sexta-feira, 3 de abril de 2009

Batalha de Confetes.

Foi em mil novecentos e setenta e sete que me foi apresentado no seu formato real. Antes disso era uma peça de admiração e ao mesmo tempo de temor, afinal passavam, todos pela Avenida Sete, era mão e contramão para blocos e trios.

Não sei se eu é que era pequeno e, portanto, ficava sufocado entre um universo de tecidos coloridos que denominados de mortalhas eram o traje quase que obrigatório para se sambar, ou melhor, brincar, ou como era mais comumente falado “pular” o carnaval. Mas até o dito ano, carnaval era sinônimo de aperto e sufoco, principalmente para alguém que, na época em que, por exemplo, subia a Ladeira da Praça os Lords e descia, a mesma, os internacionais, não passava de um metro e pouco de altura.

Pois nesse ano de setenta e sete, estávamos todos na Praça da Piedade em uma barraca de bebidas e comidas, coisa que lamentavelmente não existe mais. As barracas de comidas eram onde se encontrava as melhores iguarias da cozinha baiana feita em fogareiros de carvão e na panela de barro...

Saia-se da casa para “pular” o carnaval e comer uma moqueca de arraia, com pimenta e farinha de guerra, claro. Na barraca havia uma área reservada, fechada com um pano bem florido, onde uma mesa longa e coletiva indicava o lugar para a alimentação.

Bem, mas preciso chegar ao objeto dessa crônica... Essa memória... Pois estávamos nessa dita barraca e eu estava com minha namorada, a primeira namorada séria, uma menina linda que a tenho, como minha mais que amiga, irmã. Aliás, que nunca tive, pois pertenço a uma família de cinco homens e apenas uma mulher, minha mãe. Quando ouvimos um som estridente, era o cair da tarde e só senti aquela mão magrinha segurar meu pulso e me arrastar da Praça da Piedade para o meio da Avenida Sete, onde, pela primeira vez vi de frente aquela montanha de luz e som. Ela pulava e gritava em puro transe:- é o Trio de Dodô e Osmar!

Senti nesse momento o mesmo que, provavelmente, mestre Jonas sentiu ao avistar a baleia pela primeira vez. Uma multidão ensandecida à frente e ao lado abria espaço para a alegria com os braços abertos, entendi plenamente o frevo do Caetano Veloso. Mas a maior surpresa foi quando após muitas cotoveladas, conseguimos passar da frente do Trio para o fundo. Lá, um senhor de cabelos brancos e um sorriso permanente no rosto, socava com sua muleta (que ironia!) um canhão que disparava confetes sobre a Avenida. Pois nesse momento eu ganhei um beijo e fui apresentado àquele simpático senhor: - aquele é o Osmar Macedo que junto a Dodô Inventou o Trio Elétrico.

Dodô e Osmar, por que trio? Fiquei encafifado. Depois vim a descobrir que havia um terceiro parceiro que, não sei por que, não deixou seu nome na história.

Pois nesse dia fui apresentado ao Trio Elétrico, que se compõe de um caminhão iluminado e sonorizado com excelentes músicos. Isso é fundamental, muito por isso o Trio Elétrico tem perdido sua magia hoje, sessenta anos após sua criação, existem Trios que não possuem nem guitarra baiana!? Quanto mais bandolim...! Isso é inaceitável, mas o que faz realmente um Trio Elétrico é uma multidão em transe pulando, cantando, “rebolando na avenida para desgraça e glória dessa vida”. Se assim não for, ao som da estridente guitarrinha “ARMANDICA”, não é Trio Elétrico.

Nunca mais abandonei, lembro da vergonha profunda que senti, quando em um ano, não lembro qual, por falta de verba, o Trio Elétrico de Dodô e Osmar não participou do carnaval de Salvador, se não me engano foi para Pernambuco. Vixi! Que vexame, que vergonha. O poeta fechou a mão.

Também assim é com minha doce primeira namorada, minha grande amiga, minha irmã, que não encontro o ano todo mais sei que a encontrarei na segunda feira de carnaval atrás do Trio de Dodô e Osmar. Todo ano sem falta e ela continua apresentando essa maravilha, agora aos seus filhos.

Ano de dois mil e nove, tantos carnavais depois, lá estava eu esperando o Trio, ele claro, o melhor de todos, hoje sem o canhão de confetes, pois o canhoneiro e sua muleta já não estão presentes, mas com o brilho dos seus filhos, e principalmente o Xamã, que irá entorpecer a todos, Armando Macedo, - quem? Claro, desculpe-me, ARMANDINHO! Como todos os baianos o conhece. Quando, de repente, em um carnaval onde já quase não existe fantasia, onde já não existe mortalha, não existe a barraca de alimentação, não existem confetes e serpentinas. Você chegou, com uma máscara de papel e uns olhos que brilhavam, infinitamente mais que as estrelas.

Meu Deus! Sai feito louco atrás do Trio Elétrico cantarolando “quem é você? Diga logo que quero saber o seu nome...”, sabia que nunca mais a veria e nunca saberia a quem pertencia àqueles olhos, que brilhavam mais que o Trio.
Mil novecentos e setenta e sete, dois mil e nove, esse tal de carnaval...

Roger Ribeiro.
06 de março de 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário