mar (...) / as gaivotas (...)”*
E a tristeza invade
Entre o céu e o mar (...) / as gaivotas (...)”*
Em um destes
momentos, quando o seu acompanhante iria começar a narrativa, levantou a mão
pedindo-lhe que nada dissesse, colocou levemente os dedos sobre seus lábios e
fechou os olhos para poder ouvir o vento e o sol naquele corpo, os odores que
surgiam naquele momento, a reação dos peixes e das aves, foi neste momento que
me viu voando entre o sol e seus olhos, sombreando-os, sorriu largo para meu
voar! Voltou-se para o seu acompanhante e baixinho lhe falou:
- Amedrontamo-nos
com o só por temermos ter de nos aceitar.
Seus cabelos
retornaram à rota, agora em um azul-marinho vivo. Seus longos cabelos nas
pegadas nativas – o tempo.
Roger Ribeiro
08 de maio de
2012.
*Vôo Rasante – Lui
Muritiba
** Hermes
Que lindo Roger !!!! Muita poesia
ResponderExcluirEngraçado e que eu cantei Vôo Rasante sexta passada la em Nazareth, em Portugal quando vi aquela paisagem grandiosa do alto !!!
beijos e saudades
Belo !
ResponderExcluirSem palavras ...
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