quinta-feira, 7 de julho de 2011

Se é verdade?




All across the town, all across the night
Everybody's driving with full headlights
Black or white turn it on, face the new religion
Everybody's sitting 'round watching television!*



- Um abará só com pimenta, por favor.
- Dois e cinqüenta. Vai beber alguma coisa?
- O universo em um só trago!
- Humm... tome cuidado com o que você diz, as palavras são fortes, meu “fiu”.
- É... Então quero um milhão de dólares, ou como diz o saudoso Itamar, “ou coisa que os valha”.
- Só te digo uma coisa, cuidado!
- Valeu, até amanhã!
- Inté! Não esqueça, vá devagar.

Esta baiana vem com cada uma... O que será que ela viu? (saiu pensando), daqui a pouco vai dizer que tenho de cozinhar não sei o quê, andar de ponta cabeça, branquear ovo de codorna, nadar até Itaparica, assoviar o samba de Tião Motorista, andar em barra de trapezista... Mas, o que eu queria mesmo era vestir uma roupa linda feita pela irmã da menina Maria, ah! Isso eu queria.

Virando a esquina do bar Cravinho no sentido Terreiro de Jesus Praça da Sé, do nada e, aparentemente, em nada, tropeçou. Abriu os braços, buscou algum tipo de equilíbrio, os passos em desalinho variavam entre retos e tangenciais, a situação foi ficando incontrolável, na busca do equilíbrio foi acelerando e cambaleando...

- vixi! Uma hora desta e já está neste estado, creioemDeuspai...(condenou a senhora que saia da Catedral Basílica da Sé).

Crianças riam, um estudante, tirando onda de intelectual, cantarolou a canção de Aldir Blanc, “O Bebado e o Equilibrista”, difícil era definir ali, o que era bêbado e o que era equilibrista. Coitado não havia ingerido nem uma gota de álcool. O ser humano realmente.

Chegou à Ladeira da Praça e, a esta altura, seu movimento já havia virado um moto contínuo, já não havia como parar, o abará sorvido trafegava no estômago como a centrifugação da máquina de lavar. Passou por seu Jorge vendedor de acaçá que ao ver a cena balançou a cabeça e sentenciou:

- Falou demais, pediu e não agradeceu! Hum... Agora a verdade vai ter de encarar.

E assim foi. Era como se houvesse um motor de poupa. ao mesmo tempo algo o impedia de cair, parecia que sua função não era ir ao chão. Por sua cabeça apenas a preocupação de manter o tosco equilíbrio, mas mesmo no momento do “desandar dos ponteiros” lembrou do samba do Moreira e não conseguiu travar os dentes ao cantarolar, “descendo no samba a ladeira da Praça”, só que (pensou), no caso era descendo no tombo a Ladeira da Praça...

Pluuff, bummm. Caiu de costas na calçada. Olhou para cima e viu um rosto redondo e negro, ornado por uma vasta seqüência de límpidos e brilhantes dentes brancos a sorrir.

- vai prá onde meu branco?

Era uma negra gorda de semblante feliz, que ao ver a situação resolveu intervir, colocou-se à frente do caminho do nosso equilibrista e estancou-o entre os fartos seios e o farto abdome, foi tiro e queda, ou melhor, bater cair.

- Moça, affi... Não sei nem como te agradecer, achei que só ia parar em Itapoã.
Após uma larga risada que estrondou da Bahia a Minas Gerais, ela esticou o braço e de um só golpe o colocou de pé, ajeitou-lhe a gola da camisa, passou a mão nos seus cabelos e, sem perder jamais o sorriso, falou-lhe bem baixinho no “pé-de-ouvido”:

- Tem alguém te espiando!

- O quê?

- Oxi, vou ter que desenhar?

Olhou de um lado para o outro, notou que a vida continuava a mil, ninguém mais o notava, podia retomar o seu dia de onde havia parado.

Lembrou que a última coisa que, lúcido, havia pensado foi sobre a roupa da irmã de Maria. Olhou para aquela roupa de escritório que usava, lembrou de quantas rezas executara, quantos pedidos ao pé do altar por aquela vaga!

Meu Deus e agora onde estava? Que sentido aquele momento lhe proporcionava? Quantos documentos lhe restava? Quantos minutos de vida lhe faltavam...? E aquela roupa que lhe apertava!

- Moço, moço?!

Sentiu uma mão que lhe pegava, ouviu uma voz que lhe chamava, um olhar que lhe fitava, um frio que de repente do nada lhe arrebatara... Virou-se para quem lhe falara e disse apressado:

- Não adianta pedir, não tenho nada.

- Não é isso (disse-lhe a voz do menino que lhe pegara), apenas acho melhor por uma roupa, pois o poeta da Praça já está escabreado, a moça das flores apavorada, a devota de São Cristovam descabelada e a polícia tá com cara de que não tá gostando nada, nada!

Ao ser grampeado pelos “Homens da Lei”, seguro pelos braços e sem mostrar resistência, olhou para o alto do edifício, e viu na janela do décimo andar uma multidão se apinhando para olhar! Sorriu e, nu a todo pulmão, começou a cantar:

“Não pare na pista / é muito cedo prá você se acostumar”.**

Na cabeça a certeza: o movimento necessita do desequilíbrio!

Pela primeira vez ouviu-se um trovão soar em forma de um gostoso gargalhar.

Roger Ribeiro
07 de julho 2011.

* London's Burning -The Clash - Joe Strummer e M. Jones
** Não Pare Na Pista - Raul Seixas / Paulo Coelho

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