terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Curto Circuito


 
Ela o mirou de longe, na realidade ele passava pelo outro lado da rua, mas ela sentada por detrás do tabuleiro seguiu os seus passos até que ele desapareceu dobrando a esquina. Nada disse apenas re-arrumou as folhas que havia posto acima do tabuleiro, sussurrou algumas palavras incompreensíveis, limpou os dedos no vento que corria e retornou ao seu afazer.

 

- Completo...?

 

Na outra ponta, o rapaz seguia seu caminho distraidamente, tão distraidamente que não percebeu que aquele vento que lhe estremeceu o corpo não seria algo normal em um final de primavera ao meio dia de um azul escaldante, não se deu conta, entretido estava com seus vagos pensamentos e vagando com eles permaneceu.

 

De costume há anos só saia entre as 11:00h e às 14:00h, pois só neste intervalo a linha composta pela sombra dos fios estavam em posicionamento adequado para que pudesse trafegar. Só andava por sobre estas sombras, se sentia energia pura! A matéria que, por ventura, alguém enxergasse não passava de miragem, alucinação, ou simplesmente um condicionamento coletivo constituído a partir da consolidação do “capitalismo selvagem”, como costumava protestar.

 

Ele não. Era energia máxima, podia transpassar o universo por dentro de fios, cabos, fibras ópticas, condutores e receptores de forma geral. Vivia em um emaranhado de redes de conduções que simplesmente interligava todo o universo terrestre, por isso mesmo, apesar de aos olhos de nós humanos parecer ser um solitário andarilho urbano, tratava-se na realidade de um ser único. Para que você possa entender, o mais próximo que temos em relação a este estranho personagem é a construção literária do Surfista Prateado.

 

Hoje caminhava, concentradamente, pela trama de sombras de fios entre o Largo da Vitória e o Farol da Barra, evitava o trajeto da Vitória/Campo Grande, pois apesar de achar muito belo, até onde conseguia enxergá-lo, sabia que os seus condutores estavam, naquela área, com bastantes interrupções geradas pelas copas das grandes árvores, porém não se queixava afinal, e sempre disse a todo o pulmão, e olha que pulmão de energia tem no mínimo duas fases, que as árvores eram suas irmãs ancestrais, pois sempre foram as verdadeiras antenas de ligação entre o impalpável interior e o invisível externo!

 

Eu por minha vez sempre tive o hábito de trafegar pelo trecho da Avenida Sete alcunhado de Corredor da Vitória, isso também vem de velhas datas, desde o tempo do “bar Crivos”, um dos berços da música desta cidadela, e olha que são muitos, até os quase diários passeios de mãos dadas com a mais bela pétala morena que Minas deixou escapar por suas montanhas. Como o “Crivos” não existe mais e a minha pétala morena enfeita outro jardim, encontrei no meu amigo, equilibristas de fios, razão para continuar freqüentando, este tão frondoso Corredor.

 

Sento-me em um tamborete junto ao isopor de Dona Marta, que por sua vez fica ao lado da Baiana Chica, refiro-me à vendedora de acarajés e outros quitutes e não às naturais do Estado, e ali fico de prosa com uma turma que foi se juntando com o tempo e onde, se não estiver chovendo, pois pode dar curto-circuito, o meu amigo equilibrista passa.

 

Com o tempo e de tanto oferecermos acostumou-se a parar, equilibrado na sombra da junção de um entroncamento de fios, para beber água e dar “dois dedinhos de prosa”, aliás, estes “dois dedinhos” foram após meses, mas enfim confiou parou e passou a narrar suas aventuras pelo mundo da velocidade e de como, de micro explosões em micro explosões, foi moldando novos seres que a humanidade não mais permitia ver pelo excesso de luz criada.

 

Discorria por um bom tempo sobre o porquê o homem necessitava das luzes artificiais? Porque às 12 horas de luz não lhes eram suficientes? E quanta coisa este mesmo homem perdia contato por não perceber as energias da noite, os ventos, a água correndo nos seixos, o sal que se tatuava na rocha após a explosão de um amor furioso entre a onda e a pedra, o voar das criaturas da noite, o mapa que as estrelas traçam para guiar sua emoção. Por esta falta de coragem, dizia: o Ser Humano sempre temeu o eclipse, nunca percebeu que ali se abre o portal.

 

Ao resto do mundo, ele não passava de um louco, para nós era um ser que conseguia nos fazer enxergar nas fagulhas que estalavam no ar, quando Dona Chica iniciava a ascender seu fogareiro, bailarinas lindas rodopiando!

 

Um dia o equilibrista não apareceu, passaram-se dias e... Nada. Ninguém sabia dele, procuramos, fomos a todos os lugares possíveis de ter alguma informação, nada. Por fim resolvemos, um dia, ficamos todos até o anoitecer. Até a luz se desdobrar por detrais dos mega prédios da Vitória. Quando o sol desceu e a noite começou a cair, do nada, as luzes se apagaram, só havia as bailarinas que saiam do fogareiro da Chica e de tantas outras Baianas rodopiando no ar.

 

Disseram depois ter sido um apagão por razões desconhecidas, mas enfim a cidade da Bahia pode vivenciar:

 

“As criaturas da noite
Num vôo calmo e pequeno
Procuram luz aonde secar
O peso de tanto sereno (...)”*

 

Roger Ribeiro

11 de dezembro 2012-12-11

* Criaturas da Noite – O Terço

 

 

 

 

 

 

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