quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Hoje tem baile!




A banda estava nos últimos preparativos para entrar em ação.O local abarrotado e a expectativa era enorme, ninguém conhecia a banda. Era praticamente a estréia, logo naquele evento, normalmente cheio, um evento com uma já legião de fãs que aguardavam ansiosamente a próxima edição.

Os instrumentos brilhavam sobre o palco, vez por outra alguém passava e ajeitava alguma coisa: um microfone, a localização ideal para o contra-baixo, a guitarra, o violão. Tudo localizado milimetricamente para ajustar com a iluminação. O palco é pequeno e a banda é numerosa.

Um jovem passou pela porta do camarim e gritou: - “cinco minutos!” Todos se entreolharam. Para quem estava de fora, como eu, o que se percebia é que quase todos queriam sair correndo dali. Não é uma banda de meninos, todos já possuem farta experiência em música, palco e afins. Mas, era praticamente uma estréia e de um trabalho diferente! Não era um show. Num show é diferente, as pessoas ouvem, aplaudem, gostam ou não. É, portanto, um livre arbítrio de ambos os lados, já que a banda toca seu trabalho e o público aprecia. Ali, naquela noite, não.

Era uma baile. A proposta é reviver uma banda de baile com tudo o que se tem de direito: roupas brilhantes para os croners, banda afiada, pouco papo e muita música com um repertório todo pensado. Quase que um filme, afinal como se monta um baile?

Bem, em primeiro lugar monta-se um roteiro: O rapaz passou o dia se exercitando na praia, surfou, jogou frescobol, conversou com a turma até quase o fim de tarde. Depois foi para casa, banhou-se, almoçou e foi dar aquela deitadinha para aguardar o horário de ir para o baile.

Já a menina, deu um mergulho rápido na praia, pois havia se comprometido de ajudar, junto com outras amigas, a mudança de apartamento de uma delas. Não foi um dia fácil, sobe e desce escadas, carrega caixas, descarrega as caixas, arruma, cada uma tem uma opinião diferente de onde por o quê... Coisas naturais quando todos querem o melhor e, por mais trabalho que dê, o prazer de ajudar, de ver o novo, transforma tudo em uma grande farra. Chegou em casa no início da noite, tomou um banho e pediu a mãe que lhe chamasse às 22:00 horas.

Ambos acordaram, ela fez um leve lanche, ele ainda cheio foi direto para o banheiro, tomou outro banho, pôs a roupa de festa e saiu para encontrar a turma e rumar para o baile. Ela, após o lanche trancou-se no banheiro e de lá só saiu uma hora depois. Estava linda, aquele vestido vermelho bordado de pequenas flores coloridas lhe dava uma áurea de princesa. Era assim que se sentia. Colocou um suave perfume e ligou para o disk taxi.

Nunca se viram, moravam em locais diametralmente opostos na cidade, freqüentavam praias diferentes, estudaram em colégios distintos e por ironia do destino, apesar do gosto pela dança, pelos bailes, a falta destes na cidade não permitiu que se conhecessem.

Chegaram em momentos diferentes na casa de espetáculo aonde se realizaria o tão aguardado baile. Ele, despreocupadamente, conversava e brincava com os amigos. Ela, junto com algumas amigas que havia combinado, dava os últimos retoques, umas nas outras, aquelas coisas de menina! O baton, um fio puxado na blusa, mas acima de tudo era o estômago gelado de expectativa para os acordes iniciais! - “Será que alguém vai me tirar para dançar?” Não gostava da idéia de ficar na “rodinha de amigas” e todas serem chamadas para dançar, menos ela. Sempre teve este medo, talvez por causa da sua timidez nunca tratada.

As luzes se apagaram, o naipe de sopro atacou e a banda correspondeu. A música que inicia o baile é fundamental para o bom andamento das coisas, tem de ser um tema de tirar o fôlego, arrastar as pessoas dos cantos para o meio do salão.

A nossa menina ficou sem fôlego, seus olhinhos brilhavam e ela foi bem para o meio do salão e começou a rodopiar, dançar, sorrir sem parar. Era outro universo. Ali era o baile, tudo era mágico! Sentia-se como em um conto de fadas e a cada funk que a banda tocava, mais ela transcendia. Já não era ela, não tinha problemas, não tinha timidez, nunca foi triste, nada! E não adianta querer dizer o contrário, havia muita gente ali, mas a banda tocava somente para ela.

Foram cinqüenta minutos de êxtase e a banda deu a primeira parada. As luzes se acenderam, as pessoas se dirigiram umas para o balcão do bar e outras para o toalete. Era hora de ver quem estava e quem não estava, encontrar pessoas, trocar amigos e assim por diante. Quinze minutos, esse é o tempo, depois tudo se apaga, as luzes entram em frenesi, a banda recomeça e o real some, desaparece entre o assoalho, bem encerado, e o salto alto dela.

Foram quatro temas de ferver o salão, uma loucura! No quinto tema, o trompete irrompeu forte e vigoroso, o tom mudou, a cantora, no seu vestido longo de lantejoula dourado, assumiu o centro do palco e afinadíssima disparou uma linda e triste canção de amor:

“Olhe aqui, preste atenção, esta é a nossa canção. Vou cantá-la seja aonde for...”.*

Ela abaixou a cabeça, olhou para os seus sapatos azuis e antes que pudesse pensar qualquer coisa, sentiu uma mão firme e quente pegá-la pelo antebraço e perguntar: - “você quer dançar comigo?” Ela gelou, sorriu, passou o fino braço por sobre o ombro do seu gentil par e, o que se sabe, ou o que se diz, é que a banda nunca mais parou de tocar para eles. Ele com sua bota preta engraxada e ela com seu salto alto azul, nunca pararam de dançar...

Outro rapaz passou e gritou: - “tá na hora”! As luzes se apagaram, a banda estreou. De cá do meu canto, vi uma linda menina de vestido vermelho bordado de florzinhas coloridas e sapato de salto azul, deixar a garrafa de água mineral no balcão e se dirigir, sorrindo, para o centro do salão.

Roger Ribeiro.
17 de agosto de 2009.

* “Nossa Canção” – Luiz Ayrão

Um comentário: