sexta-feira, 3 de abril de 2009

E eu quase morri.

E eu quase morri.


Dizem que quando se acorda de um sonho ruim, um pesadelo, a vida toma fôlego, os olhos se alegram e se arregalam pelas belezas reais. Talvez esse dizer, tão antigo que, sei veio antes de minha própria existência, contenha uma boa dose de razão, ou, quem sabe, seja apenas uma fala materna à beira da cama, mão à testa do filho suado de atravessar aquele sonho tão espessamente sólido.

Pois assim se manifestou em meu sonho, de forma bem real, que a maioria das coisas que conheço existiam antes de mim. De início, o lado egoístico de meu cérebro, livre de mim, posto que estava em sonho, adiantou-se em negar a constatação. Ecoou na caixa de ressonância cerebral: não! Afinal se eu não existia então o meu olhar sobre o mundo não recaia e, portanto, para mim, nada existia.

Não deixou de ser uma argumentação que me reconfortou, afinal tem algumas coisas que se chegarmos a conclusão de sua existência pré existem ao eu, de nada fará falta, nem presença nem vazio. Por exemplo: o mar, sim ele pode perfeitamente existir antes de mim, a moqueca de peixe, principalmente de Vermelho de Fundo, nesse caso tem que se ser baiano para entender o seu profundo significado, afinal disse-me certa feita um conhecido mineiro: - “ora, moqueca é moqueca! Basta ter peixe, por dendê e leite de côco e pronto, é só comer. Balancei a cabeça e apenas pensei: coisa de mineiro.

Retornando às coisas que podem e que não podem pré existir à existência do eu, digo com toda a sinceridade que também as mangueiras, com seus frutos exageradamente doces, poderiam existir. Não seria eu tão egoísta a ponto de negar aos transeuntes terrestres antecessores a mim à delícia de sorver uma manga espada à areia da praia. É realmente um prazer único está ali em uma das enseadas da ilha de Itaparica, e se permitir ver aquele espesso líquido amarelo, manga, escorrer pelo braço até se precipitar em queda livre após o cotovelo.

Tudo bem... Sei que essa lista de prés, pode ficar enorme e conseqüentemente enfadonho aos leitores, por isso me contentarei em permitir a existência do mar e da manga, abrindo o leque para os vários tipos desta (além da espada, a rosa, a Carlota, a Carlotinha, etc.). Mas, e que isso fique bem claro, existem coisas inconcebíveis de pré existirem ao eu, e disso não abro mão em hipótese alguma.

Ao ser tão enfático na declaração comecei a suar. Pronto! O caminho estava aberto para que aqueles diabinhos que existem dentro de nós encontrem terreno fértil para invadir o sonho, sonho, por sinal, que não lhes pertencem, afinal fui dormir para recuperar as forças, recompor as energias, serenar as inquietações; não é para isso que dormimos? Pois, quando senti, em sonho, que a primeira gota de suor escorria da testa para a nuca, percebi que algo havia se transformado, tive a certeza de que não havia como escapar, e por fim acordaria exausto. A batalha estava para começar.

Minha memória ganhou vida própria e à velocidade de vídeo clip começou a materializar em meu sonho coisas que jamais poderiam existir antes do eu. Com rápidos flashes luminosos, apareciam imagens de Castro Alves, do sorvete de amendoim da Ribeira, dos Rolling Stones, de Bob Dylan, de Itamar Assumpção, do abará de Dona Maria, dos dribles de Garrincha, da Pedra do Arpoador, da vista da Pedra da Gávea, da amizade ao fim de tarde... Não! Era demais! Era uma sensação insuportável de ser desnecessário, descartável. Porém, o pior ainda estava por vir.

Como golpe final, decretou-se que cerca de 95 por cento de tudo o que eu conhecia, conheço e ainda irei conhecer, está na condição de pré eu. Esse golpe foi baixo, afundei-me no travesseiro, já não suava apenas nas têmporas, era uma lagoa plena, brotava um líquido frio de todo o meu corpo. Recorri a Deus, afinal, não havia matéria no sonho para me agarrar, e todos os recursos da cientificidade racionalista já haviam sido derrubados pelos fatos.

Estava a alguns milímetros apenas de curvar-me aos fatos e admitir que o mundo não precisa de mim para existir. Nesse momento, já estava entregue. Só faltava derrubar o rei e reconhecer que a batalha estava perdida.

Nesse exato momento, seus olhos passaram sorrindo por mim...

Ah! Gritei, aceitem agora a derrota seres do pântano que seqüestraram meu sonho! Venci! Percebi pelo silêncio que meus adversários, com a espada em meu pescoço, me julgavam enlouquecido. Bradei firme, com a firmeza dos que vencem. Sem minha existência, aqueles lindos olhos não irão sorrir para mim!

Engraçado, acordei com uma imensa sensação de que tenho algo importante para fazer.

Roger Ribeiro
06 de fevereiro 2009.

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