segunda-feira, 9 de maio de 2016

Tino deu o fora!



 



- Tino, pare imediatamente com isso. Tino volte aqui.

 
- Tino, pare imediatamente com isso. Tino volte aqui.
A voz era incisiva e impositiva, porém Tino, que trata-se de um cachorro destes que tem a cara toda amassada e o corpo “toleital”, nem tchumf, caminhando estava, caminhando continuou. Nem uma olhadela de nada, absolutamente, não era com ele que aquela moça gritava.
- Tino, já te avisei...aos berros) volte já aqui!
Neste instante aparece na cena, o ajudante da jovem. Bem, nem tão jovem assim. Digamos da jovem senhora. Tratava-se de um distinto senhor, destes que usam bermuda branca com cinto marrom, meias esportivas ornando com aquele sapato de couro branco, Os cabelos ralos, lisos e grisalhos dava-lhe um ar nobre, algo meio “Orléans e Bragança”, sabe como é?!
- Não seria melhor ir buscar o osso? – perguntou o nosso nobre ao que recebeu de nossa jovem senhora histérica apenas um olhar. Nada mais do que um fulminante olhar.
Tentou pega-lo, o abraçou, ele apenas continuou andando sem prestar a mínima atenção, foi o suficiente para a jovem abraçadora se estabocar no chão berrando impropérios ao impávido Tino, e saiu em disparada atrás do totó. Ela nitidamente raivosa, ele na mais perfeita paz, o nosso nobre contentava-se a ir andando a passos lentos, acho que tentando, telepaticamente, fazer o Tino perceber que pessoas daquela posição social não pediam estar entre os gramados do condomínio de praia, correndo atrás de um cachorro. Cheguei a ver um balão de quadrinhos sobre sua cabeça escrito: onde andavam os criados?
De imediato identifiquei-me com o Tino e passei, silenciosamente, claro, era eu que estava no campo do adversário, a torcer pela sorte daquele cachorro que parecia um tolete albino. Passei a imaginar, caricatural e meio preconceituosamente , o cotidiano do Tino: desjejum de água fresca e ração dura e seca, ao final de tarde, outra bacia de água e ração dura e seca. Durante os telejornais nenhuma palavra, muito menos latidos, podiam ser proferidos, na hora da novela então, vixi, aí era correr risco de expulsão e excomunhão.
Crianças fedendo a talco, de roupas de frufrus a apertar a garganta do bichinho enquanto o gorducho, orgulhoso, mostrava a todos como seu garoto era forte e destemido, esta loucura aos domingos, todos os domingos... Ah! Se Deus fosse cachorro, duvido que inventasse o domingo.
Durante a semana, menos mal, a jovem senhora com seus milhares de afazeres sociais e o nobre em seu escritório resolvendo os problemas do mundo... Dizendo ele. Tino ficava em paz, só era lembrado na hora que sobrava uma comidinha e uma boa alma lhe dava às escondidas, no mais era como se não existisse, nem ele, nem ninguém ali, por isso, cheguei a grande conclusão: ele continuava andando pra onde seu nariz aponteasse, afinal aquelas pessoas não existem,aquele local idem, nem ele próprio existia, em sendo assim... lá se ía, como diz a música – “sem lenço e sem documento”.
De olho colado na cena, descuidei-me e acabei saindo do anonimato para dentro do roteiro. A jovem senhora me viu e, pior, no momento em que estava com um sorriso de prazer profundo colado no rosto. Não havia dúvida alguma de que naquele embate estava eu ao lado do nosso Dom quixote de quatro patas. Ao me ver saiu imediatamente da condição humanamente descontrolada, descabelada, enlouquecida para a pose da Rainha da Inglaterra, apressou o passo e disse alto para que chegasse a mim:
- Isso mesmo Tino, vamos passear! Você está muito gordo, necessita fazer exercícios, vamos.
Tino nem tchunf, como antes, continuou reto em busca do seu Nirvana, após um tempo descruzamos os nossos caminhos e os perdi de vista, mas continuei sorrindo e pensando:hoje a madame vai passar um dia de cão.
 
Roger Ribeiro
06 maio de 2016.



2 comentários:

  1. Uma cena como essas, é pra Tino desatinar! Mas ele é da sua praia,o que importa,é que tendo borboletas e calçada boa para trotar,a poesia, enche a barriga.

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  2. O título também poderia ser, a revolta do cão petralha!! Rs

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