sexta-feira, 3 de abril de 2009

Dois Pontos e uma linha

Dois Pontos e uma linha


Era um dia de teste, mas... quem quer testar o quê? Essa pergunta não saia de minha cabeça: testar, experimentar e depois emitir um juízo, mas... quem pode ser juiz? O que você vai julgar mesmo? Perguntas e mais perguntas se avolumavam e, claro, resposta que é bom, necas!!! Nem por perto ela passava, só perguntas.


Já que não havia jeito, afinal a única coisa que sabia era que o prato a ser experimentado era eu, às 11 horas estava na rodoviária entrando no luxuoso ônibus executivo que me levaria à banca de teste. A alguns quilômetros do destino, o céu aventurou-se a enviar mensagens em forma de água. Chovia como se todos os santos, sem exceção, chorassem. Abriam o pranto de forma mais que absoluta. A água subia rapidamente, e pressenti que minha programação inicial começava a submergir.


Cheguei à outra ponta do meu dia, ou seja, à outra rodoviária e, sem alternativa e a 20 minutos de ser degustado. Peguei um táxi, escolhi o mais velhinho que estava à disposição, pois sabia que os taxistas dos carros novos teriam temor de enfiar seus lustrosos automóveis naquelas poças que mais se assemelhavam a uma grande lagoa.


Cheguei em cima da hora, porém, ainda há tempo. Às 14 horas, em ponto, fui servido a 30 olhos ávidos como a mãe águia em busca de alimento para seus filhotes. Usei os meus melhores temperos, fiz de forma lenta e gradual o caldo se transformar em um suculento e poderoso pirão. As bocas pertencentes aos olhos nada diziam, vez por outra anotavam algo e continuavam a devorar-me. Lembrei-me de como olho algumas mulheres que passam por mim. O que será que elas sentem ao atravessar o meu quase sólido olhar?


Passei do tempo previamente estabelecido em muito, não sei o que ocorre comigo e o tempo, nunca consigo achar que ele é o limite. Por exemplo, não consigo parar de ler algo só porque são tal hora e amanhã tenho de acordar cedo, não consigo terminar uma palestra, uma conversa, ou um pensamento porque o tempo se esgotou, para mim a medida das coisas não é o tempo e sim o interesse e a paciência.


Saí da degustação e fui direto para a rodoviária fazer o sentido inverso. Ainda chovia, porém, mais calmamente, apenas alguns poucos santos ainda choravam. Comprei o jornal sentei na poltrona 27, o que me intrigou, pois na ida o bilheteiro também havia me dado a poltrona 27, e comecei a saborear as notícias. É, a coisa não anda muito boa, mas aquele jornal poderia, ou melhor, deveria ser melhor. Mal escrito, sem bons articulistas e contando com resenhistas, analistas e cronistas que, sinceramente, de minha parte, acumulava frustração cada vez que tentava, através deles me informar das relações dos fatos. Mas, era o que havia e assim sendo... mais uma vez inclinei-me e resignei-me.


Cheguei à outra ponta, que antes havia sido marco de início e agora era marco de chegada. No telefone uma enigmática mensagem de texto dizia: “eu vou, você vai?” Caramba! Pensei: que código será esse? E agora, será que eu vou? Entrei no ônibus e fui, não sei se para o lugar onde a mensagem enigmática queria me remeter, mas fui.


Mais uma hora dentro do mini-ônibus, alguns segundos no belo Elevador Lacerda, observando a cara de êxtase dos turistas e lá estava eu. E, para variar, uma nova dúvida se apossava de mim: tomar ou não tomar um milkshake na cubana? E se imperar o sim, pedir o maltado ou não? Fui salvo, da dor da dúvida, pelo menos, ao conferir a carteira e os quatro bolsos de minha calça, tudo resolvido, não havia verba para tal desejo. Portanto, pezinho na frente, pezinho atrás, lá vou eu, como dizia aquele sucesso local de anos passados: “balançando a bunda prá cá, balançando a bunda prá lá”, descendo as ladeiras de olor ocre de sangue do Pelourinho.

Encontrei umas duas dúzias de pessoas bacanas, amigas, conhecidas, chegadas, algumas quase enamoradas, apesar delas ainda não saberem disso, e também fiquei sabendo de mais tantas pessoas que estavam lá mas que o volume de pessoas em uma exígua praça não permitia nem muito movimento, nem muitos ângulos de olhares.


De repente, uma invasão de som, um som de uma elegância rara, muito rara, anunciava que daquele momento em diante um grande estrondo sonoro iria dominar o meu universo e assim se faria o verbo. Em meio a tudo isso dois guitarristas, um negro e o outro branco faziam o tempo perder o sentido, provendo em meus lábios um refrescante sorriso e a certeza de ter confirmado a resposta a uma das minhas primeiras dúvidas, ou seja, a medida das coisas é a paciência, só ela foi capaz de me presentear com a liquidez do seu olhar a me afogar, e você viu.

Roger Ribeiro.
11 de dezembro 2008

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