quinta-feira, 26 de abril de 2012

Se vou passar?


“come on baby
transformar esse limão em limonada
(...)
seguir o coração, em disparada
numa estrada que só tem a contramão”*

- Sim (disse o gerente do RH, ou seria o psicólogo? Bem vamos adiante), liste-me porquê o senhor acha-se apto para a vaga?

- Em primeiro lugar porque sou formado pela Universidade Federal da Bahia em Regência com especialização em Violão Clássico, sabe do que se trata não é mesmo? Erudito, não tem negócio de serenata na praia em Lua Cheia não, é Orquestra mesmo.
Também toco piano e sanfona, esta última em homenagem a meu maior ídolo - o Rei Luiz Gonzaga, conhece? “Quando olhei a terra arder...”, ele é que canta e toca o resto é com o Humberto, mas não vá confundir, não é o Humberto que assina a carta de referência aí na frente não, este é meu ex-cunhado, se é que isso existe, estou falando do Mestre Humberto Teixeira, êta “cabra bão”.

- Sim, mas parece que o senhor não está...

- Olha querida Banca, conheço um pouco dos meus direitos referentes à entrevista e sei que não posso ser interrompido em meio ao detalhamento do que me foi perguntado. Sendo assim, prosseguirei.
Tenho também vasta experiência em trilhas para o cinema e teatro, os senhores certamente assistiram ao curtíssimo curta “Fechei meus olhos”, sem falar na Menção Honrosa ganha no festival Teatro de Rua, isso faz... Acho que uns nove anos, a trilha era demais! Cinqüenta minutos de sustentação de um Si Bemol pelo violoncelo, emocionante, não tem outra descrição: emocionante, ganhei até um largo sorriso do mestre Ataualba.

Enquanto isso, na sala anexa, uma dezena de concorrentes aguardavam segurando suas pastas, livros, documentos e afins. No ambiente aquele cheiro de adrenalina que explode pelos poros. O tempo parecia congelado, cada candidato possuía dez minutos, não mais que isso, para a última fase rumo à sonhada vaga: a paralisante entrevista. Antes dali passaram por três outras fases e, de um total de mil e quinhentos candidatos, agora só restavam aqueles quinze, era uma disputa acirrada, apenas um sairia dali “coroado”. Mas, retornando à sala da entrevista...

- Caro candidato gostaríamos que o senhor se ativesse ao universo condizente com a situação (expressou com desagrado aquele que deveria ser o presidente da Banca).

- Claro! Como não? Sendo assim não poderia jamais deixar de lembrar que também fiz parte do primeiro grupo de pichadores desta cidade, sim não havia esse negócio moderno de grafiteiro, éramos todos chamados de pichadores, e euzinho fazia parte dos primeiros, vocês devem lembrar... Tinha o “Faustino” do Miguel, o “transforme” do Marcus, isso só pra citar alguns que vocês devem reconhecer. Eu fazia parte dos que faziam divulgação dos shows nos muros da cidade, arte e publicidade, não sei como não fui contratado, a peso de ouro, pelas grandes da propaganda. Aliás, sei sim: panelinha... Pode crer amizade, panelinha...

- Sim meu caro candidato, mas...

- Pinauna, é assim que o mundo me conhece, meu nome de batismo ficou no passado.

- Mas nós não podemos nos referir ao indivíduo, somente à sua condição de candidato, assim: estamos vendo aqui que suas avaliações, nas três etapas anteriores, foram excelentes, mas gostaríamos de saber do senhor sua experiência especificamente em relação ao cargo pleiteando.

- Claro! Veja bem, andava eu acabrunhado, desbeiçado de todo, já não sabia a que ou a quem recorrer, diria até aos senhores que minha condição humana havia se desfigurado, foi dentro desta plena certeza de estar desumanizando-me que me ocorreu poder viabilizar um projeto que estabelecesse o elo entre o estado das coisas, lembrando aos senhores que a coisa, no caso, trata-se da minha pessoa. Assim decidi...

- Meu amigo, o seu tempo está se esgotando e até o momento ainda não conseguimos identificar o que há de ligação entre você e este local!

- Amigo? Você? Vocês precisam se definir, afinal segundos atrás os senhores me disseram que eu era apenas um candidato e que os senhores, sem fisionomia e nome, seriam uma Banca! Vocês estão querendo me confundir? Tenho todas as condições necessárias para estar aqui, afinal, pergunto a vocês, senhores, ou como queiram que os trate: existe alguém mais apto do que eu?

- Senhor candidato, apesar de suas excelentes avaliações como já dito, realmente não enxergamos nexo entre as suas habilidades e o cargo disponível. Enfim, e, por favor, seja claro, qual o seu interesse no cargo?


- Não tenho o menor interesse. Estou aqui apenas para poder comunicar ao Senhor Digníssimo Presidente desta conceituada e internacional empresa que, de hoje a sete dias, estarei casando com sua filha, afinal:
“a vida não tá certa, nem errada
aguarda apenas nossa decisão”*.

Roger Ribeiro
25 de abril de 2012.
*Tudo ou Nada – Alice Ruiz e Itamar Assumpção.

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