sexta-feira, 5 de junho de 2009

Coisas do vento.



-“Vocês não respeitam mais os poetas, são surdos! Tornaram-se insensíveis, nem se quer conseguem distinguir o dia da noite! Não percebem que o hiato entre o sol e a lua ofusca a vista porque, na verdade, abre os portais de várias dimensões! Humanos pretensiosos. Acham que sabem de tudo... Coitados! Nem conseguem conviver com a dor! Abandonaram a poesia e não conseguem viver com seus fantasmas, com seus próprios vampiros cravados em seus pescoços. Há, há, há! Pobres humanos!!!”

Eram 10 horas de um dia nublado, o vento era forte e ele, impávido, apontando para a estátua da praça que foi abandonada pelo povo, bradava a todos os pulmões.

As pessoas andando absortas em seus universos particulares, não raras vezes assustavam-se, eram pegas de surpresa – “Vocês abandonaram a poesia...!” Pronto lá se ia o caderno da jovem estudante, primeiro para cima, depois se esparramando no chão, enquanto ela, já a dez passos de distância, em um misto de pânico, vergonha e humor, ria um sorriso nervoso, quase um choro. Voltou pegou seu material, resmungou algo e saiu apressada.

- “O castigo virá a galope! Preparem-se: a Besta está solta, o Homem petrificou seu coração. Em suas entranhas, já não vagueiam fluxos de emoções, nas veias aonde outrora a química do universo havia posto a circular um líquido pleno, rubro, intenso de vida, agora freqüentam apenas líquidos espremidos das Bolsas de Valores, das Casas de Câmbio, o chorume da estupidez! Vocês não reconhecem mais o poeta. Eu vos digo: ele era o libertador”.

- “Ei, você! Sim, você mesmo”, correu o nosso bravo “Quixote”, apontando para um rapaz que o olhava e divertia-se. “Você mesmo, é... Claro que você sabe que estou falando com você, se não, não teria olhado para trás. Pensa que não conheço o subterfúgio humano?! Você se entregou.. Primeiro apontou para o próprio peito, depois olhou para trás... Por acaso estás com medo? Como pode você ter medo de mim? Todos me acham louco, se assim sou, vivo fora da realidade e, assim sendo, nada que possa lhe inquirir pode deixá-lo em situação de temor”...

- “Não, não tenho medo de você! Porque haveria de ter? Basta um peteleco nesse seu corpo de graveto para você voar longe, ir parar lá na Praça da Sé!”

- “Então me responda (fez um silêncio de quem valorizava o momento de tensão que se instaura antes da pergunta), pigarreou, usou-o como eixo e, observando-o minuciosamente, enfim, disparou:

Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relógio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bênçãos e desgraças
vem sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço? 

O silêncio era total... Havia uma expectativa no ar, o rapaz inquirido, começou a sorrir o mesmo riso tenso, aterrorizado da estudante do caderno. Transpirava muito, quanto mais tempo passava, mais sua fisionomia ia se transformando. Não sabia o que dizer e, para piorar a sua situação, o “homem graveto”, como lhe havia nomeado, impunha sobre ele um olhar duro de rapina. Estava imóvel não desviava o olhar um segundo sequer. Parecia dizer-lhe: decifra-me ou devoro-te.

O jovem rapaz temeroso de ser devorado ali, em plena praça pública, soltou um muxoxo de descredenciamento, esbravejou: “ah, maluco!” Deu as costas e saiu abrindo caminho na pequena platéia que ali se formava.

- “Vocês viram! São prova testemunhais, falei-lhe a sua língua, dei ao jovem a oportunidade de libertar-se, desprender-se de suas amarras, libertar-se. Mas ele preferiu o estágio bruto, esquivou-se de sua humanidade e partiu sem dizer nada! Ou melhor, dizendo o que não deveria ser dito. O poeta, aqui à minhas costas, sobre esse pedestal, de mãos abertas, em claro sinal de doação, de perdão... Mas ele não viu, não quis ver, preferiu manter-se como um tolo. Acha que são os olhos que vêem”.

Andou em direção ao monumento no centro da praça, fugiu da aglomeração. Não gostava da condição de atração. Sempre dizia que os humanos transformaram a Terra em um imenso “Jardim Antropológico”, olhavam-se e não se reconheciam. Preferiam sempre a vida alheia, os erros alheios, as dores alheias. Eram condescendentes sim! Porém, só consigo mesmo com os outros... Jamais!

De um momento para o outro, pulou a grade que separa o poeta. De quê? Nunca conseguiu esta resposta. Não era possível que tivessem posto uma grade para separar o poeta da “Praça do Povo”, do povo. Subiu a escadaria do pedestal e ali retirou toda a roupa. Olhando fixamente a todos brandiu mais uma vez:
- “Vocês não respeitam mais o poeta, não ouvem a música do universo, não compreendem que sem poesia não somos nada. Vocês estão mortos!”

Agarrado, se debatia, exigia sua liberdade, gritou por entre os braços que o cerceavam: “vocês não irão me calar! Nunca.”

A porta da ambulância/prisão fechou-se, a louca sirene disparou a avisar a todos que mais um louco havia sido retirado do convívio dos loucos.

Roger Ribeiro.
04 de junho de 2009.

”Atraso Pontual” Paulo Leminski"

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