sexta-feira, 3 de abril de 2009

Os Quatro Cantos de Midgard

Dedicado aos amigos de copo e de cruz

É um Largo, não é o mais largo dos Largos, nem tão pouco o mais belo destes, mas é um local que gosto de sentar para apreciar como a vida é intangível, in-represável. A vida é rebelde. Ali, naquele Largo, há um observatório do universo humano fantástico! Sim, ali é possível entender muito do que se vê nos telejornais, do que se lê nos jornais e revistas, até mesmo é possível se entender ficções, como o desenrolar de novelas, filmes, gibis e afins.


Tenho muito apreço por uma mesa, para um mortal comum é apenas uma mesa entre várias, porém, para mim, ela é muito mais que isso, ela é um ângulo de observação insuperável.

Costumo sentar nela ao fim de tarde e, não sei por que, toda vez que estou me aproximando dela, me vem à cabeça um samba do Paulinho da Viola que, invariavelmente, me faz sorrir. Neste, ao meu gosto, está contido um dos desejos mais inspirados que já ouvi. Diz o dono do desejo: “(...) hoje eu quero apenas / uma pausa de mil compassos / para ver as meninas / e nada mais nos braços (...)”.


Bem, voltando ao Largo, de minha mesa, nominada por mim de Midgard (o mundo dos homens), tenho uma ampla visão de muito do que trafega neste recanto urbano. Ao meu Leste, temos a padaria, a farmácia e a banca de jornal. No meu Nordeste, fica a baiana de acarajé e as portas, daquilo que meu amigo Pedro Santana chama de “Clube Recreativo e Cultural para Marmanjos Românticos”, o que para os menos inspirados e pouco observadores não passa de um boteco soteropolitano denominado de “A Pantera”. Sugestivo, não?


Ao meu Oeste, temos a extensão da simpática praça que substituiu o canal do Largo, que não desapareceu, apenas submergiu. Ao meu Sul, uma íngreme ladeira de onde pela pouca visão, já que fica à minhas costas, coloca-se como o ponto de suspense, afinal tudo pode surgir das entranhas de uma ladeira de paralelepípedos. Agora, o mais brilhante, aos meus olhos, é o Norte! Ali sim, de frente para o Largo abre-se um universo densamente povoado, barulhento, ágil, dinâmico, encantador!


Entre as ruas que convergem para o largo existem dois pontos de ônibus intensos, um de ida, outro de volta, determinação individual e intransferível. Ali se encontra tudo: lanches, DVDs, eletro/eletrônicos, pregadores, pirados, estafados, estressados, moças e rapazes para todos os gostos, ocupados, desocupados, poetas, estetas, estudiosos, analfabetos, atletas, humanos! Sim, acima de tudo humanos, demasiadamente humanos demais. É ali que fito minha atenção.

Pois foi neste local, neste Largo, ou simplesmente, no Chame-Chame, que avistei, lá do outro lado do largo Largo, eles se aproximando. O passo era de quem sabe para onde está indo e sabe que vai chegar, portanto, nada de ansiedade nem pressa, afinal os elementos móveis irão se deslocar, porém os imóveis estarão lá aguardando pacientemente o seu chegar.


Era um casal muito elegante e altivo. Não chegou a se fazer “uma pausa de mil compassos”, mas naquele fim de tarde abafado do verão nordestino brasileiro, fez-se um hiato de tempo, era como o Mestre-sala e a Porta-bandeira, ele com a camisa do seu time do coração, e ela com a “canarinho” da seleção. Ali não havia atrito algum, eles deslizavam entre calçadas e asfaltos, como se o mundo só existisse para que eles adentrassem naquele Largo como o Rei e a Rainha, com suas insígnias dizendo aos transeuntes - divirtam-se meus súditos! O reino é largo, cabem todos os desejos!


Por um instante, naquele abafado de janeiro, antes do atendente do Clube Recreativo poder andar entre a sede social e a área recreativa externa, trazendo algo para me refrescar, observei que atrás daquele casal vinha uma multidão, cantando e dançando, eram, negros, índios, caboclos, asiáticos, brancos, cafuzos, seres indescritíveis.


Percebi que era um cortejo, um misto de Escola de Samba carioca, com Afoxé baiano. Olhei o sorriso elegante do casal que, lentamente, se aproximava, observei novamente o traje de gala que portavam e pensei, bem baixinho, como dizia o saudoso Cazuza, “para nem eu mesmo ouvir”, “Onde andará Mariazinha? Meu primeiro amor, onde andará ?”.

- A que o senhor gosta não está gelada, quer outra?

Fui chamado de volta ao Largo do Chame-Chame.


Roger Ribeiro.
23 de janeiro de 2009.

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