sexta-feira, 3 de abril de 2009

Você Quer Dançar Comigo?

Você Quer Dançar Comigo?


O som era amplo, vigoroso, trazia em si uma série de influências bem perceptíveis, não havia nenhum cuidado ou interesse em ocultá-los, escamoteá-los. Parecia que a idéia era deixar clara a história construída, passo a passo, até aquele instante.

De súbito, estanquei a fala e desviei o olhar do objeto que, até aquele momento, fitava. Era algo maior, um fluxo sonoro inebriante, assustador e, talvez por isso mesmo, sedutor e apaixonante, deixei-me envolver.

Ao virar-me de frente para as luzes coloridas do palco avistei dois seres bem novos, novíssimos, na verdade dois garotos, um usava chapéu, outro não, procurei os outros e...! Surpreso, descobri que estes não haviam. Eram os dois. Uma Gibson semi-acústica vermelha, tocada por uma silhueta negra, ou quase negra, magra, longilínea, de chapéu e uma bateria. As luzes do palco não me permitiam ver a marca nem a cor original, as mãos que seguravam as baquetas, eram brancas, e o rosto largo e branco, quase rosado, permitia perceber a falta de pêlos.

Eram dois meninos. E o que faziam aqueles dois meninos em meio a um imenso volume de consistentes ondas sonoras?

Naquela sólida névoa sonora, em meio à praça, me via fragmentar, sentia algo que desde pequeno nos shows dos Novos Baianos, na Concha Acústica do teatro Castro Alves, em Salvador, não sentia. Era como se aquele objeto sem matéria conseguisse penetrar por entre minhas células e fosse desprendendo uma das outras e, de repente, estava eu a ondular junto ao som. Nada parecia real e, mais ainda, nada parecia poder reorganizar a matéria. Assim como um dia desejou o guitarrista Hendrix, tornei-me um gás Hélio. Perto do fogo.

Senti um vulto, apenas um vulto. Isso tem variados significados dependendo da época e da geografia, porém estando na Bahia, em Salvador e sendo o mês de novembro... Vultos não podem ser ignorados, pelo menos até os ventos bárbaros do início de dezembro os pô-los no devido lugar. O que importa é que mesmo desmaterializado senti o vento que se deslocou quando você passou, sim, você que, à primeira sensação, achei tratar-se de um vulto.

Percebi que me reagrupei ao senti bater em minha perna um papel abandonado que rastejava ao sabor dos ventos gerados pelo deslocamento das pessoas. Era muita gente, muitas falas e muito deslocamento. Por tudo isso, havia muito vento. Sempre desconfio das pessoas que dizem que deixam suas vidas ao sabor do vento, sempre tenho a impressão que não pondo-se em movimento, não produzirás os seus ventos, o que lhe deixará a mercê dos destinos alheios.

Re-materializado plenamente, lá estava eu em meio à praça. O som continuava tendo o efeito mágico de formar uma liga no ar que integrava seres completamente distintos e desconhecidos à única unidade. Todos ouviam os meninos, eles como um prisma catalisavam todos os olhares e os remetiam de volta, permitindo a intimidade entre todos, afinal os olhares já se reconheciam.

Do vulto que me interceptou do transe sonoro, guardo apenas o cheiro. Não tenho a imagem, apenas a fragrância do perfume que exalava, era leve e ocre, penetrante, cortante, tatuou-se em mim no exato momento em que aquela silhueta negra, ou quase negra, com sua Gibson vermelha e seu chapéu disparou um folk/blues do Bob Dylan.

Não me restou alternativa, coloquei-me em movimento, sai da praça, lembrei-me de uma canção do Erasmo e Roberto, comecei a assoviá-la, deslocando o meu vento para ir buscar o seu perfume.

“As coisas estão passando mais depressa
O ponteiro marca 120
O tempo diminui
As árvores passam como vultos
A vida passa, o tempo passa
Estou a 130
As imagens se confundem
Estou fugindo de mim mesmo
Fugindo do passado, do meu mundo assombrado
De tristeza, de incerteza
Estou a 140
Fugindo de você

Eu vou voando pela vida sem querer chegar
Nada vai mudar meu rumo nem me fazer voltar
Vivo, fugindo, sem destino algum
Sigo caminhos que me levam a lugar nenhum

O ponteiro marca 150
Tudo passa ainda mais depressa
O amor, a felicidade
O vento afasta uma lágrima Que começa a rolar no meu rosto
Estou a 160
Vou acender os faróis, já é noite
Agora são as luzes que passam por mim
Sinto um vazio imenso
Estou só na escuridão
A 180
Estou fugindo de você

Eu vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

O ponteiro agora marca 190
Por um momento tive a sensação
De ver você a meu lado
O banco está vazio
Estou só a 200 por hora
Vou parar de pensar em você
Pra prestar atenção na estrada

Vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes, às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

Eu vou, vou voando pela vida
Sem querer chegar”

(Erasmo Carlos -Roberto Carlos)

Roger Ribeiro.
21 de novembro de 2008.

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