quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Super-Homem





Colocou a calça jeans cor de couro cru que tanto gostava e escolheu a camisa de tecido branco de manga longa para proteger a pele do sol, sempre dizia que as pessoas erradamente se protegiam do calor se expondo ao sol, para ele o segredo era exatamente o oposto, quanto menos o sol tocasse sua pele mais fresca ela permanecia e consequentemente, menos calor sentia.

Era uma teoria, não havia necessidade nem de concordar nem de discordar dela, afinal não mudaria o curso nem do tempo, nem do espaço, muito menos da humanidade.

Neste dia em especial estava eufórico, não pensava em outra coisa a não ser nos físicos cientistas que havia posto em funcionamento o acelerador de partículas, só lamentava que não houvesse sido aqui em sua terra e sim lá no hemisfério norte, na Europa. Isso o enfurecia, afinal porque tudo tinha de ser no hemisfério norte? Ora, dizia – eles deveriam nos respeitar observar nossa busca incessante pelo equilíbrio entre a terra e o oceano.

Bem aí já é uma outra teoria do nosso jovem rebelde que para ser a reencarnação perfeita do James Dean, só faltava o topete e o olhar melancólico. Nem tudo pode ser perfeito, mas dos seus devaneios não abria mão em hipótese alguma.

Passou por mim apressado e quando me notou retornou correndo, pegou em meu braço e saiu me puxando ao mesmo tempo em que falava como um texto da ‘Geração Beat’, não havia pontuação, pausa, não havia nada, era um encadeamento de palavras que iam se sobrepondo, no caso dele, sem formar algo, nem ligeiramente, inteligível.

Consegui que ele parasse um pouco, pedi que respirasse e pausadamente me falasse o que desejava. Não foi fácil, mas enfim...

Passou então a me falar sobre o acelerador de partículas da ciência física e como esta em breve entraria em contato direto com as experiências da célula tronco, das ciências biomédicas e como deste encontro, um novo ser surgiria, segundo ele seria a redenção, algo com o poder de abstração e conhecimento de César Lattes, somado à sensibilidade social de Darcy Ribeiro, mais a poesia de Bob Dylan, mais o equilíbrio de Vaslav Nijinsk, e a percepção de Salvador Dali. Seria algo grandioso para a humanidade.

Fiz uma cara de interrogação e perguntei-lhe:

- Meu caro! Essa experiência toda não seria algo perigoso? Isto me remete a coisas de Homens Perfeitos, raças superiores e estas coisas que a história já nos mostrou serem eugênicas demais. O homem é o que é. Essa diversidade o torna um ser efetivamente interessante...

- Você não está achando que quero criar um super-homem e substituir a raça humana por este, não é mesmo? Ora te conheço há décadas e sei que tens mais cérebro do que isso.

- Bom; obrigado pelo quase elogio, mas pelo seu discurso...

Não me deixou acabar a fala.

- Claro que não, afinal eu não preciso criar o que já existe. O que creio é que a conjunção destas experiências físicas e biológicas podem, isso sim, acordar este ser que adormeceu. O homem necessita recobrar em sua memória que ele é o super, e que justamente por isso muito, ou quase tudo que está em cima desta bola depende deste despertar.

- Hum... A coisa está começando a clarear. Por falar nisso não sabia desta tua paixão pela física.

- Escuta vem comigo que quero te mostrar algo.

Pegou novamente no meu braço e saiu me arrastando, falando novamente sem pontuação e sem pausas, o que atribuía a sua fala um idioma ininteligível. Pegamos um transporte para a Ribeira e ao chegar paramos na rua da orla e ficamos por um tempo a observar o fundo da Baia de Todos os Santos, Eram onze horas da manhã de um dia claro e azul, a luminosidade transformava o entorno entre a Ribeira e Plataforma em algo quase místico, era de uma beleza indescritível.

Meus olhos marearam enquanto os dele permaneciam “duro”, fixos em algo entre uma margem e outra. Sua fisionomia era inabalável, sabia exatamente o que procurava, enquanto eu não procurava nada, apenas me permitia poetizar o meu olhar.

- Venha!

Acordou-me do meu êxtase visual, entramos em um cais, pagamos um real cada e entramos no transporte marítimo que liga uma ponta à outra. Exatamente no meio da travessia, ele voou com uma agilidade incomum para a sua idade e desligou o motor da embarcação. Todos o olharam assustados e perplexos, ele com sua calça deans cor de couro, sua camisa branca de manga longa e tecido fino e sua “surrada bota de guerra”; bradou:

- Vejam, olhem ao redor desta bela baia, o que vocês vêem? Beleza?! O super-homem precisa despertar rápido em nós ou o “Crac”, continuará corroendo a humanidade de nossas crianças, transformando águas cristalinas em lodo, poesia em meras palavras, música em barulho.

Abaixei a cabeça, por um instante e lembrei de uma poesia do Bob Dylan em que ele alerta que “uma forte chuva irá cair”.

O motor retomou o seu funcionamento e, novamente em terra firme, não consegui mais enxergar aquele local como antes.

Roger Ribeiro
05 de abril de 2010

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