sexta-feira, 3 de abril de 2009

Carta a Gregório


Salvador-Ba, 28 de agosto de 2008.

Querido amigo Gregório,

Em primeiro lugar, desculpe-me incomodá-lo em seu descanso eterno, mas como diria um poeta e literato contemporâneo dos bons, “a coisa aqui ta preta”, se é que ainda podemos usar essa onomatopéia de palheta da época em que azul era tranqüilidade, amarelo temor e preto dificuldades, sem ser processado, preso, linchado, decapitado, esquartejado, ter seus pedaços salgados e expostos em praça pública. Mas na época, o ainda jovem Chico Buarque assim desabafava em sua carta samba para falar do nosso querido Brasil varonil.

Pois exatamente por estarmos vivendo na nossa, sua por adoção, bela cidade à beira da Bahia de Todos os Santos, onde parece que se a coisa continuar assim, teremos que, por abandono do barco, trocar o nome desta para Bahia de Alguns Santos. Sei que nesse exato momento deves estar a se perguntar qual a natureza da aflição que me faz remeter à sua tão longínqua possibilidade de atuação.

Bem, na verdade, recorro a você pela lógica, que de certa maneira, alinhavou os seus caminhos por essa terra quando se inseriu com brutal volúpia crítica que não tardou a acunhar-te de “Boca do Inferno”. No decorrer da sua lida, arrefeceu-se os arroubos políticos terrenos, formando um lirismo místico, típico de quem troca o brasil do inferno, pelo azul limbo celeste. Olha eu aqui novamente com as nossas cores semióticas. Fico fascinado com essa trajetória e começo a perceber que na literatura baiana essas possibilidades são plenas e sua escala se faz cromática e íntegra.

Temos autores que parecem que nasceram das entranhas das reflexões operárias do século dezenove e que, de tanto observar o modelo obtuso e tirânico de se fazer política abaixo dos odores de cravos e canelas, findaram por compor-se, sentar-se e extasiar-se com ele. Isso é o que chamamos de um laboratório de personagem à posteriori. Aqui também plantou-se intelectuais conhecidos e reconhecidos no mundo inteiro, Doutores Honoris causa de Universidades espalhadas por toda a “bolinha azul”, mas se eu sair nesse momento na rua a perguntar por Milton Santos, João Carlos Teixeira Gomes, Luis Henrique Dias Tavares, Kátia Mattoso, e tantos outros, o que verei será uma cara de espanto e no máximo uma interjeição tipo – QUEM!!!!!????????

É meu querido Gregório, sei que a essa altura estás aí, ao lado do menino Castro Alves arrepiado e se perguntando:
- mas não é possível!!! Tenho visto, do alto destas nuvens tantos autores escrevendo da / ou sobre a Bahia de forma tão fluida, como Antônio Rizério, João Ubaldo Ribeiro, João José Reis, Elieser Cesar e... Nossa essa lista é tão compriii... Bem, na verdade, essa lista já foi bem maior menino Gregue (desculpe a intimidade), mas lamentavelmente parece que um “vento compressor” passou e saiu batendo e lacrando portas importantes como o Ginásio da Bahia, o Colégio Severino Vieira, Manoel Devoto e tantos outros celeiros de bons leitores que, por isso, acabou por produzir uma geração que soube traduzir com maestria tudo o que leu, viu e ouviu, cada um com sua linguagem - música, poesia, dança, cinema, literatura, magistrado, enfim, uma juventude instrumentalizada que soube o que e como dizer de sua existência ao mundo.

E por fim, Gregó, venho te dizer que tens muito haver com tudo isso, com essa geração. Tu és mais atual do que nunca, pois é exatamente de seu espírito intelectual e destemido, curioso e corajoso, que está a faltar à velha Bahia dos dois “Fês”.

Aproveito para te recomendar que procures aí um bigodudo poeta com pinta de polonês que um dia me disse: “as coisas estão pretas / uma chuva de estrelas / deixa no papel / esta poça de letras”.
Abraços a todos,

Roger Ribeiro.

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