segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

São meninas tão bonitas!




O convite veio pelo correio. Era um envelope estranho todo lacrado, mas, à frente vinha um nome conhecido: o meu. Já no verso o remetente era um enigmático conjunto indefinido de algarismos construindo um notável enigma que me levou um bom mói de tempo para ao fim não chegar a lugar algum.

Era algo jurássico, um telegrama, creio que muito dos que estão atentos a esta narrativa jamais conheceram um, mas digo, já foi tão revolucionário na comunicação quanto a internet e seus penduricalhos. E, como sempre, telegrama era algo de travar a respiração de qualquer um, afinal quem e porque teria tanta pressa de falar com alguém assim? O mundo da era do Telex não era tão paranóico, as pessoas sabiam um pouco mais ficar sozinhas, ou se contentavam com suas companhias, um telegrama, e isso era indiscutível, ou trazia uma má ou, de preferência, uma ótima notícia.

Fico pensando nas bobagens que vejo hoje nas “redes sociais”, do tipo: “acordei, vou pra academia”, “bom dia a todos”, ”estou no avião”, “cheguei a casa”... E por aí a fora, como se seu deslocar, ou não, interessasse a todo mundo?! Meu Deus! Penso eu, será que alguém se deslocaria até uma agência do correio, escreveria e pagaria para enviar uma mensagem a todos dizendo: “cheguei da academia”? Bom mas são tempos modernos e o que já foi pago, já foi, assim pode-se escrever o que quiser...

Bem, voltando ao meu telegrama, senti aquele velho frio no estômago e pensei imediatamente nas pessoas mais velhas, mãe, tias, tios, amigos destes e etc, afinal este é, e seria, um meio de comunicação natural delas e assim sendo as notícias nestes meios sempre nos dão aquela expectativa, claro mantendo sempre o pensamento positivo. Abri vagarosamente o comunicado, com cuidado para não atingir nenhuma letrinha do valoroso escrito:

- Querido, espero por você, por favor, não se ausente.

Não havia assinatura, endereço, mapa, vestígios algum, nada, absolutamente nada... Como alguém, sujeito oculto, pode me convidar para um local indeterminado, sem dia, hora, nada! Como ela, ou ele, poderia querer que eu não faltasse? Mas que loucura é essa? Voltei à frente e fundo do envelope, afinal eu deveria estar enganado, em algum local, deveria constar os dados necessários para o meu comparecimento, olhei, refolhei, coloquei contra a luz (lembrei disso em um filme de espionagem que havia visto), e finalmente; nada.

Deixei-o de lado e procurei tocar meu dia, mas tinha mais do que certeza de que a maior parte dos meus sentidos ligados ao intelecto havia ficado ali sobre a mesa junto ao telegrama, de agora em diante, naquele dia eu não teria comigo nem dez por cento de minha condição de concentração e entendimento. Como alguém pode fazer isso com outra pessoa?

Sai, fui trabalhar, fiz tudo daquele instante em diante no chamado “piloto automático”, graças aos meus anjos da guarda nada apareceu que necessitasse de grande ação do intelecto, eram apenas coisas banais do dia-a-dia, e meu cérebro inteiramente deitado por sobre o papel cáqui da comunicação. Entendi mais do que nunca o poeta quando dizia que “o pensamento parece uma coisa à toa, mais como é que agente voa quando começa a pensar”, e lá estava eu, foram dez, sim sem exagero nenhum, dez horas voando sobre aquele enigma totalmente amedrontado de que ao fim deste estivesse a Esfinge sem o seu nariz.

Fim de expediente e como de costume alguém bradou:

- E aí galera quem topa uma gelada?

De imediato, praticamente no reflexo respondi:

- Aí “thurma da firlma”, hoje pra mim não vai dar, tenho algo muito importante me esperando, já fui...

O coro foi total: - Aêêê!! Vai tirar o pé da jaca heim!...

Nem olhei, saí em disparada, afinal certamente deveria haver um complemento por baixo da porta, não era possível que assim não fosse. Entrei esbaforido em casa com os olhos pregados no chão procurando. Olhei, abaixei, olhei mais pra cá, mais pra lá, afinal o vento podia ter levado e: nada. Decepção total.

Caramba! Olha (falei para mim) deixa isso pra lá, se quem mandou não deu referências é porque não quis, sendo assim... Vou tomar meu banho e fica como se isso não tivesse acontecido. Aliás, o que mesmo aconteceu? (tática de esquecimento).

Foi só o tempo de tomar a ducha, ainda estava abraçado à toalha quando a campa da porta disparou. Cheguei a tomar um susto, afinal para quem mora sozinho a única coisa que chega a sua porta sem você são os códigos de barra que passam, despudoradamente, por baixo dela. Perguntei de longe quem lá estava à porta, mas não obtive resposta, espiei pelo olho-mágico e nada vi. Abri vagarosamente a porta, ou pelo menos tentei, pois logo senti o tranco:

- Sai pra lá, você está lento hem camarada?! Não temos tempo a perder.

E invadiu o ambiente carregando algo enorme. Era uma linda moça de um metro e sessenta que, apesar de não ter dado tempo de se apresentar, ou ao menos de eu ver direito quem penetrava meu lar, deixou-me a nítida impressão de já ter visto aqueles cabelos castanhos ao vento em algum lugar. Olhei o corredor externo para me certificar de que não havia mais ninguém, fechei ainda assustado a porta e me virei temendo o que poderia encontrar.

Recuei incrédulo até bater as costas na porta, não era possível, no lugar de minha minúscula e entulhada sala, abria-se um imenso salão todo alvo como uma nuvem de verão! Não era possível avistar o fim, o brilho era intenso, era algo entre o inexistente e o inacreditável. Ao centro da sala havia um piano de calda igual ao que John Lennon tocou Imagine e sentada com as mãos cuidadosamente sobre as teclas estava ela, seus cabelos castanhos agora estavam enormes e flutuavam pelo imenso e brilhante vão. Meio incrédulo perguntei:

- Hoje é você?

- Bem que haviam me dito que você era meio leso, claro que sou eu, ou está achando que é quem?

- Podia ser Ontem? (falei)

- Infelizmente minha irmã Ontem se perdeu na bruma.

Quando lhe faria a pergunta, que tanto me atormentou, sobre o telegrama a companhia estrilou novamente, abri a porta e lá estava ela, linda com seus cabelos negros e seu vestido esmeralda. Do centro da sala veio a voz:

- Amanhã? Enfim você chegou... E começou a tocar a Valsa Romântica de Claude Debussy.

Amanhã e eu começamos a girar pelo infinito salão

Roger Ribeiro.
26 de dezembro de 2011.

3 comentários:

  1. Que viagem... Adoro isso : )

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  2. Depois de ler isso, axo q preciso esfregar os olhos para acordar :S

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  3. Meu querido mais cedo ou mais tarde, ontem hoje ou amanhã um dia sim um dia ela virá e será maravilhoso por que vc é sempre.

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