sábado, 26 de dezembro de 2015

Escala venosa e arterial


 

Encontro, juro, em meio ao nada, um coração trincando, dentes rosnados, cerrado. Seco acima do Sertão, encurralado como um Cordão de jovens apaixonados em alegorias de carnaval, alegorias, quem sabe, históricas?


- Menino saia da rua. Isso é coisa para gente de família!


Algo dizia que aquele coração andava sobre papeis de arroz. Naus que deixavam em seus sulcos algo púrpuro, algo como um blues do Cassiano, um devaneio do Cervantes, uma jogada errada do errante, uma gota d’água na testa do mal pensar, mas deixemos de filosofar, posto o nosso, perdoou-me a ousadia de dividir com te o que criei para mim, mas se assim não fores... que farás lendo este relato de data imprecisa?

Isto claro; por volta do início do texto, ele, sabe lá (menor) quem? Encontrou, largado sabe lá (agora maior), um coração. Problema? Sim, claro..! Qualquer um que encontre um coração estará, irremediavelmente, adquirindo um problema. Mas vamos em frente:


Pergunta o “achante”.

- Mas! ... O que faz aqui este ser que apenas não cumpre a sua função de bater? Aqui às minhas costas há um relógio, fico intrigado com o talento rítmico do mesmo, bate-bate-bate, não perde um tempo, um metrônomo para as idéias, um desastre em sendo mal usado, afinal é um verbo ousado e como tal exige superação – extra sensibilidade extraordinária.


Bom, sem expiração para responder, afirmou ter, o ser, e também o ver (este é mais difícil), segredou ser apenas um som, dizia:


- Tudo o que pensas ver, não passa de sons.


Batia, sorria e ardia o coração. Dizia nunca ter conhecido uma célula com tanta vontade de gostar. Padecia de imaginar que em muito, ou quase tudo, o que está por detrás de todas as varizes das artérias, era o gostar, o desejo de que o meu gostar seja mais gostar do que todos os gostares, “(...) que gente maluca tem que resolver (...)”.


Nada naquele instante se fazia mais presente do que aquele coração, encontrado em meio a uma constelação, afinal poderia ser muito bem o último de uma geração, ou pior: de uma gestação. Êta planeta confuso, aliás, desculpe, êta serzinho confuso...


Não seria muito mais simples apenas admitir que, ali estava em carne, sem osso, uma presença intergaláctica, interfásica, uma luneta a ver o olho do ser, seu lume? A transubstanciação ao bater o garfo na tirrina vertendo a clara em neve, o desmaio no espanto ou, simplesmente, em reta a estrada de Santos?


Lá íamos já longe quando finalmente consegui encontrar o momento certo, justo - disparei:


- Mas afinal, quem és? De onde vens? Para onde vais?


O sólido que existia entre meus braços, desapareceu.  

 

Roger  Ribeiro.
22 de dezembro 2015

 

22/12/2015

Um comentário:

  1. Lindo! Um presente de natal,estrela, intergaláctica, um tesouro do lado esquerdo do peito.

    ResponderExcluir