segunda-feira, 1 de março de 2010

Quer sambar comigo?




“Pra que mentir
Se tu ainda não tens
Esse dom de saber iludir...”*

Pequenina, com a pele bem moreninha, cabelos brilhantes e os olhos apertadinhos e sempre úmidos. Eu não me incomodava de olhar para ela, passava horas, absorto, vendo-a trabalhando, conversando, por vezes sorrindo, mas o seu natural era sério, concentrado. Consegui, após muito tempo, o mínimo de aproximação, aquela do cumprimento um pouco menos formal, um convite para almoço quando em grupo e... Nada mais.

Passei a olhar as vitrines das lojas e a imaginar como ela ficaria bela com aquele vestido, ou aquela blusa, também, neste momento, me alegrava de ela não está enamorada de mim, pois era época de poucos recursos e seria para mim difícil satisfazer os desejos dos meus olhos de vê-la trajando um daqueles modelos floridos que parece que foram feitos para acariciar aquela pele quase “jorgeamadiana”.

Não pense você que não tentei aprofundar o teor dos nossos encontros, claro que tentei. Lógico que do meu jeito que, segundo uma velha amiga, é respeitoso demais, tem de ser mais agressivo, lascivo, até um pouco desrespeitoso mesmo, algo assim no limiar de ser um verdadeiro cafajeste. Segundo esta minha amiga, as mulheres negam, mas amam os cafajestes. Dancei nesta.

Creio que já vivi o bastante para aprender, acredito que já magoei bastante e também já fui muito magoado. É a vida, não é mesmo? Não nos bastamos e nem nos contentamos, é uma correria sem fim para um lugar no qual nem mesmo sabemos onde é mesmo, mas só descobrimos isso quando chegamos lá, ou próximo de lá e nossa eterna insatisfação já começa a nos apontar para uma nova direção. Como se diz aqui em Salvador, principalmente as pessoas gordas - “aff... dá uma canseira danada”.

Às vezes sinto esta canseira também, por vezes tenho até vontade de me matar, mas não assim para sempre, por uns três ou quatro dias, sabe como é? Acho que deveríamos ter essa opção, viver o tempo todo não é nada fácil. O pior é que além de não termos a opção da morte com início meio e fim programado, ainda existe a certeza, pelo menos assim pessoas sérias me garantiram, de que quem atenta contra a própria vida fica a vagar. Vixi! Aí já é demais, morto-vivo, sem descanso, penando pela eternidade! Já imaginou?

Sendo assim, limpo rapidamente essa idéia da cabeça e tento me conformar. Uso e abuso de senso comum, das frases feitas e repito várias vezes para mim: tudo passa! A vida muda em fração de segundos... você vai ver, quando menos esperar...!

Vou repetindo isso e “tocando o barco”, tem jeito não. Se pelo menos ela resolvesse ocupar o “quarto e sala” do meu coração! As coisas realmente poderiam mudar. Sim, tenho certeza de que mudariam. Mas para melhor ou para pior? Essa é uma dúvida pertinente, como já frisei acima, já vivi o suficiente para conhecer um pouco da alma sádica da raça humana. Não é por maldade e nem pense que estou generalizando não, é algo constitutivo do ser humano, ele possui esta dose na síntese de sua química, normalmente ele chama-a de amor, quando o grau é mais elevado: paixão.

Mas não pense que sou daqueles chatos céticos, niilistas que acham o homem um ser mal, ruim de todo e que praguejo para o universo contra a existência deste ser. Não, não e não, nada disso! Muito pelo contrário! Adoro este ser exatamente por isso. Gosto de ser atormentado de amor e chegar mesmo ao puro delírio vampiresco que se instala nas paixões. Concordo com o Peninha, o compositor, não o amigo do Donald, “saudade (um dos muitos sinônimos de amor), até que é bom, é melhor do que caminhar vazio”. Além disso, temos alguém para falar mal, o que retira os nossos olhos do nosso próprio umbigo.

Não pense que não me divirto. Claro que me divirto e muito observando esses preenchimentos humanos. Fico em estado de graça quando percebo que ela, com seus olhos miúdos e úmidos, finge que não percebe que estou deitando-lhe o olhar do desejo. Ela gosta, claro, quem não gosta de ser desejado? Mas ela diz, com o olhar, que não me vê, atriz das melhores, sorri do meu sorriso de dente travado. O “três quartos com duas suítes, do coração dela, está locado ou vazio, porém fechado, e eu não tenho a cópia da chave! Paciência, “é melhor do que caminhar vazio”.

Tenho um amigo que casou com uma menina muito bonitinha, ali eu aprendi muito de como se chega ao mais alto grau de sadismo entre duas pessoas, eles se massacravam mutuamente até a exaustão. Por vezes temi até um desfecho trágico, a coisa não era fácil, pois era um jogo onde se queria chegar ao limite do limite. Acho que por vezes eles também devem ter pensado naquela morte quimérica de dias marcados, ainda bem que percebiam sempre a impossibilidade dessa benção.

Depois deles e de muitos tropeços pessoais concluí que deveria existir uma escola da vida, sim uma escola onde o serzinho, quando passasse a ter forma individual, se matricularia e começaria a estudar o ser humano, o gênero, a tragédia, a comédia e o grande mediador: o amor. Este que, quase invariavelmente, nos sambas, veja que estou falando de SAMBA, não vá confundir, rima com dor. Se você torceu o nariz, achou que não é bem assim, conte quantos sambas exaltam a vida feliz de um casal? E quantos choram a perda da mulher amada? Se tiver intimidade, vá logo à fonte e pergunte ao Paulinho da Viola!

Pois nesta escola minha velha amiga ensinaria aos jovens, pretendentes a homens, a ser quase um canalha, as meninas aprenderiam a dizer fique com a boca e se vá com os olhos, os sambistas, claro, ensinariam que sem amor e dor não há samba, os homens ensinariam às mulheres que mentem mal e elas retribuiriam mostrando como se faz para ele acreditar que ela acredita. Isso sem falar nos ilustríssimos administradores, que teriam direito a pelo menos quatro semestres para elucidar a relação entre homens, mulheres e capital.

Pensando melhor, acho que uma escola é pouco deveria ter da pré-escola até o pós-doutorado. À frente do prédio um belo jardim e acima da porta de entrada escrito em letras de ferro: “ESCOLA DE SAMBA”.

Ela chegou! Licença, mas agora vou sonhar!

Roger Ribeiro
26 de fevereiro 2010.
*”Pra que mentir?” Noel/ Vadico

4 comentários:

  1. O que dizer???

    Muito bom Roginho... muito bom!!!
    Saudade de vc ...

    bjsss

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  2. Olá,você teve a sutileza de enviar para ela?Ha,ha,... de repente não será agressivo, mas uma boa leitura às vezes vale mais do que mil palavras e certos olhares.Beijos.

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  3. Quem não gosta de ser desejado? Muito bom.

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