terça-feira, 10 de abril de 2012

O brilho das pedras




Eu tinha absoluta certeza que não teria como preencher a expectativa. Não, não estávamos em uma estrada comum, aliás, como diziam os Novos Baianos: “(...) não é uma estrada, é uma viagem (...)”. O tempo era de poucas certezas, os ventos eram fortes e traziam de longe o cheiro do sargaço na areia escura. Nunca fui de ter muitas certezas na vida, pois nunca entendi claramente o que fazia eu nela e muito menos o que ela, a vida, desejava de mim, por isso não seria agora, assim do nada, que encontraria a lança da bússola.

Havia aportado. Não sabia se aquele era realmente o local e muito menos a hora em que deveria estar, mas assim como sempre dei crédito ao acaso, fiquei. Mantive-me como uma sombra aguardando os caprichos da luz. Nada esperava, porém sabia que em instantes, talvez, tudo poderia acontecer. Em minha mente contorcia-se o som do segundo em que nasci e a nítida reverberação de que seria também em meio à fração do ponteiro que separa um segundo do outro que se romperia o elo entre o ser e o não mais ser.

O sol era quente o suficiente para permitir observar a evaporação das pessoas que pelo campo da visão transitavam. Pensava: será que daria tempo destas pessoas chegarem aos seus destinos? Conseguiriam realizar a tarefa na qual estavam imbuídas? Ou evaporariam plenamente a ponto de tornarem-se disformes poucos quilos, alguns até gramas, em algum canto da cidade?

Enfim uma árvore frondosa para acolher-me, permitir sair do estado de sombra para solidificar-me novamente, deitei sobre a grama fina e permitir arejar-me. Agora era apenas aguardar, estar pleno para não permitir que o instante escape.

Olhava o verde da copa da árvore como quem admirasse um milagre, ouvia as seivas transitando por aquele imenso tronco que exigia das folhagens absorção absoluta, era um fluxo de uma força absurda, na verdade o universo deitava sobre os olhos, restava admirar. Tudo aquilo acontecia independente do meu ver. Lembrei-me do poeta, sorri e sussurrei: realmente a cor verde é a mais verde que existe.

Não a viu passar propriamente, percebeu a abertura de um vácuo que se iniciava nela em movimento, fui tragado por este vácuo, não havia como resistir, era infinitamente mais forte do que eu, tentava identificar o que me arrastava com tamanha energia, o máximo que enxerguei foi uma fina e alva mão que bailava ao lado do volume que se deslocava, o vácuo, ao contrário do que muitos pensam, não é translúcido e sim leitoso, permite ver um vulto, porém não se consegue foco suficiente para uma identificação.

Na mão que estava fora do rastro leitoso percebi as pontas, ali estava o que talvez fosse o que tanto aguardava, ali estaria o código. Seria a ponta dos dedos daquela mão bailarina o código? Apertei o cérebro para decifrar, ali deveria estar a resposta.

Carregado pelo vácuo o tempo perde sua linearidade, e por isso vi, ouvi e toquei em várias situações que transitavam pelo passado, presente e futuro. Erros e acertos tomaram-me a alma com a fúria de um rio que desce cordilheiras. Mas, antes de qualquer coisa estavam as pontas daqueles dedos que pareciam digitar algo na tábua do tempo.

Eram quatro pontas cinza-musgo e uma laranja, quatro que apontavam e cravavam na terra e uma que refletia o sol que soberano evaporava corpos. Eram quatro quase verdes, uma laranja de vivo e cintilante amarelo, eram quatro jogadores que das pontas dos dedos se entranhavam pelas mãos, braços, avançando pelo alvo corpo que aos poucos perdia sua água vital, submetendo-se ao calor do alaranjado que lhe atraia ao fogo solar. Não havia tensão, não havia dor, só havia cor e fluxo. A velocidade tornava-se impensável para qualquer corpo sólido. Ela neste momento era apenas o vácuo da fornalha alaranjada sobre o cinza-musgo, e eu preso ao vácuo do próprio vácuo.

As partículas do que antes fora nossos corpos aceleravam-se a ponto de nos aproximar da explosão do gênese. Sorriamos enquanto voávamos e desmaterializávamos. Nada mais havia a não ser o brilho do vácuo leitoso e o ensurdecedor som dos nossos sorrisos, éramos estrelas, sem ontem, sem hoje e muito menos sem amanhã.

As janelas estremeceram com a explosão do trovão, tudo clareou em flash, e um forte aguaceiro desceu do espaço molhando meu pé e a ponta do meu colchão. Atordoado levantei para fechar a janela. Um novo raio cortou a cortina de água e, espantado, te vi passar entre o flesh do raio, o som do trovão e a força das águas que caíam, com as tiras dos cabelos molhados esvoaçando em direção ao horizonte. Virou-se, encontrou com seu olhar de partículas incandescentes meus olhos e por eles escreveu em minha alma:

“(...)Sonhei que viajava com você em um balão
Que flutuava muito acima de um vulcão em erupção
Para o oriente vento quente, pés longe do chão

Voava sem ter asas como a imaginação
Nós dois bem alto sãos e salvos rumo ao japão
Numa sacola mel, laranja e manjericão (...)”*

- Senhor, senhor (segurando no meu braço), não é permitido mergulhar a cabeça no aquário.

Alertou-me a sempre muito gentil garçonete do restaurante chinês.

Roger Ribeiro
10 de abril de 2012

* Sonhei Que Viajava Com Você - Itamar Assumpção

2 comentários:

  1. gente.... isso é que é uma viagem e cada leitor define o destino e as estações, massa !

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  2. Lindo demais!!
    Adorei a parte do aquário ...rsrsrs

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