sexta-feira, 3 de abril de 2009

O efeito do sol de verão na cabeça careca.

Curvei-me e coloquei o tênis, recheado com a meia e o radinho dentro, e o short na areia. Virei em direção ao mar e, ainda com os olhos baixos, vi aqueles pequenos pés alvos, muito alvos, a acariciar os grãos da areia que me pareceu mais escura do que de costume. Sabia que sempre soube ser ele delicado, sem dúvida, um par de femininos pés.

Lentamente fui levantando a vista, mas não consegui passar do joelho, voltei aos pés. Essa ação levou uma eternidade de segundos e, agora percebo, todos os meus sentidos estavam fixos naqueles pés. Eu não sentia nada, o som, o vento, os cheiros, tudo havia cessado. Não havia nada, nada... Não sentia o sol que se fazia ardente, só depois meu corpo fervendo exigiu de mim que retomasse o caminho até a água. Tudo havia cessado e, por ironia dessa vida, a partir da visão do que produz o movimento, os pés, mas não um pé qualquer.

Lentamente percebi que não podia ficar por longo tempo assim, afinal, a dona daqueles pés poderia não está gostando muito do meu fascínio de pesquisador podólogo. Continuei andando em direção à água do mar e, quando me dei conta já estava até a cintura dentro d’água, foi quando, de vez, meus sentidos retornaram e senti um frescor enorme invadindo minha alma. Pode parecer exagero, mas depois de correr dez quilômetros sob o sol, aquele mergulho não refrescou apenas meu corpo. Senti, juro pela minha sanidade, que banhei meu espírito, meus pensamentos, lavei meu passado, lustrei os caminhos futuros. Ah! Que água maravilhosa.

Emergi, e imediatamente procurei aqueles pés. Lá estavam eles, parados, brincando com alguns grãos de areia que despencavam em queda livre da perna e rolavam pelo peito do pé como uma imensa rocha se deslocando do topo da Pedra da Gávia ou do Morro do Pai Inácio, ou, para ser mais honesto, com o que eu via realmente, do alto do Himalaia em direção a Terra. Sim com T maiúsculo, Terra planeta, pois entre a verticalidade daquela feminina silueta e a horizontalidade daquele pé havia sim, vãos planetários.

Fiquei submerso até o pescoço, observando o desenrolar das forças do universo, e liberei meus outros sentidos para que buscassem emoldurar aquele momento.

Comecei, lentamente, a perceber a vastidão sonora que ali estava presente. Primeiro, o som furioso do ranger da areia submissa às correntes marinhas, o enorme estrondo minimalista da pequena marola abalroando-se no aparente sólido piso da praia. Notei que ela, a marola, se esforçava feito louca para alcançar a lateral externa daqueles pezinhos, displicentemente fora do tênis, que percebi depois, jazia exausto, seguro pelo cadarço, à altura dos joelhos.

Ao meu lado, também submersos até os ombros, um pai velho aconselhava o filho não tão novo, mas também não tão velho: “você precisa fazer exercício filho. Você vem tanto à praia, olha” (mostrou-lhe o movimento de abertura e fechamento dos braços sob a água), “se você fizer meia hora disso por dia já vai firmar mais a musculatura”. Notei que o filho não prestava muito atenção ao movimento do seu sábio pai, pois a essa observação, ele indagou ao pai a respeito de uma viagem que não sei bem se era de ida ou de volta, ao qual o pai, com um olhar de decepção, apenas mostrava com a cabeça que não sabia.

O volume sonoro aumentava de intensidade de forma muito rápida. Uma moça de uns vinte e poucos anos entrou na água com um batalhão de crianças, creio que era aniversário do seu filho, que deveria ter no máximo seis anos e ela havia levado toda a tropa de elite, ou seja, a turma de amigos dele, para uma maravilhosa manhã na praia.

Pensei na coragem daquela menina mãe, afinal mar e criança é sempre uma relação tensa. Mas ela estava firme e a meninada elétrica produzia na água um curto-circuito que me fez dar três passos para o lado, primeiro para dar-lhes mais espaço, segundo para proteger meus óculos escuros das partes aquáticas que molhavam o desatento vento que passava no local.

Acabei por agradecer ao acaso por aquele deslocamento, agora tudo havia tomado nova forma, novas sombras davam novos volumes e novas plásticas ao ambiente, o que me fez ter certeza de que o real é fictício e mutável, tudo depende do ponto de observação. Por exemplo, agora já não via por completo o peito do pé nem os cinco dedinhos, o que via agora era o fino traço que se pronunciava a partir da musculatura da batata da perna e fixava-se no semicírculo que demarcava o fim do espaço pertencente àquela branca base que, desnuda, ficava sujeita a todas as intempéries da natureza.

Fiquei agitado, temia o que poderia acontecer àqueles pés, tive uma vontade intensa de protegê-lo. Curvei-me de vergonha, minha covardia havia me paralisado. Nada fiz para protegê-lo. Pensei na coragem da jovem mãe.

O sol na minha cabeça me alertou que era hora de submergir novamente, desci por completo. Senti a água querendo invadir os sete buracos da minha cabeça, brinquei mostrando à água que seu limite é o ar. Distraí-me, perdi o tempo, sai do compasso... Quando retornei à superfície, procurei, procurei e não mais estava lá. Sai da água fui até o local exato para me certificar: nada. De tão delicado nem marca havia deixado na areia.

Apanhei meu tênis, meu short, coloquei o fone do radinho no ouvido e sai andando com a certeza de que meu coração estava marcado para sempre pelos passos daqueles pezinhos brancos. Absorto nessa eternidade, senti meus olhos arderem com um forte brilho. Olhei, olhei melhor, e vi maravilhado aquele anel vermelho brilhando ao sol enfeitando e realçando aquele dedinho, “seu vizinho”, bem magrinho, frágil... Lindo...

Roger Ribeiro.
30 de janeiro 2009.

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