sexta-feira, 12 de junho de 2009

Linhas tortas!



rodei, andei, fui e voltei
após tanta tormenta
enfim decidi
não saio mais daqui!

- Este lugar é meu. Por favor, retire-se daí.


- Mas meu senhor, não havia ninguém aqui! E olha que já ocupo este lugar há pelo menos umas três horas.


- Preste atenção, não quero ficar repetindo o óbvio por muito tempo, afinal, se você não sabe meu jovem, tempo é algo muito precioso, ainda mais na minha idade. Portanto e definitivamente, preste atenção: este lugar é meu, assim sendo, levante-se, pegue suas coisas e procure outro lugar. E veja bem, por enquanto estou sendo educado, pois estou calmo.


- Meu senhor, se me deres um motivo qualquer. Pode ser qualquer bobagem, eu terei todo prazer em ceder-lhe este lugar, mas, assim incisivamente não dá. E já que estamos sendo assim, refinados e educados, te digo: ou você me dá, e rápido, uma boa razão para estar me importunando ou as coisas podem começar a ficar estranhas para o seu lado!


- Jovem, estúpido, o que você quer? Vai querer brigar? Aviso-te não se engane com a aparência, nem tudo é como você vê. Digo-te que este lugar me pertence e isso é a mais pura verdade. Quando chegaste não era este o único lugar vazio? Por acaso, notastes que quando aí neste local resolvestes ocupar, todos, sem exceção, olharam-te incrédulos? Por acaso, não percebestes que de um momento para o outro o ambiente tornou-se hostil para a sua pessoa?

Não! Não é mesmo? Não notastes nada disso, tenho certeza. Não se preocupe, meu jovem, não te culpo, também já tive a sua idade e sei o quanto estúpido somos, o quanto desatentos, irreverentes e inconsequente somos. Por isso sofremos, vamos nos tornando velhos rancorosos, ,amargos, solitários! Sim, são consequências. Veja agora mesmo você, veja o quanto estúpido estás sendo com você mesmo, não queres ver o que está a sua frente! Atuas para com a vida como se há desafiá-la continuamente. A vida não é uma batalha, meu filho, não é uma guerra. Não seja tolo, e perceba que a vida é um momento de observação.

- Pronto, agora vai baixar o velho sábio a dizer o que é a vida! Ora, porque vocês que estão à beira da morte sempre se acham portadores do conhecimento sobre a vida? Ora, conheço esse discurso, sei exatamente o que está contido nele... No fim, a culpa é sempre dos jovens! Não é isso mesmo? Não é aí que o senhor acabará por chegar?

Veja o senhor, estou em um local público, tenho um prazo mínimo para entregar esse trabalho, aliás, uma tarefa difícil que exige concentração total. Do resultado deste trabalho depende todo o meu esforço de três, três, ouvistes bem? Três anos intensos. Saí de minha casa, pois não havia lá silêncio suficiente para que pudesse me concentrar. E quando tudo parece está resolvido, chega o senhor e me diz, sem mais nem menos que este lugar lhe pertence. Ora, meu senhor com todo respeito mais vai encher outro!


- Te digo, este lugar é meu muito antes de você nascer! Há exatos cinqüenta anos, para ser mais exato, ocupo este local entre as 10 e às 13 horas. São exatas três horas, ouvistes bem? Três horas, de segunda a sábado. Aqui já resolvi questões que pareciam impossíveis de resolução. Aqui, ouvi coisas que jamais poderia dizer-te, pois colocaria a vida na Terra em perigo de extinção. Aqui, participei e acalmei a ira dos Deuses. Aqui, vi muitos jovens como você acharem que isso ou aquilo resolveria a vida para sempre. Aqui vi casais se formarem e também se desfazerem.

Saiba meu jovem, debaixo dessa longa barba que cultivo há 30 anos, enxuguei muitas lágrimas, sem perceber que elas não nasceram para ser enxugadas. Aqui conheci a todos que me ensinaram o melhor e o pior, do êxtase da felicidade a morbidade da perda! Aqui, um dia, também achei que resolveria a minha vida com apenas uma ação certeira. Aqui, um dia, achei que a concentração em um objeto único era a solução para a boa realização.

Aqui, ou melhor, aí onde ocupas neste momento, achando que não passa de uma mera mesa e cadeira de uma biblioteca pública, percebi que todas essas certezas não passavam de bobagens.

- Creio que o senhor começa a se comprometer com as próprias palavras... Estás sendo contraditório. Então quer me negar a importância da concentração?

- Te digo tudo o que fiz de melhor até hoje foi o que fiz por acaso, e tem mais, tudo o que de pior fiz até hoje foi o que fiz achando estar fazendo a coisa certa, estudada, premeditada... Sim, sempre é a melhor coisa do mundo! Quanta presunção, quanta arrogância criei dentro de mim, acreditava ter feito o que ninguém no mundo faria melhor, ou antes de mim. Enchi-me de orgulho, publiquei, debati, convenci, colecionei títulos, adquiri notoriedade, respeito público. Era tratado por todos de doutor!

- E isso não é bom? Você agora está me parecendo realmente àqueles velhos desgostosos, que acham que jogaram a vida fora e que não há retorno. Achas mesmo que desenvolver um trabalho importante, destacar-se entre seus pares, acrescer a você respeitabilidade... Achas mesmo que nada disso tem valor? Queres me dizer que a única coisa de valor é essa maldita cadeira velha e essa mesa capenga, neste local que cheira a mofo! Queres então me dizer que nada disso (sacudiu à frente do velho uma montanha de papeis escritos), tem a menor importância?

- Sim. (falou o velho, porém a irritação do jovem o bloqueou a audição).

-Então, já que é assim, tome o seu lugar, pode ficar com ele. E te peço com toda a sinceridade que possa eu ter. Nunca mais destrua o sonho de alguém assim! Você não tem esse direito.

-A cadeira e a mesa estavam vazias agora. O jovem saía visivelmente irritado e apressado da sala. No vácuo do jovem, o velho colocou o chapéu na cabeça e com o semblante contrariado deixou também o ambiente.

A estudante que estava na mesa à frente do rapaz, empalideceu e acinzentou seus, até então, sorridentes olhos azuis e soltou um suspiro, bem como a notícia que há cinquenta anos o senhor, pacientemente procurava durante três horas todos os dias no jornal. Ficou lá esquecida na página quatro do caderno um do jornal.

As forças que conspiram o universo, não foram percebidas.

Roger Ribeiro
12 de junho de 2009.

2 comentários:

  1. Quantas vezes somos donos da verdade ? Principalmente com nossos filhos e mais novos...
    Me lembrei de uma frase de Cintia Campos, ainda no Tereza de Lisieux .. "nossos pais já se fuderam nós também temos o direito de nos fuder " ... e isso ficou na minha cabeça, muito sábio de Cintia ainda com uns 15 ou 16 anos ...
    Ninguém tem o direito de tirar o sonho nem os anseios de ninguém e principalmente dos mais jovens ...eles tem o direito de fuder ou não.
    Respeitar a experiencia e a sabedoria dos mais velhos é nobre ... também é nobre ser humilde e aprender com os mais novos.

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  2. Olá Roger, bom dia.

    Como sempre lhe afirmo: o seu cérebro continua saudável, por favor continue a escrever, e amplie os horizontes, ... Um beijo grande.

    Teca Quirino

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