terça-feira, 27 de julho de 2010

Sabe o que é que é?



Prééééééééééééeééeíiiiiinnnnnnnnnnnnmmmmmmmmm!

Levantei de um pulo só, o livro que lia chegou a cair da mão! O toque do apocalipse, só podia ser isso.

Prééééééiiiiiinnnnnnnnnnmmmmmm!

Nossa. Enfim voltei para o mundo dos mortais, era a minha campainha que estava tocando, aliás, tocando não: berrando. Meu coração estava disparado. Estava tão absorto na minha leitura, jamais esperava aquele som estridente e alto daquela forma. Tudo bem que é minha campainha, mas como nunca estou em casa e quem vem aqui normalmente chega comigo, poucas vezes eu a presenciei e, sempre que isso aconteceu me assustei, sempre pensei: - tenho que mudar essa campainha, preciso pôr uma daquelas que fazem Blllimmmm/Bllllommmm assim grave abafada, com cara de tia do interior. Nunca me lembro, só quando, trrrriiinnnnnnmmmm, aí; já foi...

Dirigi-me à porta e, como não tenho olho-mágico, que é outra coisa que só me lembro quando preciso usar, abri-a vagarosamente. Lá bem em frente, com um sorriso impassível no rosto, estava ela. Não devia ter mais do que um metro e cinqüenta e pouco, magrinha, bonitinha a danada, uns olhos brilhantes e o pezinho esquerdo, em uma sandalinha de couro, impacientemente batia no chão. Olhei para ela e ela olhando para mim sorria, por fim falou:

- Não está me reconhecendo?

Era uma voz linda, assim meio angelical, nem aguda nem grave, não era voz de menina, o que ao prestar mais atentamente atenção, percebi pelos finos sulcos ao lado dos olhos que não se tratava de uma menina, era uma mulher jovem.

Parei de delirar e pensei na pergunta que me foi feita, afinal o pezinho havia dobrado o andamento, o que significava que a impaciência também devia ter dobrado. Refleti, refleti mais um pouco e cheguei à conclusão óbvia; euzinho jamais havia visto aquela criatura em minha vida, e, juro, não precisava de tanto tempo para chegar àquela conclusão, afinal uma mulher linda como aquela, jamais se esquece. Respondi:

- Não. Deveria?
- Claro que sim, ou melhor, claro que não. É sempre assim, sempre chego, todos sabem que existo que estou por perto, mas quando chego... Nunca me reconhecem, tá vendo?
- O quê? (apontou para baixo)
- O meu pé, tenho sempre de pôr ele na porta se não as pessoas fecham. E se tiver olho-mágico e for mulher que vier abrir então!? Ah! Aí é que tô ferrada de vez!
- E se as pessoas fecharem a porta com medo, não irá machucar você?
- Claro, e isso acontece muito, vivo no departamento médico. O diagnóstico é sempre o mesmo: luxação no pé. Pronto, lá vou eu ficar pelo menos três semanas no “estaleiro”.
- Estaleiro é para navio, você é um avião (fiquei feliz de ter sido rápido no gracejo)
- Menos né meu filho! Avião de um metro e cinqüenta só se for em Liliput! (sorriu)

Sorri também, ela também era rápida, ou será que passava por isso o tempo todo?

- Sim, mas você não vai me deixar entrar, preciso sentar um pouco e de um copo de água bem fresquinho.
- Oh! Desculpe-me é que ainda estava respondendo a sua pergunta...
- Tudo bem, mas podemos continuar com esta conversa aí dentro, veja: não porto bolsa, meu vestido é largo, branco e de certa transparência... Tira o olho daí. Logo se estivesse portando uma submetralhadora, uma bazuca, um foguete bélico transatlântico, você já teria visto, não é mesmo? Portanto feche a boca, tá parecendo, bobo, levanta essa vista e me convida pra entrar.
- Tudo bem (fiz um enorme esforço para não gaguejar), entre, por favor.
- Muito obrigada.
- Sente onde achar melhor. Você deseja água ou quer um suco?
- Humm! Um suco é bom, não é mesmo? De que é?
- Olha tem de laranja e posso fazer um de lima rapidinho.
- Lima! Nossa eu quero, sem açúcar e com bastante gelo.
- Tudo bem, enquanto faço o suco poderíamos ir nos apresentando não é mesmo? Afinal acho, ou melhor, tenho quase certeza de que você bateu na porta errada. Por acaso você não é vendedora? Representante comercial? Ou o que seria mais louco ainda, uma obreira de uma destas religiões que vão à casa das pessoas com procuração divina, não é mesmo?

Olhei de canto de olho e vi que ela sorria de minhas colocações e que havia se levantado e passeava pela sala.

- Você tem um belo apartamento! Tem bom gosto, e sabe aproveitar bem os espaços, você é arquiteto?
- Não...
- Artista?
- Quem me dera...
- É... Deveria ser, pois é tudo muito poético aqui.
- Olha seu suco. E finalmente quem é você?
- Você e suas perguntas, não é possível que ainda não saibas quem eu sou!
- Posso ser sincero?
- Deve.
- Não faço a menor ideia, só sei que se pudesse pedir para papai do céu uma companhia para mim, seria igualzinha a você!
- Engraçadinho... Mas, não se preocupe viveremos juntos...
- Como? (tomei um susto que meu rosto bateu no chão e voltou), Mas como assim?
- Por um tempo.
- Ãh!? Você tá piorando bem as coisas...
- Onde tem um espelho?
- Só lá no banheiro.
- Vamos lá.
- Mas como assim, vamos lá? Nós acabamos de nos conhecer, você acabou de dizer que vai viver comigo, não temos a menor intimidade e você quer ir ao banheiro comigo?!
- Deixa de ser leso, vem logo.

No banheiro me colocou de frente ao espelho e perguntou:

- O que estás vendo?
- Eu. Porque deveria tá vendo algo mais?
- Veja aqui. (apontou para o espaço entre o nariz e o lábio superior)

Havia feito a barba naquele dia, ali não havia nada... Olhei para ela e percebi que estava com as mãos na cintura se balançando e batendo pezinho; acho que a paciência dela havia se esgotado. No meio da minha confusão mental...

Prrrrééééééééééééééééééeéééeiiiiiiiinnnnnnnnnnnnnnmmmmmmm

Não! (pensei), de novo não.

Saí do banheiro aliviado (enfim aquela maldita campainha havia servido para algo), atravessei a sala e abri a porta de vez... Não acreditei no que vi. Ali, bem na minha frente mais três lindas jovens mulheres tocavam, cantavam e dançavam, era uma festa. Olharam-me, pararam de tocar e uma delas perguntou:

- Minha irmã está?
- Quem?

De lá de dentro ouvi a voz:

- Amanhã! Há quanto tempo heim!? Entre... Fique à-vontade.

As três ainda do lado de fora falaram quase em coro:

- Felicidade! Puxa como foi difícil te encontrar.

Olhei para o meio da sala e lá estava ela, linda! Bem debaixo do meu próprio nariz!

Roger Ribeiro.
11 de junho 2010.

Um comentário:

  1. As três vivem trocando de lugar. Aliás, as duas, pois a terceira acaba sempre sendo a ultima parada de todas, e lá permanece por todo o sempre, sem alternativas, sem chances de mudanças...
    Ainda bem que isso acontece, pois ELA sempre poderá encontrar amanha, que já foi hoje mas foi embora, estando ao lado de ontem.
    Espero esse encontro...

    ResponderExcluir